Artigo – Filiação socioafetiva: Um nova dimensão afetiva das relações parentais

O presente trabalho científico tem como fim defender a concessão da guarda socioafetiva,tendo em vista o princípio da solidariedade familiar, previsto no art. 3º, inciso I, da CF/88).

Para tanto inicia a sua abordagem a partir dos conceitos do que seja “família”, “afeto” e “afetividade”.

E o desenvolvimento dos conceitos dos vocábulos acima mencionados, será acompanhado do estudo da evolução da família, bem como da filiação.
Visando embasar a defesa da concessão da guarda socioafetiva por quem não seja pai ou mãe biológicos, é que se utilizarão alguns princípios constitucionais.

Em função disso falar-se-á do conceito do que sejam os princípios, destacando os princípios da igualdade, dignidade da pessoa humana, sociabilidade, prevalência dos interesses dos filhos menores, pluralismo das entidades familiares e solidariedade familiar, a fim de ressaltar a forma como eles dão um forte alicerce para o ordenamento jurídico.

A questão da guarda também será analisada à luz do Estatuto da Criança e do Menor Adolescente, bem como do Código Civil, sendo dedicado um capítulo específico para tal mister, a fim de analisar se as normas civis conflitam com as do Código Menorista. Nesse momento, será trabalhado o conceito do termo “guarda”.

Focalizar-se-á a importância da filiação e do afeto como um binômio essencial para a concessão da guarda por quem não seja pai ou mãe biológico de um menor.

Por último, mas, não menos importante, será ressaltada a questão do afeto como um dos elementos contemporâneos que permeiam o Direito de Família, bem como a concessão da guarda socioafetiva.

1 A EVOLUÇÃO DA FAMÍLIA, DO AFETO E DA FILIAÇÃO

Falar em família sem tocar na questão da afetividade e do afeto é tarefa impossível, pois, é, justamente, a presença de ambos que preenchem o conteúdo das relações interpessoais familiares.

O termo família, do latim família, corresponde às pessoas aparentadas, que vivem, em geral, na mesma casa, particularmente, o pai, a mãe e os filhos; ou seja, pessoas unidas por laços de parentesco, pelo sangue ou por aliança. [1] Além disso, a família é um fato social, cultural e jurídico.

O vocábulo afetividade é formado pela junção dos termos afetivo e (i) dade, que, segundo a psicologia, é o conjunto de fenômenos psíquicos que se manifestam sob a forma de emoções, sentimentos e paixões, acompanhados sempre da impressão de dor ou prazer, de satisfação ou insatisfação, de agrado ou desagrado, de alegria ou tristeza. [3]

O afeto, do latim affectus, diz respeito à afeição por alguém, inclinação, simpatia, amizade ou amor. [4]

Dessa forma, é inevitável afirmar que as relações familiares são permeadas pelo afeto, sendo que, depois de certo tempo, produzem conseqüências legais. Assim, é que o afeto passa a ter relevância externa, ingressando na órbita jurídica.

O afeto sofreu evolução, passando por fases distintas. A primeira correspondeu à presença do mesmo de forma presumida nas relações familiares, sendo que a sua importância jurídica consistia em somente ser tomado como existente.

Cumpre esclarecer que a affectio maritalis, dentro do casamento, servia apenas para expressar o afeto como elemento integrante da estrutura do patrimônio. Todavia, houve um momento em que o afeto se tornou essencial para conferir contornos jurídicos às relações familiares. Foi desse modo, que a figura do afeto ganhou destaque na seara do Direito de Família, [5] o qual é o locus do afeto.

No Direito de Família pátrio há dois modelos básicos de família: a patriarcal e a eudemonista.

No modelo patriarcal havia pouco ou quase nenhum espaço para o afeto. A família do Código Civil de 1916 era hierarquizada, patriarcal, matrimonializada e transpessoal, de forte conteúdo patrimonialista que colocava a instituição em primeiro lugar. Uma vez que, o homem direcionava sua vida para a manutenção e o fortalecimento dessa instituição, que se caracterizava como núcleo de apropriação de bens nas classes abastadas.

A família colonial era matrimonializada (voltada para o casamento, que era produto da influência canônica), hierarquizada (presença marcante do pater familias colonial) e patriarcal.

Nessa época, prevaleceu a família extensa e não a nuclear, pois, além dos pais e filhos, havia outros familiares, como avós, tios, sobrinhos etc. .
São traços da família colonial: chefia exclusiva pelo homem, que exercia tanto o papel de pai como o de marido; a mulher desempenhava o papel de esposa e mãe e os filhos deviam um respeito ao pai, que era o mesmo devido a um patrão e ao Estado. [6] Portanto, essa é a família transpessoal, que se preocupava com a sua continuidade, sobrevivência, ou seja, a mantença da mesma por várias gerações, deixando de lado os interesses e necessidades afetivas de seus membros.

A família, do período imperial, caracterizou-se pela desestruturação do sistema escravista de produção e a inserção dos imigrantes europeus em solo brasileiro.

O período imperial foi marcado também por uma política de imigração, promovida, a fim de substituir a população negra que estava adquirindo, pouco a pouco, a condição de liberta, além de aproveitar-se dessa necessidade de produção, para a difusão de uma ideologia de proximidade à realidade européia desenvolvida. Dessa forma, o território brasileiro foi palco de diversas nacionalidades, que ocuparam as grandes lavouras de café, bem como a formar extensas colônias de produção e povoamento; tudo isso em face da propaganda enganosa das condições de vida e de trabalho no Brasil. Isso fez com que houvesse uma interação entre diversas culturas, seja pela necessidade de contato com povos de outras origens ou pela necessidade do contato externo que os núcleos populacionais promoviam com várias finalidades, dentre elas o comércio.

Dessa forma, com uma menor população urbana e maior sociedade rural, o grande número de filhos significava mão-de-obra para a realização dos afazeres necessários à sobrevivência, o que garantia a perpetuidade do núcleo familiar.

Com o processo de urbanização, o alto número de filhos deu lugar a uma reduzida prole, o que abriu espaço para o afeto, uma vez que o convívio entre os pais e esses poucos filhos seria maior. Tal fato indica um início de mudança no modelo tradicional. Assim, a família do século XX foi marcada pela presença da mulher como ser atuante no mercado de trabalho, que se tornou mais intenso a partir do movimento feminista da década de sessenta, e pela ideologia modernista da sociedade brasileira, conseqüência do aumento da industrialização e da urbanização.

O modelo patriarcal entrou em crise, cedendo lugar para a família eudomonista, a qual pauta-se no afeto, revelando a valorização dos sujeitos. Isso contribuiu para uma evolução da família, não sendo esta derivada somente do casamento, mas, existente, de modo plural.

Quanto ao sistema de filiação, tem-se claro que este sofreu influências fortes da família patriarcal, sendo que o Código Civil de 1916 baseou-se na família como grupo social, com origem no casamento e na consangüinidade, garantindo proteção somente à família legítima, afastando os filhos de uniões não matrimonializadas de qualquer proteção legal, além de qualquer possibilidade de ameaça aos filhos oriundos do enlace matrimonial. [7]

A filiação foi regulada com base em uma orientação advinda do direito romano, a qual postulava que da união do homem com a mulher decorriam dois tipos de filhos, o legítimo (quando os pais eram casados entre si), e o ilegítimo (fruto de um caso havido fora do concubinato). Os filhos ilegítimos se subdividiam em dois grupos: os naturais, oriundos do concubinato, representando uma terceira classe que surgiu no direito pós-clássico; e os espúrios, que receberam tal designação devido a impedimento de os pais se casarem à época de sua concepção. Ressalte-se que a filiação espúria se subdivide em espúrio incestuoso, cujo impedimento decorre de parentesco próximo dos genitores, ou de afinidade; e, espúrio adulterino, cujo impedimento se dá em função de um deles já ser casado com outra pessoa, havendo, dessa forma, a violação do dever de fidelidade recíproca. [8]

Os filhos adulterinos, por não se enquadrarem no modelo esboçado pelo sistema, não recebiam o reconhecimento pela original família codificada, destarte, apenas os filhos legítimos poderiam fazer parte daquele núcleo familiar de produção.[9]

Diante disso, tem-se claro e cristalino que o sistema desenhado pela Lei Civil de 1916, bem como as concepções dominantes dessa época convergiam para sustentar uma concepção familiar injusta, uma vez que os filhos de pessoas não casadas não eram reconhecidos pela Lei, em função dessa reconhecê-los como ilegítimos, o que lhes retirava a condição legal de “filho”.

