Artigo – Modificação do Regime de Bens no Casamento – Por Luciano Lopes Passarelli

Modificação do Regime de Bens no Casamento – Aspectos Gerais e Reflexos no patrimônio Imobiliário do Casal
 
Por Luciano Lopes Passarelli: Foi o segundo colocado no concurso de trabalhos científicos do II Congresso Paulista de Direito de Família. É Mestre em direito civil (PUC-SP). Professor de Direito Civil, de Filosofia do Direito e de cursos de pós-graduação na área notarial e registral .Coordenador editorial do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil – IRIB, e sócio do IBDFAM.
 
 
1. INTRODUÇÃO.

Estabelece nosso novel diploma civilista, em seu artigo 1.511, que  “o casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges”. Tal dispositivo não tem correspondente no Código Civil anterior, mas certamente reflete toda a tradição do mundo ocidental, em suas raízes judaico-cristãs, posto que no Livro do Gênesis já encontramos consignado que “deixará o homem seu pai e sua mãe e se unirá à sua mulher, e serão os dois uma só carne” (Gênesis 2.24). A comunhão plena de vida a que se refere o Código nada mais é do que aquele “tornar-se uma só carne”: espera-se que os cônjuges busquem idealmente uma verdadeira parceria e cumplicidade, construam a vida juntos, alegrem-se juntos, sofram juntos, apóiem-se mutuamente e criem sua prole em amor, para que seus filhos cresçam bem estruturados, de sorte que, ao atingir a maturidade, possam constituir nova família e manter a sociedade humana em desenvolvimento e multiplicação.

Ora, é “sem sombra de dúvidas que a família na sociedade destaca-se para o homem como o seu mais importante elo de ligação no relacionamento social, pois é no seio dela que ele surge, recebe a proteção indispensável para a continuidade da vida e se prepara para os embates que o futuro lhe reserva em termos de subsistência, evolução pessoal e material que a humanidade busca sem cessar, como fator de seu desenvolvimento e progresso contínuo”[1]. Apesar de aparentemente a família estar em pleno processo de decadência e descrédito, ela tem sido, no decorrer dos séculos, o mais sólido fundamento de toda a organização social humana. Reconhecendo isto, nosso legislador constituinte afirmou, desde a Carta Política de 1934, que a família merece especial proteção do Estado[2], mas nossa Lei Ápice de 1988 inovou, reconhecendo que, além de merecer proteção do Estado, a família é a base da sociedade. E mais: voltou a qualificar essa proteção como devendo ser especial, expressão que tradicionalmente constava das Constituições anteriores, mas que não foi utilizada naquelas oriundas do período de exceção (1967 e 1969). Não parece desarrazoado, então, afirmar que há um plus com relação à proteção da família em face de outros direitos e garantias, mesmo aqueles encontrados na Constituição, já que, aqui, o constituinte entendeu necessário enfatizar a importância da entidade familiar, base da sociedade.


Na Constituição de 1988, o conceito de família é elástico. Abrange, pois, a sociedade formada por marido e mulher, com ou sem filhos, a união estável entre o homem e a mulher, também com ou sem filhos, e ainda as  “famílias monoparentais”, ou aquela formada por qualquer dos pais e seus descendentes (art. 226 da Constituição de 1988). Para Arnoldo Wald,  “a família abrange, em sentido lato, todos os descendentes de um antepassado comum e, em sentido estrito, o casal e seus filhos”[3]. Apesar do sentido largo atribuído pela Constituição Federal à família, é inegável a precedência e excelência da família constituída pelo casamento[4], tanto que o mesmo legislador constituinte incentiva a conversão das uniões estáveis em casamento (art. 226, § 3º, da CF/88). Para o aspecto que interessa a esse trabalho, pois, a família em sentido estrito é fundada pelo casamento[5], instituição que gera várias conseqüências jurídicas, dentre as quais as de repercussão patrimonial que, se incidentes sobre imóveis, terão reflexos no Registro Imobiliário[6].