No que tange à filiação, a Constituição Federal de 1937, em seu art. 126, trouxe a equiparação entre os filhos legítimos e os naturais. E essa disposição revogou o artigo 1.065 do Código Civil de 1916, o qual restringia os direitos sucessórios de filhos naturais que concorressem com legítimos ou legitimados. Em tal aspecto, a Carta Constitucional de 1946 foi silente sobre esse tema. [10]

Em 1942, o Decreto-lei 4.737 permitiu o reconhecimento de filhos adulterinos, condicionando-os ao desquite, e a Lei 883/1949 estendeu-o à dissolução da sociedade conjugal por qualquer modo. Após, com o ingresso da Lei 6.515/1977, no ordenamento jurídico houve a permissão a qualquer dos cônjuges, durante o matrimônio, de reconhecer o filho havido fora desse, através do testamento cerrado. Em 1984, a Lei 7.250/84 permitiu o reconhecimento extramatrimonial, em ação de investigação, desde que a separação de fato dos cônjuges perdurasse por mais de cinco anos. [11]

Do logo acima exposto, infere-se que houve uma evolução paulatina em termos de filiação, sendo que foi a partir da Carta Constitucional de 1988, que a filiação ganhou um destaque maior. [12]

Assim, a filiação ilegítima outrora consagrada pelo jurídico, hoje é inoperante em função da evolução do direito de família que possibilita o destaque pela busca da real filiação, quais sejam as verdades jurídica, biológica e socioafetiva.

Além disso, urge salientar que não há mais aquele modelo de família, baseado num paradigma único, haja vista a família monoparental, a família single (solitário) e a união estável, isso representa o reconhecimento formal da pluralidade no que se refere à família.

Os novos rumos assumidos pelo Direito de Família encontram desafios para superar o sistema jurídico privado clássico e adequar-se ao modelo constitucional esculpido pela CF/88, cuja estrutura é plural é fundada em princípios da promoção da dignidade humana e da solidariedade, onde a família é concebida como referência de liberdade e igualdade, em busca da felicidade de seus membros.

A pluralidade marca o novo contorno da família contemporânea, pois pessoa e família podem ser redimensionadas, a fim de satisfazer as necessidades de seus membros. Por isso é que não há mais espaço para o monismo jurídico, que deve ser substituído por uma visão plural do Direito e suas fontes (princípios), a partir de novos modelos. Dessa forma, é preciso repousar um novo olhar sobre a sociedade brasileira, realizando um Direito coadunado com o seu tempo e com sua história, valorizando o afeto e a solidariedade.

O afeto não é mensurável, preciso ou valorável, logo, ele é subjetivo, além de ser um ingrediente fundamental por compor os relacionamentos, o que acaba gerando conseqüências que devem integrar o sistema normativo legal, não se podendo considerar apenas a formalidade do vínculo jurídico, já que os laços afetivos devem ser levados em conta em conjunto com os outros elementos que compõem, a clássica noção jurídica de família.

Destarte, a família moderna valoriza um elemento abstrato que é o sentimento, o qual traduz o conteúdo do que seja afeto, elemento propulsor, além de ser o alicerce da relação familiar. [13]

Logo, a noção de família contemporânea contribui para a afirmação do afeto como elemento fundamental para determinar a verdadeira relação familiar entre um menor e uma pessoa que não possua, para com esta, relação direta de descendência.

2 A PRINCIPIOLOGIA EMBASADORA DO DIREITO À GUARDA POR QUEM NÃO SEJA PAI OU MÃE BIOLÓGICOS

A guarda socioafetiva encontra amparo legal no parágrafo único do art. 1.584 do Código Civil, o qual receberá o devido enfoque em capítulo apropriado para tal fim. Esse amparo legal somente foi existente em face da regra excepcionadora em relação ao caput do art. 1.584 do CCB, expressa através, da criação pelo legislador, do seu parágrafo único que permitiu, segundo o prudente arbítrio do magistrado, a concessão da guarda por quem não seja pai ou mãe biológico.

É mister ter em mente que a realidade social é dinâmica, revelando a sua mutabilidade, de forma mais expressiva, na seara do direito de família. Essa dinâmica social, analisada, brevemente, sob o prisma do presente estudo, fica clara pela quantidade de pessoas que criam, com afeto, menores que convivem consigo, sem serem pai e nem mãe biológicos dos mesmos e que, ao se verem privados da companhia do infante querido, pleiteiam, judicialmente, a guarda deles Assim, a guarda socioafetiva representa uma realidade social que merece um olhar atento aos seus contornos, bem como a defesa da sua adoção nos casos em que for cabível.

É interessante nos questionar o seguinte: por que o legislador não privilegiou o instituto da guarda socioafetiva em artigo de lei autônomo, e sim como regra excepcional consubstanciada em um parágrafo único (PU do art. 1.584 do CCB)? Talvez a resposta resida no fato de que o ilustre legislador do diploma civil de 2002 não imaginasse que o instituto da guarda socioafetiva pudesse ganhar um certo vulto social. No entanto, a ausência, pelo legislador, da concessão do destaque merecido à guarda socioafetiva não a prejudica, vez que há outras fontes legais, tais como os princípios constitucionais, que convergem para o seu enlevo, pois, a concessão da guarda socioafetiva é, antes de tudo, uma questão de ética e de justiça, já que, é esta que visa evitar as falhas do legislador, permitindo que o cidadão possa exercer, livremente, os seus direitos e as prerrogativas que a lei confere a todos.

É nessa esteira, que os princípios vigentes no ordenamento jurídico legal serão utilizados para embasar e ratificar a legalidade, viabilidade e a concessão da guarda socioafetiva, como meio de defesa daqueles que pleiteiem a concessão da referida guarda.

Primeiramente, é mister nos remeter ao conceito do que seja o vocábulo princípio, destarte, esclarecemos que o mesmo é derivado do latim principium, que possui sentidos diversos, apresentando acepção de começo, início, nascimento, origem. Todavia, aqui, será relevante o sentido jurídico do termo, bem como sua evolução até alcançar o patamar de base de um ordenamento jurídico na contemporaneidade.

Observe-se que as funções dos princípios, entre outras, são a de regularem casos concretos, dirimindo dúvidas de interpretação, esclarecendo o sentido da norma e servindo de guia para sua própria aplicação.

É dentro desta perspectiva, que serão abordados alguns dos seguintes princípios presentes na Magna Carta de 1988, quais sejam o da igualdade ou isonomia, dignidade da pessoa humana, sociabilidade e solidariedade. Há também alguns princípios específicos de Direito de Família, que estão presentes na CF/88, no entanto de modo implícito, como o princípio do pluralismo das entidades familiares (art. 226, § § 1º, 3º e 4º).


2.1 Princípio da igualdade ou isonomia

O Princípio da Isonomia ou Igualdade, localizado na seara dos direitos fundamentais, consiste no tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais na proporção de sua desigualdade.