2. UMA NOVA LEITURA SOBRE O PAPEL A SER DESEMPENHADO PELO PATRIMÔNIO NO SEIO FAMILIAR


Já enfatizamos que a família é instituição de crucial importância para a manutenção e desenvolvimento da estrutura social, jurídica, econômica e política do Estado, posto que é no seio familiar que o indivíduo vai crescer, se desenvolver e moldar a sua personalidade, nos anos em que estará aprendendo a integrar-se ao meio social. Além disso, a família é (ou deveria ser) o local onde o indivíduo vai encontrar, por toda a sua vida, conforto e refúgio nas horas difíceis[7]. É sempre tendo em mente esse aspecto, que informa nossa Carta Constituinte, que devemos analisar as normas civis que regulamentam os aspectos patrimoniais advindos do casamento. Se no Código Civil de 1916 prevalecia uma visão excessivamente patrimonialista do casamento, o novel diploma de 2002 inaugurou o seu Livro IV, “Do Direito de Família”, enfatizando a face ética-jurídica do matrimônio,  ao assentar que o casamento estabelece “comunhão plena de vida”. É dizer: o artigo 1.511 consagrou o elemento pessoal-afetivo como valor maior a informar todas as regras atinentes à família. Ora, é nítido que essa disposição é verdadeira “norma aberta”, com forte textura polissêmica e fluida e conteúdo ético-jurídico que deve ser lida sob a necessária lente constitucional. Não se pode deslembrar que nosso novo caderno civil fez uma opção nítida pelas “cláusulas abertas”, que nada mais são do que uma “técnica de redação de preceitos legais por meio de formas vagas e multissignificativas, que abranjam variada gama de hipóteses, em contraposição ao método casuístico”[8]. Permite-se, assim, ao aplicador do direito, encontrar uma interpretação mais consentânea com a exigência ético-social do caso concreto. Curial lembrar aqui que o professor Miguel Reale pontifica que o Novo Código Civil foi construído tendo como princípio fundamental a eticidade, colimando superar o excessivo formalismo jurídico, valendo-se aqui das referidas cláusulas gerais, em ordem a possibilitar a criação de modelos jurídicos hermenêuticos que permitam a contínua atualização dos preceitos legais[9]. Nesse sentido, temos, pois, que o “direito de família atual preocupa-se com a felicidade nos lares. O elemento patrimonial está em segundo plano”[10]. Daí porque seria mesmo inviável manter, em nossos dias, a vedação do ordenamento revogado quando à possibilidade de modificação do regime de bens, até porque tal intervenção estatal na regulação da vida patrimonial do casal, ao ponto de impedir a livre alteração do regime de bens, seria, sem dúvida, um fator a mais a contribuir para o surgimento de conflitos entre os cônjuges[11]. É fora de dúvida que é mais consentâneo com o fim colimado da boa convivência entre os cônjuges que estes possam regular suas relações patrimoniais como melhor lhes convir, alterando-a quando julgarem melhor, cabendo ao juiz verificar se, no caso concreto, tal alteração seja inadequada. Não cabe ao Estado, pois, dar proeminência ao aspecto patrimonial sobre o afetivo.


3. A MODIFICAÇÃO DO REGIME DE BENS


3.1 – A mudança do regramento em nosso novo diploma civil.


Nosso ordenamento civil abandonou a rígida impossibilidade de alteração do regime de bens, prevista no artigo 230 do estatuto revogado: “O regime de bens entre cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento, e é irrevogável”. Nosso novo diploma civil, ao revés, dispôs, em seu artigo 1.639, parágrafo segundo, que “é admissível a alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiro”.


No direito italiano também é possível a modificação do regime de bens, dispondo o caput do artigo 163 do Código Civil peninsular que “a modificação da convenção matrimonial, anterior ou sucessivamente ao matrimônio, não gera efeitos se o ato não é estipulado com o consenso de todas as pessoas que participaram na mesma convenção, ou de seus herdeiros”[12]. Em face desse preceptivo legal, não se exige mais na Itália autorização judicial para alteração do regime de bens após a celebração do casamento[13].


Idêntica possibilidade encontramos no direito civil espanhol, que no artigo 1317 do seu Código Civil disciplina que “a modificação do regime econômico matrimonial realizada durante o matrimônio não prejudicará, em nenhum caso, os direitos já adquiridos por terceiros”, esclarecendo Ricardo Rodrigues Gama que “o direito de família espanhol permite a escolha, a modificação e a substituição do regime”[14], sendo desnecessária autorização judicial[15]. A alteração é feita por escritura pública[16], que deve ser averbada no Registro Civil e, se afetarem bens imóveis, também no Registro de Imóveis. Sem esse registro, a alteração não é oponível a terceiros.[17]


Sérgio Luiz Kreuz consigna ainda que na França[18] e na Bélgica[19] também impera a liberdade de alteração do regime de bens entre os cônjuges. Já na Alemanha, Wilfried Schluter ensina que as convenções antenupciais podem ser livremente modificadas, desde que não violem normas imperativas nem prejudiquem terceiros (§§ 1415 ff BGB), devendo tanto a convenção quanto sua alteração serem levadas a registro público para terem oponibilidade erga omnes (§ 1412 al. 2 BGB)[20].


Entre nós, sob a vigência do Código Civil anterior, Orlando Gomes já propugnava pela alteração da imutabilidade do regime de bens. Pontificava o respeitado mestre baiano, quanto a esse dispositivo legal: “Não há razão para mantê-lo. O Direito de Família aplicado, isto é, o que disciplina as relações patrimoniais entre os cônjuges, não tem o cunho institucional do Direito de Família puro. Tais relações se estabelecem mediante pacto pelo qual têm os nubentes a liberdade de estipular o que lhes aprouver. A própria lei põe à sua escolha diversos regimes matrimoniais e não impede que combinem disposições próprias de cada qual. Por que proibir que modifiquem cláusulas do contrato que celebraram, mesmo quando o acordo de vontades é presumido pela lei? Que mal há na decisão de cônjuges casados pelo regime da separação de substituírem-no pelo da comunhão? Necessário, apenas, que o exercício desse direito seja controlado a fim de impedir a prática de abusos, subordinando-o a certas exigências. Assim é que a mudança somente deve ser autorizada se requerida por ambos os cônjuges, justificadamente. Seu acolhimento deverá depender de decisão judicial, verificando o juiz se o pedido foi manifestado livremente e se motivos plausíveis aconselham seu deferimento. Finalmente, só é de ser acolhido se não for feito com o propósito de prejudicar terceiros, cujos interesses, em qualquer hipótese, se ressalvam – para o que se deve exigir a publicidade necessária através da obrigação de transcrever a sentença no registro próprio. Protege-se, desse modo, o interesse de quem quer que tenha contra qualquer dos cônjuges um direito cujo título seja anterior ao regime da mudança do regime”[21].


3.2 Casamentos anteriores ao Código Civil de 2002


É possível a alteração do regime de bens adotado pelos casais que contraíram núpcias na vigência do Código Civil anterior?


O Tribunal de Justiça do Distrito Federal entendeu incabível tal alteração[22], mas tenho como mais consentânea com os postulados constitucionais de valorização da família a precisa lição do eminente Desembargador Moreira Diniz, inserta no r. acórdão proferido no processo nº 1.0518.03.038304-7/001(1) do Tribunal de Justiça de Minas Gerais que, partindo da idéia que ficam ressalvados os direitos de terceiros, assentou que “a partir do momento em que a nova lei elimina o risco que motivava a anterior proibição, parece-me inaceitável que ainda se proíba, para os casamentos antigos, a modificação (…) Sobre isso, inclusive, cabe lembrar que a Lei do Divórcio admitiu, mesmo para os casamentos anteriores à sua vigência, a dissolução do vínculo” e prossegue, afirmando que “a exceção, se houvesse, deveria vir expressa no artigo 1.639, em parágrafo seguinte àquele em que estabelecida a regra agora vigente. Exceções devem ser expressas; não podem partir de presunção”[23].