As concepções jurídicas de igualdade têm suas raízes na idéia de igualdade em Aristóteles, notadamente, em suas obras, Ética a Nicômaco e na Política. Assim, o justo em Aristóteles é conseqüência do correto julgamento daquilo que seja considerado bom e melhor para os homens. Logo, a identificação daquilo que seja justo dá-se através de juízos sobre aquilo que seja bom e melhor, bem como a correção de tais juízos, sendo que, de acordo com Aristóteles:

… se as pessoas não forem iguais, elas não terão uma participação igual nas coisas, mas isto é a origem de querelas e queixas (quando pessoas iguais têm e recebem quinhões desiguais, ou pessoas desiguais recebem quinhões iguais) (…). [14]

O princípio da igualdade possui dois aspectos, sendo um formal e o outro material, aquele diz respeito à aplicação do direito vigente, ignorando qualidades ou características pessoais do sujeito passivo da norma jurídica. Já a igualdade material corresponde ao igual tratamento dos casos iguais pelo direito vigente, bem como a diferenciação no regime normativo em face de situações diferentes. Essa distinção de tratamento é resultante da evolução social, histórica e legal, pela qual passou o Estado, entendido como de Direito Formal, Liberal, de Direito e de Legalidade, esse último, é resultado do fenômeno de radicalização do processo de formalização do Estado de Direito. [15]

Dessa forma, aplicar o instituto da guarda socioafetiva, nos casos concretos e cabíveis, significa preencher o conteúdo do princípio da igualdade, igualando todos os membros da sociedade, sem dar espaço para classes privilegiadas. Destarte, a concessão da guarda socioafetiva vai ao direto encontro do imperativo da igualdade, que prima pela defesa da aplicação da mesma lei a todos endereçada, mesmo que em situações diversas, sem levar em conta as diferenças e particularidades dos destinatários, ou seja, os laços sanguíneos. E tal ideal é tão sério, que a própria CF/88 em seu art. 3º, IV estatui que se deve “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. É preciso ter atenção redobrada para as últimas palavras do texto constitucional citado, pois, “quaisquer outras formas de discriminação” inclui também o não preconceito pela consangüinidade de um indivíduo em relação a outro.

É nesse viés que se afirma que o princípio da igualdade, em face das diferenças existentes entre as pessoas, tem a finalidade de reconhecê-las e a elas empregar desigual ou igual consideração jurídica na proporção destas distinções. No entanto, tal resultado será alcançado com a percepção do que diferencia ou equipara uma pessoa à outra. Portanto, se o tratamento igual inexige razão de ser ou motivação para ser imposto, a desigualdade deve ser muito bem fundamentada.

2.2 Princípio da dignidade da pessoa humana

Antes de focalizar o conteúdo do princípio da dignidade da pessoa humana é interessante analisar o que seja “dignidade” e “pessoa”. O primeiro vocábulo tem sua origem etimológica no latim, através do termo dignitas, que significa mérito, prestígio, consideração, excelência, chegando a indicar cargo honorífico no Estado. [17]

A palavra “pessoa” tem a sua origem etimológica na expressão latina personare, que se referia à máscara teatral, a qual era utilizada para amplificar a voz dos atores, passando depois a designar a própria personagem representada. O termo pessoa incorporou-se na linguagem jurídica, correspondendo a cada um dos seres da espécie humana. O que fica explicado de forma perfeita no dizer de Jacques Maritain ao asseverar:

(…) que o homem é uma pessoa, queremos significar que ele não é somente uma porção de matéria, um elemento individual na natureza, como um átomo (…). É assim de algum modo um todo, e não somente uma parte, é em si mesmo um universo, um microssomo, no qual o grande universo pode ser contido por inteiro graças ao conhecimento, e pelo amor pode dar-se livremente a seres que são como outras tantas encarnações de si próprio (…). Asseverar que o homem é pessoa, quer dizer que no fundo do seu ser é um todo mais do que uma parte, e mais independente que servo. [18]

É dessa forma que a CF/88 ao afirmar que a dignidade é inerente ao ser humano, queremos expressar que o homem é um fim em si mesmo, e que o Estado existe em função de todas as pessoas e não as pessoas em função do mesmo.

Assim, o homem se constitui no valor supremo da democracia, e, em razão disso, surgiram direitos específicos de cada ser humano. Essas normas de direito fundamental, previstas no sistema constitucional, por cumprirem funções estruturais do Estado, acabam por ocupar uma posição superior dentro da ordem jurídica, vinculando de forma imediata os poderes públicos e, a interpretação dos demais preceitos legais e constitucionais. [19]

O princípio da dignidade humana é um instrumento que deve garantir a efetivação dos direitos e liberdades fundamentais do homem, por isso é que se há de conhecer a dignidade presente na concessão da guarda socioafetiva. Já que o conteúdo de tal princípio abrange o valor da pessoa humana, informando o poder de cada pessoa exercer livremente a sua personalidade, de acordo com seus desejos pessoais. O instituto da guarda é um ato de cuidado, amor e zelo, sendo também um dos exemplos da máxima expressão do afeto, por contribuir para o crescimento da dimensão humana de outro ser humano, uma vez que o guardião contribuirá diretamente para a formação do caráter, valores morais, educação e personalidade do menor guardado. Diante disso, é preciso que aqueles que não sejam pais biológicos de um infante e que tenham o forte desejo, apresentando as devidas condições, de ser guardião de um menor, tenham a seu dispor meios para efetivar a realização desse desejo, que na verdade é um direito.

A dignidade da pessoa humana também está associada a outros Direitos, os quais são os Fundamentais e os Humanos, porque tais direitos são temas que se interligam, sendo que, ao mesmo tempo, sintoniza-se com uma concepção humanística da sociedade, não podendo ser dissociados. [20] Pois, os direitos humanos, no dizer de João Baptista Herkenhoff, são:

(…) aqueles direitos fundamentais que o homem possui pelo fato de ser homem, por sua própria natureza humana, pela dignidade que a ela é inerente. São direitos que não resultam de uma concessão da sociedade política. Pelo contrário, são direitos que a sociedade política tem o dever de consagrar e garantir. [21]

Desse modo, do ponto de vista legislativo têm-se os tratados e declarações internacionais, entre os quais se destaca a Declaração Universal dos Direitos do Homem que dispõe:

Art. 1º Todos os seres humanos nascem ‘livres e iguais em dignidades` e em direitos. Dotados de razão e consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.

Art. 2º Todos os seres humanos podem invocar os direitos e liberdades proclamados na Declaração, ‘sem distinção alguma`, nomeadamente de raça, cor, ‘de sexo`, de língua, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação.

Art. 7º Todos são ‘iguais` perante a lei e, ‘sem distinção`, tem direito a ‘igual proteção da lei`. Todos têm direito a proteção igual contra qualquer discriminação que viole a presente declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação. [22]

Dessa forma, a dignidade da pessoa humana possui um conteúdo normativo, alem do ético, que visa informar a necessidade de providências que o implementem.

O direito de família hodierno reclama uma proteção maior das questões individuais e afetivas. Logo, reconhecer a natureza familiar do instituto da guarda socioafetiva é respeitar e realizar o princípio da dignidade da pessoa humana, que trata a pessoa como sujeito, e não como objeto, além de ser uma demonstração de sensibilidade jurídica.