Ora, admitir a impossibilidade de alteração do regime de bens de casamentos contraídos antes da vigência do Novo Código Civil seria como afirmar que as mulheres casadas anteriormente ao Estatuto da Mulher Casada continuariam relativamente incapazes!


3.3 O artigo 2.039 do Novo Código Civil


Os que defendem a inadmissibilidade de alteração do regime de bens de casamentos realizados anteriormente ao Novo Código Civil tem no artigo 2.039 desse diploma legal seu fundamento maior[24]. Todavia, precisa a lição do r. acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul[25] que, citando lição do Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos[26] assentou o seguinte: “Penso, no entanto, que esse dispositivo, constante nas Disposições Finais e Transitórias, não tem o significado que lhe está sendo emprestado. Ao dispor que `o regime de bens nos casamentos celebrados na vigência do Código Civil anterior (…) é o por ele estabelecido`, claramente objetiva a regra resguardar o direito adquirido e o ato jurídico perfeito. Isso porque ocorreram diversas modificações nas regras próprias de cada um dos regimes de bens normatizados no Código de 2002 em relação aos mesmos regimes no Código de 1916. Exemplificativamente: 1) no regime da separação de bens, não há mais necessidade de autorização do cônjuge para a prática dos atos elencados no artigo 1.647; 2) no regime da comunhão universal, não estão mais excluídos da comunhão os bens antes relacionados nos incisos IV, V, VI, X e XII e do artigo 263 do CC/16); 3) no regime da comunhão parcial, não mais se excluem os bens relacionados no inciso III do artigo 269 do CC/16, mas passam a não mais comunicar os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge (inc. VI do art. 1.659), expressamente excluídos antes pelo inciso VI do art. 271, sob a denominação de `frutos civis do trabalho, ou indústria de cada cônjuge, ou de ambos`. Como se percebe, alterações houve na estruturação interna de cada um dos regimes de bens e, não fosse a regra do artigo 2.039, a incidência das novas regras sobre os casamentos anteriormente realizados caracterizaria ofensa ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito, uma vez que operaria alteração `ex lege`, independentemente da vontade das partes, no regime antes escolhido, expressa ou tacitamente, pelo casal. Frise-se que, em decorrência, os casamentos pré-existentes ao novo Código regem-se pelas normas do respectivo regime de bens conforme regrado na lei vigente à época da celebração – ou seja, o Código de 1916 – não sendo, dessa forma, alcançados pelas alterações trazidas na nova codificação”.


Com a mesma posição, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais fixou que “retornando ao exame do artigo 2.039, vemos que podemos interpreta-lo no sentido de que ali se explica que a vigência da nova lei, pela novidade de alguns de seus dispositivos, não implica automática modificação do regime de bens. Ali, não há referência a imutabilidade, mas apenas se estabelece que, mesmo com a vigência do novo Código, o regime de bens do casamento preexistente continua o mesmo, ou seja, não há modificações, totais ou parciais, automáticas, em decorrência da alteração de alguns dos princípios antigos”[27], concluindo pela possibilidade de modificação do regime de bens de casamentos celebrados anteriormente à vigência do Novo Código Civil.


Essa parece ser também a tendência do Tribunal de Justiça de São Paulo. No r. acórdão proferido nos autos da Apelação Cível nº 225.199-4/2-00, da comarca de Capão Bonito[28], julgado durante a vacacio legis do novo diploma civil, embora não enfrentando diretamente a questão, indeferiu a pretensão de modificação do regime de bens deduzida pelos cônjuges autores (evidentemente casados anteriormente ao novo código), mas assentou que “diferente será quando entrar em vigor o novo Código Civil (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002), atualmente no período da vacacio legis”. Esse acórdão teve inclusive voto vencido, acolhendo já naquele momento o pleito modificativo, considerando o “Código Civil em vias de entrar em vigor, onde a imutabilidade do regime matrimonial não mais subsiste”.


Silvio Rodrigues[29], enfrentando de frente a questão, averba que a regra do artigo 2.039 direciona-se exclusivamente aos efeitos dos diversos regimes de bens, de sorte que, se os cônjuges elegeram determinado regime de bens, o que nele especificamente se previa no Código Civil anterior continuará sendo observado, exemplificando com o regime dotal que, embora banido do novo ordenamento civil, continuará imperando para o matrimônio contraído sob esse regime. Para o festejado civilista, o citado preceptivo legal não impede a alteração do regime de bens, afirmando expressamente que “as pessoas casadas sob a égide da lei anterior podem beneficiar-se da mutabilidade do regime de bens introduzida pelo § 2º do art. 1.639 do novo Código Civil[30].

De todo modo, já temos decisão do Superior Tribunal de Justiça afirmando a possibilidade de alteração do regime de bens em matrimônio contraído anteriormente ao Novo Código Civil[31].


3.4 Regime da separação obrigatória.


E se se tratar de regime da separação obrigatória de bens? Será que é possível a modificação do regime prevista no artigo 1.639, parágrafo segundo?

Vamos verificar as três hipóteses em que os nubentes não podem eleger livremente o regime de bens que irá reger o aspecto patrimonial do seu casamento[32], sendo obrigatória a adoção do regime da separação de bens:


a) pessoas que contraem casamento com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento (inciso I), causas essas que são as elencadas no artigo 1.523 do Código[33]. Nesse hipótese me parece absolutamente viável a modificação do regime de bens, uma vez superada a causa suspensiva. Ora, essas causas são superáveis, podendo ser afastadas pelo juiz, por ocasião do matrimônio e a pedido dos nubentes, quando provarem a inexistência de prejuízo para o herdeiro, para o ex-cônjuge e para a pessoa tutelada, respectivamente nos casos dos incisos I, III e IV, e o nascimento de filho ou inexistência de gravidez, na fluência do prazo previsto no inciso II[34].  Ora, se podem ser superadas, por quê seu consectário (a adoção do regime da separação obrigatória) não poderia? Tenho, pois, como perfeitamente viável a alteração do regime de bens. Haverá apenas um plus com relação à “procedência das razões invocadas”, a ser aferida pelo juiz. Deverão os cônjuges, pois, além da demonstração da procedência que em qualquer modificação deve ser feita, provar, também, a superação das causas suspensivas previstas no artigo 1.523 do Novo Código Civil.


b)  No caso de casamento de pessoa maior de sessenta anos (inciso II), apenas de todas as críticas que se possa fazer a essa regra, não há como superar a obrigatoriedade do regime da separação de bens, nem modifica-lo[35]. O legislador manteve essa forma de “incapacidade civil específica” (apenas para a eleição do regime de bens), como se genérica e automaticamente o maior de sessenta anos, no dia de seu aniversário, deixasse de ter a capacidade de reger seus bens sob o matrimônio, já que pode continuar dispondo dos mesmos em todas as outras hipóteses da vida. A regra atua inclusive em seu prejuízo, quando contrai matrimônio com outra pessoa menor de sessenta anos, que tenha patrimônio ou venha a formá-lo durante a constância do casamento. É necessário lembrar aqui a Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal, que dispõe que “no regime da separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”. Não há razão para esta Súmula deixar de ser aplicada nessa hipótese, para mitigar a rigidez da regra.


c) Os nubentes que dependem, para casar, de suprimento judicial (inciso III), ou seja, os incapazes civilmente que tem denegado por seus pais ou representantes legais o consentimento para casar, denegação essa que, se injusta, poder ser suprida pelo juiz (artigo 1.519). É dizer: o juiz pode suprir o consentimento, mas o casamento deverá ser contraído sob o regime da separação absoluta de bens.