2.3 Princípio da sociabilidade

O princípio da sociabilidade relaciona-se com a realização do Estado Democrático de Direito e com a esfera individual do ser humano. Pois, deve haver a promoção positiva da liberdade, a fim de criar condições de desenvolvimento da liberdade e da personalidade. Assim, é objetivo desse princípio implementar medidas realizadoras da dignidade humana, o que inclui, obviamente, a concessão da guarda socioafetiva. [23]

2.4 Princípio do pluralismo das entidades familiares

O princípio da pluralidade corresponde ao reconhecimento de outros modelos de família que não aquele fundado exclusivamente no casamento, o que fica bem exemplificado pelo reconhecimento legal das famílias natural, adotiva e a extramatrimonial. Todavia, tal princípio, que guarda relação com a dignidade humana, por dever respeito aos membros dos grupos familiares, deve receber uma interpretação ampla, o que vai ao encontro do ideal de aplicação da guarda socioafetiva. [24]

É claro que há quem interprete tal princípio de forma restrita, entendendo que a pluralidade de formas de família se restringe ao rol descrito no art. 226, da Lei Maior de 1988. Contudo, em face da mutabilidade social, que gera como conseqüências, novas espécies de famílias, não se deve ficar preso à legislação, pois, esta, depois de certo tempo, não mais refletirá com perfeição a realidade social.

Portanto, hodiernamente, a noção de família no direito é plural, e tanto é assim, que a própria CF/88 abandonou o casamento como único tipo de família legalmente tutelada, o que significa dizer que houve abdicação dos valores que justificavam a norma de exclusão, privilegiando o fundamento comum a todas as entidades. [25]

2.5 Princípio da prevalência dos interesses dos filhos menores

O princípio da prevalência dos interesses dos filhos menores em que pese ser muito mencionado pela doutrina e jurisprudência, não tem o seu conteúdo exposto de forma clara e concisa.

Tal princípio é relevante para o instituto da guarda, sendo imprescindível na concessão da mesma.

A relevância de tal princípio partiu da evolução do instituto romano do poder familiar (antigo pátrio poder) normatizado pelo CCB, sob a inspiração da Doutrina da Proteção Integral, o eixo do direito desloca-se para criança e o adolescente, transformados de objetos a sujeitos de direitos. Além disso, esse princípio visa não apenas analisar se o pedido de guarda atende os interesses do infante, mas abrange também os interesses de caráter sentimental, moral e material.

Esse princípio, também cognominado de princípio do melhor interesse do menor tem suas raízes no art. 6º da Carta Constitucional de 1988, que trata dos direitos sociais, notadamente, do direito à maternidade e à infância.

Ressalte-se que o princípio em tela tem seu bojo esculpido em torno do conteúdo do art. 227 da Magna Carta de 1988, que afirma que:

Art. 227 – É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

O princípio em comento também é colocado em prática em situações específicas, tais como quando o magistrado recomenda a confecção de laudo social a ser realizado por equipe profissional, no sentido de se verificar as reais condições em que vive o menor.

Urge mencionar, brevemente, outra manifestação na prática do princípio em tela, que ocorre quanto há a oitiva do menor nos processos de guarda.

Portanto, o princípio do melhor interesse do menor revela-se como um parâmetro que visa analisar o que é bom para um menor, mormente, nos processos de concessão de guarda, uma vez que se presta à proteção integral da criança e do adolescente.

2.6 Princípio da solidariedade familiar

A solidariedade social é reconhecida como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil e visa buscar a construção de uma sociedade livre, justa e solidária.

O princípio da solidariedade tem reflexos nas relações familiares, pelo fato da solidariedade ser um elemento que deve existir nesses relacionamentos pessoais.

E tal princípio serve de alicerce para a defesa da guarda socioafetiva na medida em permite a um menor conviver em um ambiente familiar para o compartilhamento de afetos e responsabilidades, compartilhando experiências e saberes interdisciplinares, que acabam por contribuir para o seu crescimento como ser humano.

A solidariedade possui três aspectos: o patrimonial, o afetivo e o psicológico.

É urgente ter em mente que para o presente trabalho somente os aspectos afetivo e psicológico é que serão relevantes, pois são esses dois elementos se traduzem na geração de deveres recíprocos entre os integrantes do grupo familiar.

Recorde-se que isso se justifica na medida em “O Estado assegurará à família na pessoa de cada um dos que integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações” (art. 226, parágrafo 8º da CF/88).

Logo, o princípio da solidariedade é um fato social, representando um meio de transformação social e de promoção da pessoa humana, sendo um dos alicerces justificadores da defesa da guarda socioafetiva.

O instituto da guarda socioafetiva traz, em seu bojo, um conteúdo de valores, sentimentos e emoções que não podem mais ser tidos como menos importantes ou invisíveis. Dessa forma, o meio de se constituir uma família está, intimamente, relacionado com sujeitos dessa relação, que no caso do presente estudo, refere-se ao guardião e ao menor guardado, sendo que tais sujeitos serão partícipes de uma relação em que haverá o desenvolvimento da afetividade recíproca, bem como da personalidade do infante. Assim, é dentro do âmbito familiar, que as pessoas, notadamente, o menor, realizar-se-ão, exercendo sua personalidade, recebendo suporte psicológico, desenvolvendo seu caráter e sua moral, bem como a noção da prática da conduta ética nas atividades cotidianas. Todas essas características presentes no seio familiar permeiam tanto as relações entre aquele que é pai e/ou mãe biológico com o seu filho menor de idade, quanto aquele que não possui esse vínculo de paternidade direto, mas que apresenta o mais importante dos vínculos, que é o afetivo.

Logo, a guarda socioafetiva enquadra-se nos ideais dos princípios ora comentados no presente capítulo, já que ela é concebível como uma família centrada na dignidade da pessoa humana, bem como na afetividade.

3 A GUARDA NO ECA E O CCB

Antes de discorrermos sobre o papel do instituto da guarda no Estatuto da Criança e do Menor Adolescente e no Código Civil, é relevante ter uma noção do seu conteúdo, ou seja, do conceito de tal instituto.

O vocábulo “guarda” deriva do alemão wargem, do inglês warden e do francês garde, e, conforme o dicionário Aurélio, tal termo também é derivado do germânico warda, consistindo no “Ato ou efeito de guardar; vigilância, cuidado, guardamento.” [26]. Figuradamente, a guarda significa proteção, amparo, favor, benevolência.

VIANA (2000) também nos traz uma idéia do que seja guarda, quando afirma que a mesma é:

ato ou efeito de guardar. Cuidado, vigilância a respeito de alguém ou de alguma coisa. Abrigo, amparo. Sentinela. Corpo de tropa que faz o serviço de vigia, proteção ou policiamento de um quartel, edifício público etc. Posição defensiva. Parte de uma espada, sabre ou punhal que serve de resguardo à mão. Homem encarregado de guardar ou vigiar alguma coisa. [27]

Em que pese tais conceitos terem um valor elucidativo, no tocante à guarda, somente nos interessará o seu conceito jurídico que, de acordo com GUIMARÃES (2005), [28] corresponde a “(…) um instituto destinado à proteção dos menores de 18 anos (limite de idade em que cessa o poder familiar), pelo qual alguém assume seus cuidados, na impossibilidade dos próprios faze-lo.”
Ainda de acordo com GUIMARÃES (2005):

(…) a guarda é um dos componentes do poder familiar, podendo, em casos excepcionais, dele ser dissociada e entregue a terceiro ou a apenas um dos pais o direito de ter consigo o filho menor e, conseqüentemente, o encargo de prestar-lhe assistência material, moral e educacional. [29]

A conceituação do instituto da guarda não é uma missão fácil, contudo não fica difícil perceber que o mesmo significa vigilância, proteção, segurança, um direito-dever que os pais, um dos pais ou um terceiro estão incumbidos de exercer em favor de um menor ou de mais menores.
Informe-se que em nosso sistema jurídico vigente, é inexistente a adoção obrigatória de um modelo de guarda que o magistrado deva adotar em um primeiro momento, sendo que o mais usual é a adoção do modelo de guarda única, em face de serem mais ocorrentes casos de guarda provenientes da ruptura conjugal. [30]