Mas é razoável entender que esse regime jamais poderá ser modificado, na forma do artigo 1.639, parágrafo segundo, do Novo Código Civil, após a superação do obstáculo original (no caso, a falta de idade)? Penso que não. Deve repugnar ao Direito a adoção de regras restritivas de direitos perpétuas ou perenes. Ora, há razoabilidade em condenar um casal que, tendo contraído núpcias com dezesseis anos de idade, com suprimento judicial e sob o regime da separação obrigatória de bens, após trinta ou quarenta anos de convivência, tendo criado filhos e netos, permaneçam, ainda, amarrados por aquela circunstância de um passado já longínquo, impedindo-os de melhor regular a disposição de seu patrimônio, fruto de seu longo e árdua trabalho conjunto? Estaria isso em consonância com os postulados constitucionais da família?


Não é minimamente recomendável deixar ao prudente critério do juiz avaliar o caso concreto e conceder ou não a modificação, superado o óbice primitivo, conforme a “procedência das razões invocadas”?. A conclusão pela possibilidade me parece de meridiana clareza.


4. NATUREZA JURÍDICA.


  • 4.1 Direito material


 

Sob o prisma do direito material, a modificação do regime de bens é um sucedâneo do pacto antenupcial, sendo possível em sede da alteração permitida pelo artigo 1.639 do Novo Código Civil as mesmas disposições que seriam possíveis quando do pacto antenupcial com relação ao patrimônio, asseverando Orlando Gomes que “os nubentes podem escolher, em princípio,o regime que lhes convenha, não estando adstritos, sequer, à adoção de um dos tipos, tal como se acham definidos em lei, eis que podem combiná-los, formando regime misto, uma vez respeitadas as disposições legais de ordem pública[36], acrescentando Pontes de Miranda que os nubentes podem “não só escolher um dos regimes previstos e regulados como também modifica-los, combina-los, ou, até, adotar-se o de outro direito ou algum regime que tenha sido criado por alguém (…)”[37]. Acresça-se, ainda, a lição de LAFAYETTE, segundo a qual “podem os contratantes escolher um desses regimes, ou modificá-los entre si de modo a formar uma nova espécie, como se por exemplo convencionam a separação de certos e determinados bens e a comunhão de todos os mais”[38]. Isto porque, na alteração do regime de bens, surge uma certa perplexidade quanto às conseqüências da mesma sobre o patrimônio já existente. Assim, se o escopo da alteração é permitir que os cônjuges regulem novamente a disciplina jurídica do seu patrimônio, parece que nada impede que na modificação do regime eles atribuam regimes diferenciados aos bens já existentes no patrimônio.



 

4.2 – Aspectos processuais


 

Um aspecto importante a ser observado (até porque não é difícil vislumbrar que vai ocorrer no cotidiano) é se a pretensão deve ser dirigida ao Juiz de Direito ou ao Corregedor dos Registros Públicos. A pergunta envolve a consideração da natureza jurídica, do pedido: se se trata de procedimento jurisdicional ou judicial-administrativo, até porque o artigo 1.639, § 2º, prescreve que deve haver singela “autorização judicial”.


 

Como é cediço, no sistema vigente no Brasil, a fiscalização dos atos notariais e de registro cabe ao Poder Judiciário[39], a quem cabe, também, estabelecer as normas técnicas a serem observadas pelos notários e registradores[40], e ainda julgar as dúvidas dos mesmos[41]. No exercício dessas funções, em regra, os juízes corregedores e as Corregedorias Gerais desempenham importante papel, decidindo questões práticas do cotidiano com força normativa e notável repercussão, já que todos os notários e registradores ficarão vinculados àquela decisão, no âmbito do respectivo Estado-membro.


 

Podem os órgãos censórios, por exemplo, no âmbito do Registro de Imóveis, determinar o bloqueio de matrículas, a nulidade e a retificação de registros[42]. Nesta última hipótese, mesmo se houver impugnação de terceiro à pretensão retificatória, o juiz pode “decidir de plano ou após instrução sumária”, se a impugnação não versar sobre direito de propriedade de alguma das partes, sendo necessário, nesse caso, remeter as partes às vias ordinárias.