Em tal situação, a guarda será deferida a um dos cônjuges/companheiros, sendo um deles nomeado “guardião”, detendo a guarda material, enquanto o outro cônjuge/companheiro será considerado não guardião. Esclareça-se que tanto o guardião, quanto o não guardião, exercem a guarda jurídica, sendo que o guardião tem a imediatividade dessa guarda, assim ele tem o poder de decisão em virtude de ter a guarda material, enquanto o não guardião tem o poder de fiscalização, através da fixação de visitas, podendo recorrer, judicialmente, caso entenda que a decisão não seja o melhor para o seu filho. [31]

Existem vários modelos de guarda que demonstram e representam a pluralidade de soluções jurídicas que envolvem a guarda de um menor, sendo que, para cada caso, há um modelo de guarda que pode ser aplicado. Diante disso, e da pluralidade de modelos de guarda, é que enfatizamos a necessidade da adoção de um novo modelo, qual seja a guarda socioafetiva, nos termos do parágrafo único do art. 1.584 do CCB.
E para que não ocorram equívocos quanto ao enfoque do tema deste estudo, é que abordaremos a guarda sob o enfoque de tal instituto previsto no na Lei nº. 8.069/90 (ECA – Estatuto da Criança e do Menor Adolescente), bem como a guarda originária da separação, divórcio e separação de fato dos pais na visão da união estável.

3.1 A guarda no ECA

O instituto da guarda, no ECA, encontra-se regulado nos artigos 33, 34 e 35, e visa albergar os direitos da criança ou adolescente em relação aos interesses de seus pais, parentes ou guardiões.

Sob o enfoque do ECA, com a guarda, almeja-se colocar a criança em lar substituto ou família substituta, [32] em face da ausência da família original ou da impossibilidade de ser criada por ela.

O ECA, através da Vara da Infância e da Juventude, possui competência absoluta para apreciar a guarda, quando houver situação de risco para a criança ou adolescente. Tal situação de risco se traduz quando houver ameaça ou violação de quaisquer de seus direitos, constitucionalmente, declarados protegidos (alimentos, educação, dignidade, respeito, ambiente livre de drogas lícitas ou ilícitas, de violência ou qualquer forma de crueldade ou discriminação).

A guarda poderá ser deferida pelo Magistrado, quando envolver risco social ou pessoal para a criança e o adolescente, liminar ou incidentalmente, no curso de qualquer ação judicial, ouvido o Ministério Público, em caráter de urgência, sendo determinado o Estudo Social e Sindicância logo em seguida.

O ECA, em seu Capítulo III (Do Direito à Convivência Familiar e Comunitária), Seção III (Da Família Substituta), Subseção II (Da Guarda), art. 33, parágrafos primeiro e segundo, nos informa que:

Art. 33 – A guarda obriga a prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente, conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros inclusive aos pais.

Parágrafo primeiro A guarda destina-se a regularizar a posse de fato, podendo ser deferida, liminar ou incidentalmente, nos procedimentos de tutela e adoção, exceto no de adoção por estrangeiros.

Parágrafo segundo Excepcionalmente, deferir-se-á a guarda, fora dos casos de tutela e adoção, para atender a situações peculiares ou suprir a falta eventual dos pais ou responsáveis, podendo ser deferido o direito de representação para a prática de atos determinados.
(…).

A guarda descrita no parágrafo primeiro é classificada como guarda permanente, sendo uma guarda perene e estimulada pelo art. 34 do ECA. [33] Trata-se de estágio de colocação em família substituta, que pode anteceder os institutos mais amplos da adoção e da tutela. Além disso, essa guarda pode ser estabelecida pelo juízo da infância e da juventude e pelo juízo de família. [34]

O parágrafo segundo trata da guarda peculiar, que visa suprir uma eventual falta dos pais, [35] destarte tal instituto será deferido fora dos casos de colocação em família substituta, para atender a todas as situações peculiares que atendam aos direitos das crianças e adolescentes ou para suprir a falta objetiva ou subjetiva, permanente, eventual ou temporária dos pais ou responsáveis.

Nesse passo, quando é discutida matéria atinente ao poder familiar, regulamentação de visitas etc, competente será o juiz de família para determinar a guarda dos filhos, tendo em vista o que lhes for mais conveniente. Em contrapartida quando é discutida matéria que envolva a violação dos direitos fundamentais da criança e do adolescente, a competência será do Juizado Especial. Assim, a guarda, tratada no ECA, tem a sua concessão deferida à criança ou ao adolescente, por ocasião de abandono pelo pais ou orfandade, necessitando de colocação em família substituta, abrangendo também a guarda por terceiro (guarda socioafetiva). [36]

Portanto, não se deve confundir a guarda deferida em processo judicial em que litigam os pais, com a regulamentação da guarda para colocação em família substituta.

3.2 A guarda no CCB à luz do parágrafo único do seu art. 1.584

O Código Civil, em seu Capítulo XI, intitulado “Da proteção das pessoas e dos filhos”, informa em seu art. 1.584, parágrafo único, que:

Art. 1.584 – Decretada a separação judicial ou o divórcio, sem que haja entre as partes acordo quanto à guarda dos filhos, será ela atribuída a quem revelar melhores condições para exercê-la.

Parágrafo único Verificando que os filhos não devem permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, o juiz deferirá a sua guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, de preferência levando em conta o grau de parentesco e relação de afinidade e afetividade, de acordo com o disposto na lei específica. (Grifo nosso)

Dessa forma, quando não há um ajuste entre os cônjuges por ocasião da separação ou do divórcio dos mesmos, resta confiada ao juiz a delicada tarefa de confiar a guarda do filho a quem apresente interesse e condições para tal mister. Assim, quando o magistrado entender que não é recomendável que o menor fique nem com o pai e nem com a mãe, excepcionalmente, concederá a guarda ao parente mais próximo, seja pelo laço consangüíneo, seja pela afinidade espiritual ou afetiva. [37]

Mencione-se que a lei específica a respeito da norma em comento refere-se ao ECA (Lei 8.069/90), particularmente, aos seus artigos 19 ao 22, que cuidam do direito à convivência familiar, da família natural (arts. 25 ao 27) e da família substituta (arts. 28 ao 34). [38]

Destarte, a guarda poderá ser deferida aos avós, tios ou quaisquer outros parentes da criança ou adolescente ou até mesmo outra pessoa sem qualquer vínculo biológico, desde que haja ambiente familiar compatível. [39]

E isso fica confirmado pelo conteúdo do art. 29 do ECA que nos informa que “Art. 29 – Não se deferirá colocação em família substituta a pessoa que revele, por qualquer modo, incompatibilidade com a natureza da medida ou não ofereça ambiente familiar adequado.”

A guarda transfere ao guardião alguns dos atributos do poder familiar[40], permanecendo os pais com o exercício de outros atributos. Assim, os direitos dos pais devem ser sempre preservados, devendo haver, sempre que possível e conveniente, a manutenção do direito de visitas, [41] que deve ser regulamentado. Além disso, a guarda do menor não elide a obrigação dos pais de prestar alimentos.

A dicção projetada pelo parágrafo único do art. 1.584 do CCB coloca em pauta, dentro do direito de família moderno, a família afetiva ou emocional, independente de vínculo biológico. [42]

A Lei Civil privilegiou o parentesco como critério para a concessão da guarda. Etimologicamente, o vocábulo “parentesco” é oriundo de parente, que quer dizer “dar a luz”, “gerar”, [43] além disso, tem-se que parentesco é a relação que vincula as pessoas por: descendência uma das outras ou de um só tronco, casamento ou união estável, adoção e filiação social. O parentesco pode ser consangüíneo ou natural, o que vincula entre si pessoas que descendem uma das outras em linha reta (art. 1.591 do CCB) ou provenientes de um só tronco, sem descenderem umas das outras, em linha colateral ou transversal. [44]

O parágrafo único do art. 1.584 do CCB trata da guarda de um menor a um terceiro e possui amparo no ECA, com base na proteção e no bem estar do infante, em sua formação psíquica, moral e social.