 

O procedimento de dúvida, por exemplo, previsto no artigo 198 e seguintes da Lei de Registros Públicos, “é pedido de natureza administrativa, formulado pelo oficial, a requerimento do apresentante do título imobiliário, para que o juiz competente decida sobre a legitimidade da exigência feita, como condição do registro pretendido[43], disciplinando o artigo 204 da Lei de Registros Públicos que “a decisão da dúvida tem natureza administrativa e não impede o uso do processo contencioso competente”.


 

Em outro exemplo, no âmbito do Registro Civil das Pessoas Naturais, o juiz pode determinar administrativamente a retificação do nome, se houver ocorrido erro de grafia[44].


 

Assim, não é incomum que vários procedimentos com reflexo nos registros públicos sejam dirigidos diretamente à Corregedoria.


 

Vladimir Passos de Freitas cita a lição de Carvalho Santos, para quem corregedor é “o magistrado com jurisdição extraordinária permanente sobre todos os juízes inferiores e serventuários de justiça, com a atribuição de emendar-lhes os erros ou punir-lhes as faltas ou abusos, e acrescenta que o juiz de primeira instância é, também, corregedor dos serviços judiciários ou administrativos que lhe estão afetos[45], o que inclui os notários e registradores, no atual regime jurídico que disciplina sua atividade.


 

Esta atividade correicional tem natureza censório-fiscalizatória, e está ligada ao bom e escorreito funcionamento dos serviços notariais e registrais. Nesse sentido, esclarece Narciso Orlandi Neto que “a fiscalização dos serviços notariais e de registro é atividade administrativa que não se confunde com a atividade jurisdicional, posto que cometida ao Poder Judiciário. As decisões, ainda que chamadas de sentenças, não fazem coisa julgada material e nada impede sua discussão nas vias jurisdicionais. O juiz competente de que fala a lei exerce atividade administrativa paralela à atividade jurisdicional, que com ela não se confunde. Enquanto órgão administrativo, o juiz está adstrito às normas ditas pela autoridade administrativa superior. Não se fala em independência do juiz, porque sua atividade não é jurisdicional[46].


 

No Estado de São Paulo, a Corregedoria-Geral da Justiça designa um juiz corregedor permanente para cada serviço e ela mesma disciplina, dentro do que lhe permite a Lei Federal nº 8.935/94, que regulamentou a atividade notarial e registral, a prestação desses serviços, em regra consolidando essa disciplina em normas que constituem as conhecidas “Normas de Serviço” ou “Código de Normas”, mas, como bem anotado por Narciso Orlandi Neto, esses órgãos não exercem função jurisdicional, suas decisões não fazem coisa julgada e nem sequer são independentes, posto vinculados às decisões de suas órgãos superiores.


 

Colocadas essas premissas, parece-me que a “autorização judicial” a que se refere o artigo 1.639, § 2º, do Novo Código Civil, melhor se amolda ao regramento da chamada “jurisdição voluntária”[47], até porque o artigo 92 do Código de Processo Civil dispõe que “compete, porém, exclusivamente ao juiz de direito processar e julgar: II – as ações concernentes ao estado e à capacidade das pessoas”, e não se concebe “regime de bens” sem seu pressuposto lógico, o “casamento”.


 

A jurisdição voluntária, segundo explicam Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, nada mais é do que uma “atividade judiciária de administração pública de interesses privados“, interesses esses que, “em virtude de opção legislativa, comportam fiscalização pelo poder público, tendo em vista a relevância que representam para a sociedade, de sorte que “o juiz integra o ato ou negócio jurídico privado, homologando-o, autorizando-o, aprovando-o[48]. Essa atividade judicial não é jurisdicional[49]: não há lide, não há decisão do Estado-juiz em substituição à vontade das partes. Constitui-se, na verdade, em “chancelar, por força de lei, aquilo que os interessados entre si já resolveram, mas cuja eficácia depende dessa chancela, isto é, da manifestação do Poder Judiciário, ainda que apenas com caráter homologatório da vontade dos interessados (…) Exemplo expressivo dessa situação é o da separação consensual, em que os cônjuges, juntos, tendo o mesmíssimo objetivo, vão ao Poder Judiciário para pedir manifestação desfazendo a sociedade conjugal existente. Não há, nesse caso, qualquer conflito. Ambos querem desfazer a sociedade conjugal por meio da separação consensual. Todavia, querendo separar-se, não basta a vontade deliberada de ambos, pois esta deverá necessariamente (e não voluntariamente, como faz supor a expressão jurisdição voluntária) ser objeto de homologação pelo juiz[50].