Nesse viés é que se torna oportuna a menção ao disposto nos art. 19 e 28 do ECA, senão vejamos:

Art. 19 – Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.

Art. 28 – A colocação em família substituta far-se-á mediante guarda, tutela ou adoção, independentemente da situação jurídica da criança ou adolescente, nos termos desta Lei.

§ 1º Sempre que possível, a criança ou adolescente deverá ser previamente ouvido e a sua opinião devidamente considerada.

§ 2º Na apreciação do pedido levar-se-á em conta o grau de parentesco e a relação de afinidade ou de afetividade, a fim de evitar ou minorar as conseqüências decorrentes da medida. (Grifo nosso).

Portanto, o Código Civil ao permitir a concessão da guarda a um terceiro (guarda socioafetiva), de um menor, o fez com base no poder geral de cautela do magistrado e com base nos artigos acima mencionados, que privilegiam o afeto e a afinidade.

Ressalte-se que o que ampara a guarda do menor, quando a causa for originada por irregularidade será o ECA. Se a causa decorrer de uma separação dos progenitores, quando os laços afetivos do casal se rompem, ocasionando conflito quanto à guarda dos menores, os princípios legais a serem observados são os atinentes à Lei do Divórcio.

Daí trazermos à baila o parágrafo segundo do art. 10 da Lei nº. 6.515, que regula os casos de dissolução da sociedade conjugal e do casamento, de 26/12/77, que nos informa que:

Art. 10 – Na separação judicial fundada no ” caput ” do art. 5º, os filhos menores ficarão com o cônjuge que a e não houver dado causa.
(…).
§ 2º – Verificado que não devem os filhos permanecer em poder da mãe nem do pai, deferirá o juiz a sua guarda a pessoa notoriamente idônea da família de qualquer dos cônjuges.

Dessa forma, de acordo com GUIMARÃES (2005), temos que a guarda:

(…) poderá ser deferida aos avós, tios ou quaisquer parentes da criança ou adolescente ou mesmo a qualquer pessoa, desde que haja ambiente familiar adequado e que o pretendente não apresente, por qualquer modo, incompatibilidade com a natureza da medida, ns termos do art. 29 do ECA. [45]

Assim, tem-se clara a possibilidade da concessão da guarda socioafetiva, ressaltando-se que os diplomas civil e menorista não possuem normas conflituosas, mas apenas complementares, até certo ponto, que contribuem para concretizar uma realidade, a qual o Judiciário não poderá se furtar que é a guarda por um terceiro, baseada na afinidade e no afeto.

Portanto, tanto o ECA e o CCB são relevantes diplomas que contribuem para a concessão da guarda a um terceiro, sendo que o diploma civil remete-se ao Estauto Menorista (Lei nº. 8.069/90) como lei específica em sua redação para elucidar a hipótese de colocação do menor em família substituta, consoante o art. 19 e 28, parágrafo segundo[46] do mesmo, afastando a aplicação das hipóteses do ECA atinentes à situação de risco (ameaça ou violação os direitos declarados).

4 A GUARDA SOCIOAFETIVA
Nesse momento do nosso estudo focalizaremos a importância de se visualizar a filiação e o afeto como um binômio essencial para a concessão da guarda para quem não seja pai ou mãe biológico de um menor.

Recorde-se que a própria Lei Civil menciona, expressamente, o elemento afeto em sua redação, o que fica confirmado pela leitura do parágrafo único do art. 1.584 do CCB que estipula que o juiz poderá conceder a “(…) guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, de preferência levando em conta o grau de parentesco e relação de afinidade e afetividade (…).” (grifo nosso).

Dessa forma, em relação à concessão da guarda por quem não tenha vínculo sanguíneo com o infante há que se discutir a presença de dois elementos, quais sejam os elementos afetivo e biológico.

Tais elementos revelam verdades, sendo que a verdade afetiva corresponde a quem exerce, realmente, o dever de cuidado, guarda, vigilância e educação. E, a verdade biológica revela apenas quem é o genitor ou a genitora de um infante, não correspondendo, exatamente, à verdade afetiva, uma vez que:

Amor, dedicação e assistência são elementos tão importantes na identificação da real paternidade quanto um sobrenome proveniente de uma relação consangüínea, revelando esses três fatores uma relação psicoafetiva. [47]

Eis a importância do aspecto socioafetivo para o estabelecimento da guarda socioafetiva, uma vez que é o afeto o aspecto mais apto a revelar quem são os pais ou quem merece exercer tais papéis, pois “A verdadeira paternidade decorre mais de amar e servir do que de fornecer material genético.” [48]

O papel do afeto na tríade pai – mãe – filho deve vir acompanhada dos elementos “responsabilidade” e “maturidade”, sendo possível afirmar que tais elementos podem contribuir para a concessão da guarda por quem não seja pai ou mãe biológico, conforme o disposto no parágrafo único do art. 1.584 do CCB.

E isso ocorre em face do despreparo de alguns “pais” que, ao se verem responsáveis pelo cuidado de um menor, furtam-se completamente ao seu dever de amor, carinho e afeto para com o mesmo. E, diante de tais situações, o Direito não deve ficar inerte, sendo importante que se coloque em prática mecanismos legais que permitam a terceiros exercerem com responsabilidade e afeto o cuidado de um infante, sendo que a guarda socioafetiva constitui um dos meios hábeis para tanto.

O afeto é um dos elementos contemporâneos que permeiam o Direito de Família, sendo que até mesmo a própria CF/88 não o deixou de lado.

Esclareça-se que a CF/88 não fez referência explícita ao afeto no corpo de seu texto, mas é importante ressaltar que ela, em seu Capítulo VII, que trata “DA FAMÍLIA, DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DO IDOSO”, traduziu uma certa preocupação com a valorização do afeto como objeto fundamental dos núcleos de convivência interpessoal, estimulando a mútua assistência no parentesco e na conjugalidade.

A Carta Magna de 1988 conferiu destaque ao instituto da família com base em valores que consagram a paternidade sociofetiva. E isso é importante na medida em que a concessão da guarda socioafetiva utilizará critérios interpretativos mais humanizados.

E a utilização desses critérios, em tal sentido, realizará o conteúdo dos princípios da dignidade da pessoa humana e da cidadania, elevados à categoria de fundamentos da República – art. 1º, incisos I e II – bem como do princípio da prevalência dos interesses do menor, concretizados no Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 4º, quando dispõe, em seu art. 227, que:

É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

O acima exposto comprova que a CF/88 adotou a doutrina da proteção integral da criança e do adolescente que visa proteger o menor como sujeito de direito em sua condição de pessoa em desenvolvimento.

Nesse ponto é relevante frisar que a conseqüência imediata da proteção apontada é a admissão da guarda socioafetiva porque o afeto é o único, em muitos casos, capaz de permitir a realização dos direitos fundamentais da pessoa humana, em especial da criança.
Dessa forma, o Direito de Família reconheceu a importância do afeto através da Doutrina da Proteção Integral, pela qual o melhor pai ou mãe nem sempre é aquele que procriou ou deu à luz, mas a pessoa que exerce tal função, substituindo, assim, o vínculo biológico pelo afetivo.
E isso se justifica na medida em que:

(…) a paternidade tem um significado mais profundo do que a verdade biológica, onde o zelo, o amor paterno e a natural de dedicação ao filho revelam uma verdade afetiva, uma paternidade que vai sendo construída pelo livre desejo de atuar em interação paterno-filial, formando verdadeiros laços de afeto que nem sempre estão presentes na filiação biológica na filiação biológica, até porque, a paternidade real não é biológica, e sim cultural, fruto dos vínculos e das relações de sentimento que vão sendo cultivados durante a convivência com a criança.[49]

Assim, o afeto e a família são dois elementos inseparáveis, estando, ambos, presentes em todos os momentos de nossa vida, e, especificamente com relação ao afeto, é preciso lembrar que este não diz respeito apenas àquilo que denominamos de “amor”, mas, sim, a todos os sentimentos que nos unem. [50]

Dessa forma, a concessão da guarda socioafetiva com base no critério da afetividade representa uma forma de se “repersonalizar” as relações de família, a fim de permitir a ocorrência da realização sentimental da pessoa no grupo familiar.

Mencione-se, brevemente, que há outros critérios importantes, ao lado do afetivo, para que haja a concessão da guarda socioafetiva.

O primeiro deles é o tratamento que é dado ao menor e que faz supor a existência do laço de filiação, pois esse tratamento deve corresponder à vontade de tratar como faria um pai.

Os elementos da fama e da continuidade também têm o seu valor, pois há que se analisar os fatos exteriores que revelam uma relação de paternidade/maternidade com notoriedade. Essa notoriedade se manifesta na objetiva visibilidade da posse de estado no ambiente social, devendo esse fato ser contínuo e apresentar uma certa duração que revele estabilidade. Assim, o tempo surge como fator determinante como aspecto que contribui para a concessão da guarda socioafetiva por trazer a idéia de continuidade.

O elemento referente à publicidade também merece consideração na medida em que o mesmo reflete a convicção da paternidade/maternidade pela opinião pública, devendo haver correspondência entre a verdade exterior, que é ditada pela realidade dos fatos, com a verdade interior, que é o produto do sentimento, refletido pela relação paterno/materno – filial.

Há também outros elementos relevantes que figuram ao lado da afetividade e que não podem ser esquecidos, tais como a prova testemunhal e o laudo psicológico realizado por assistente social, além da oitiva do menor.

Os elementos acima mencionados são subsídios que, juntamente, com a existência da afetividade contribuem para a concessão da guarda socioafetiva.

O presente estudo não pode deixar de mencionar as decisões judiciais acerca da guarda socioafetiva, uma vez que os tribunais brasileiros referem-se, constantemente, ao elemento sentimental que integra o ambiente familiar da criança e que deve pesar na decisão, sobre sua guarda, como na hipótese do exercício do munus por avós, e o seu direito de convívio com os netos. [51]

Dessa forma, o afeto, no tocante às decisões judiciais proferidas pelos nossos tribunais, não tem sido esquecido, merecendo comento algumas decisões, tal como a abaixo colacionada:

Inconcesso o direito dos avós de terem periodicamente os netos em sua companhia, como expressão de elementar sentimento humano nascido da vinculação familiar, máxima quando, como no caso, trata-se de avós que sempre revelaram pelos netos aquele desvelo tão próprio dos ascendentes, e do qual eles foram subtraídos pelo egoísmo e insensibilidade de genro que, tendo enviuvado e se unido a outra mulher, tratou desde logo de ingratamente desvincular-se dos sogros, e, provavelmente, por comodismo, levando na mesma trilha os menores seus filhos mas também netos dos apelantes, donde a justa indignação do avô materno. (TJRJ – Ac. Unân. da 4ª Câm. Cív., reg. Em 26. 1. 87 – Ap. 41.035/86 – REL. Des. Antonio Assumpção).[52]

A decisão acima prima pelo senso de justiça e consideração da existência do afeto, que no caso, manifestou-se por parte dos avós em relação a um menor.
Uma outra jurisprudência merece destaque por permitir a concessão da guarda com base nos critérios moral, material e educacional, senão vejamos a seguir:

Se os avós, tanto quanto a mãe do menor, amam por extremo o menor, cujo desenvolvimento assistem desde que nasceu, e se podem servi-lo como vêm fazendo em grau grandemente superior ao que podia fazer a mãe, quer no plano moral, material e educacional, justo que se lhes confira a guarda e responsabilidade sobre a criança, já com eles agasalhada em ligação de confiança e ternura. (TJRJ – Ac. Unân. da 8ª Câm. Cív., reg. Em 26. 6.90 – Ap. 1.453/89 – Rel. Des. Moledo Sartori).[53]

Há casos em que há apenas a guarda de fato e não de direito, sendo necessário regularizar esse tipo de situação conforme se depreende da decisão abaixo:

Se os avós maternos vêm exercendo de fato a guarda da neta há quatro anos, a jurisprudência remansosa de nossos Tribunais recomenda que a criança deve permanecer onde está, salvo motivos graves. Para acautelar interesses da menor, devem assumir a guarda legal, em caráter provisório, também a tutela da mesma, enquanto perdurar a suspensão do pátrio poder de seu genitor, até ultimação do inventário da genitora da menor e que está em pleno andamento, sendo inaventariante a Apelante. Resguardo desses interesses e do bem-estar da menor. (TJPR – Ac. Unân. da 4ª Câm. Cív. De 30.11.87 – Ap. 881/86 – Rel. Des. José Meger).[54]

Em face da importância do afeto nas relações familiares, é interessante destacar a decisão do Tribunal de Justiça que reconheceu vínculo materno com base na afetividade, concedendo o direito de uma escrivã ao uso do sobrenome e à herança da mãe adotiva. Registre-se que no desenrolar desse feito, visando comprovar a relação de afetividade que existiu entre a postulante e mãe adotiva, foram juntados, aos autos, fotos de álbum de família e bilhetinhos escritos no dia das mães, bem como depoimentos de vizinhos e parentes. [55] Em tal processo, visando garantir o reconhecimento do vínculo materno com base na afetividade, foi utilizado como argumento o conteúdo do art. 1.593 do CCB, que nos informa que as relações de parentesco se definem por consangüinidade ou outras origens.

O processo chegou à 2ª Instância, sendo que foi na 4ª Câmara Cível do Tribunal de Minas Gerais que houve a concessão da vitória à escrivã. Mencione-se que, em seu voto, ALMEIDA MELO escreveu que “A filiação sentimental difere-se da biológica somente quanto à sua origem, que não é da carne, mas do espírito.” E acrescentou que “A mãe deverá ser aquela que manteve a vida e deu dignidade à recorrida”.

Outra decisão relevante e que enriquece o presente trabalho é referente ao deferimento da guarda de uma menor (M. C. S. T.), de nove anos, à sua avó (O. A. S. S.), no Piauí, apesar dos pais da infante estarem vivos e permanecerem casados. A decisão favorável foi proferida pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), depois que a avó perdeu em primeira e segunda instância. [56]

Nesse processo, O. A. S. S. alegou que convive com a neta desde o seu nascimento e que mantém com ela uma relação de amor, carinho e dedicação. Ressalte-se que o STJ, para decidir favoravelmente, nesse feito, guiou-se pelo conteúdo da CF/88, que afirma que nas decisões sobre a guarda de menores deve ser preservado o interesse da criança e sua manutenção em ambiente capaz de assegurar seu bem-estar físico e moral.
Essa decisão é inédita e conforme o advogado especialista em Direito de Família, professor universitário e membro da diretoria nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), Rolf Madaleno, essa decisão do STJ é inovadora e cria jurisprudência sobre o caso no Brasil. Ele destaca também que em nosso país existe a cultura de que os pais devem ser biológicos e que devem ter a guarda da criança sempre que possível.
O nobre professor afirma que “As mães e os pais socioafetivos, que cuidam e educam, não são reconhecidos.”

MADALENO, conforme o entendimento do STJ, a respeito do processo já mencionado, relembra a inteligência do parágrafo único do art. 1.584 o CCB, que estabelece que, se for verificado que os filhos não devem permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, o juiz deve deferir a sua guarda a pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, de preferência levando em conta o grau de parentesco e relação de afinidade e afetividade.
Para MADALENO, a decisão do STJ deveria servir para que os legisladores regulamentassem a filiação socioafetiva ao argumento de que:

O Código Civil é de 2002 e até agora essa relação ainda não foi regulamentada. Que os legisladores abram seus olhos, pois a relação socioafetiva é tão importante, que já é atribuída pelos tribunais. A relação socioafetiva é mais que a guarda. É ela que torna uma criança ou adolescente filho de alguém que lhe dá carinho, amor e educação. [57]

Assim, tem-se claro o despertar da necessidade de se conceder a guarda a terceiro com base no vínculo da afetividade.
A título de ilustração vejamos algumas decisões do nosso Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais:

APELAÇÃO CÍVEL – GUARDA DE MENOR – REGULARIZAÇÃO DA SITUAÇÃO DE FATO PRETENDIDA PELOS AVÓS – INTERESSE DA MENOR. Tendo-se em vista os interesses da criança, a guarda da menor deve ser concedida aos avós, resguardando-se a situação fática existente. (Número do processo: 1.0194.04.038416-7/001(1). Relator: WANDER MAROTTA. Data do acórdão: 08/11/2005. Data da publicação: 06/12/2005). (Grifo nosso).

GUARDA DE MENOR AOS AVÓS – BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO – AUSÊNCIA DE SITUAÇÃO EXCEPCIONAL – IMPOSSIBILIDADE – APLICAÇÃO DO ART. 33 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. V.V. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE GUARDA. AVÓS PATERNOS PRETENDENDO A GUARDA DE NETO. PREVALECIMENTO DO INTERESSE DESTE. PRETENSÃO DEFERIDA. RECURSO PROVIDO. 1. A guarda de filho menor é concedida com atenção ao superior interesse da sua segurança e bem-estar. 2. Revelando-se conveniente para o menor ficar sob a guarda dos avós paternos, deve o pedido ser deferido. 3. Apelação conhecida e provida.

“Como se infere pelo estudo realizado pela Central de Serviço Social e Psicologia, a menor T. C. S. atualmente encontra ambiente salutar e propício ao seu desenvolvimento na residência de seus avós. Estes, como se infere à leitura do estudo de fls. 33/35, propiciam à menor todas as condições para que a mesma se desenvolva, educacional e pedagogicamente, atendendo ainda a todas as demais necessidades da criança, no tocante à sua subsistência e seus laços afetivos e familiares.”

“Ora, se o atual ambiente em que vive a menor T. C. S., na residência dos Apelados, vem lhe proporcionando todas as condições favoráveis para um bom desenvolvimento psicossocial, seria altamente desaconselhável que se determinasse a retirada da mesma de um ambiente seguro e comprovadamente saudável, para uma situação nova e incerta, sem qualquer comprovação de que este novo ambiente conseguiria proporcionar as mesmas condições favoráveis para a criação e o desenvolvimento da criança.”. (Número do processo: 1.0000.00.321658-7/000(1). Relator: JARBAS LADEIRA. Relator do Acordão: JARBAS LADEIRA. Data do acordão: 13/08/2003. Data da publicação: 03/10/2003). (Grifo nosso).

GUARDA DE MENOR – CONCESSÃO AOS AVÓS MATERNOS COM OS QUAIS JÁ CONVIVE – AUSÊNCIA DE CONDIÇÕES PATERNAS – RECONHECIMENTO DA SITUAÇÃO PECULIAR LEGAL – INTELIGÊNCIA DO DISPOSTO NO § 2º., ART. 33, ECA. O parágrafo 2º do art. 33 do Estatuto da Criança e do Adolescente oferece suporte legal à pretensão e ao deferimento da concessão da guarda aos avós, que já sustentam, amparam e convivem com o menor, quando se demonstra e se reconhece estar o menor em situação peculiar, suprindo ainda a evidente falta de condições paternas para a sua criação e sustento. (Número do processo: 1.0000.00.276233-4/000(1). Relator: GERALDO AUGUSTO. Data do acórdão: 01/10/2002. Data da publicação: 04/10/2002). (Grifo nosso).

As decisões acima evidenciam a preocupação com a criança enquanto ser humano que se encontra em fase de desenvolvimento de seu caráter e de suas aptidões. Junte-se a isso a necessidade que esse menor tem de possuir uma estrutura familiar sólida que lhe permita encontrar amparo.
Dessa forma, tem-se claro que a própria jurisprudência caminha no sentido de albergar o deferimento da guarda socioafetiva, com base nos critérios afetivo e moral, além de levar em conta o princípio do melhor interesse do menor.

Assim, em face dos reclamos dos tempos modernos que trouxe consigo o afeto como elemento essencial nas relações familiares é preciso considerar as novas realidades sociais como é o caso da guarda socioafetiva.

E isso é relevante na medida em que se deve considerar não apenas a voz do sangue (DNA), mas também e, principalmente, a voz do coração (AFETO), pois o elo que une pais e filhos é, antes de tudo, socioafetivo, calcado nos laços de amor e solidariedade, cujo significado é muito mais profundo do que o do elo biológico. [58]

Portanto, a guarda socioafetiva representa um dos meios para a realização do indivíduo enquanto ser humano que precisa de um ambiente de amor, carinho e cuidado, sob o fundamento da afetividade.

CONCLUSÃO

A realidade social é dinâmica e mutável, sendo que o Direito não pode se furtar às alterações que ocorrem no seio social.

E essa idéia ganha vulto quando se conclui que os novos rumos do Direito de Família encontram desafios para superar o sistema jurídico privado clássico e adequar-se ao modelo constitucional esculpido pela CF/88, cuja estrutura é plural, sendo fundada em princípios como o da liberdade, solidariedade e igualdade, em busca da felicidade de seus membros.

Frise-se que ao analisar a evolução da família e da filiação, viu-se, claramente, que a família ganhou uma nova feição sendo plural e eudemonista, ou seja, voltada para a realização e felicidade dos seus integrantes.

Dessa forma, é que se afirma que a noção de família contemporânea assumiu uma feição plural, dirigida para a busca da felicidade do indivíduo.
E nada impede que a busca dessa felicidade se dê entre um menor e uma outra pessoa maior que não tenha laços sanguíneos com aquele.

Em tal relação, o que deve ser verificado é se existe ou não a presença do afeto, uma vez que é este o elemento fundamental para determinar a verdadeira relação familiar entre um menor e uma pessoa que não possua, para com esta, relação direta de descendência.

A guarda socioafetiva significa um meio de se constituir uma família sendo que os sujeitos dessa relação, no caso do presente estudo, referem-se ao guardião e ao menor guardado, bem como este no que concerne ao desenvolvimento da afetividade recíproca, contribuindo para a elevação moral e psíquica do infante guardado.

Eis aí o motivo para a defesa da concessão da guarda socioafetiva, pois, é dentro do âmbito familiar, que as pessoas, notadamente, o menor, realizar-se-ão, exercendo sua personalidade, recebendo suporte psicológico, desenvolvendo seu caráter e sua moral, bem como a noção da prática da conduta ética nas atividades cotidianas. Todas essas características presentes no seio familiar permeiam tanto as relações entre aquele que é pai e/ou mãe biológico com o seu filho menor de idade, quanto àquele que não possui esse vínculo de paternidade direto, mas que apresenta o mais importante dos vínculos, que é o afetivo.

Percebeu-se também que a guarda socioafetiva enquadra-se nos ideais dos princípios da igualdade, dignidade da pessoa humana, sociabilid