A conclusão, pois, é que o pedido tem natureza jurídica de ato de “jurisdição voluntária”, devendo ser distribuído aos juízes de direito (e não aos corregedores). A competência será do juiz do domicílio do casal; todavia, havendo vara de família, esta será competente para conhecer do pedido. Será obrigatória a intervenção do Ministério Público[51] e parece de todo recomendável a realização de audiência de instrução, na qual o juiz poderá melhor aferir se ambos os cônjuges estão manifestando livremente a vontade no sentido de alterar o regime de bens, e outros aspectos relevantes para o deferimento ou não do pedido.


 

4.3 Procedência das razões invocadas.


 

Como ficou assentado alhures, não se pode perder de vista os valores constitucionais da família, base da sociedade e que merece especial proteção do Estado. Parece claro que, ao ler o artigo 1.639 do Novo Código Civil, deve o exercício hermenêutico estar impregnado pelo forte conteúdo ético-jurídico do sistema que molda o direito de família, e o ordenamento como um todo[52]. Busca-se a preservação da família. Nesse sentido, se o casal, mais maduro após certa vivência a dois, concluiu que determinado regime de bens atende melhor aos seus anseios e à estruturação da família, resguardados os direitos de terceiro, “data venia”, não pode o Poder Judiciário negar a modificação, imiscuindo-se nas razões oferecidas pelo casal. Assim, parece-me que a singela afirmação de que a alteração pretendida surgiu do anseio do casal de melhor administrar seu patrimônio com vistas à harmonia e estruturação familiar, após ponderadas meditações de ordem econômica e moral (afirmação esta carregada de forte conteúdo constitucional) já supre o requisito imposto pelo legislador civil. É certo, porém, que se o juiz vislumbrar o nítido interesse em fraudar terceiros, poderá denegar o pedido. Todavia, isso não impedirá o casal de propor novamente a ação, fundada em outras razões. De toda sorte, como a própria lei ressalva os direitos de terceiros, parece desnecessária a “perquirição de inexistência de dívida de qualquer natureza”, como propugna o enunciado 113 do CEJ[53], já que nada acrescentará à garantia legal. Quer existam quer não existam dívidas, a alteração do regime de bens é ineficaz perante terceiros.

Quanto à possibilidade de prejuízo excessivo a um dos cônjuges, parece que a melhor solução é a realização de audiência na qual o juiz poderá verificar, tendo contato direto com as partes, se está havendo algum vício de manifestação de vontade, prevenindo assim que fique “o cônjuge mais fraco e condescendente exposto aos perigos da sedução e da astúcia do outro”, como alertava LAFAYETTE
[54].



 

5. REFLEXOS DA ALTERAÇÃO DO REGIME DE BENS RELATIVAMENTE AO PATRIMÔNIO IMOBILIÁRIO.


 

5.1 – Efeito ex tunc da modificação.


 

A primeira questão que surge com relação ao patrimônio é se a alteração do regime de bens terá efeitos ex nunc ou ex tunc, conforme alcance ou não o patrimônio já existente. Se entendermos que os efeitos da modificação não retroagirão para alcançar os bens existentes quando do ajuizamento do pedido, parece que estaríamos criando restrição não feita pela lei. Lembrando a já citada lição inserta no r. acórdão relatado pelo Desembargador Moreira Diniz, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, “exceções devem ser expressas. Não podem partir de presunção[55].  O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro teve oportunidade para examinar a questão e decidiu, en passant, que a possibilidade de modificação do regime de bens fica restrita “aos bens que sejam posteriormente adquiridos[56]. Todavia, esta decisão foi prolatada em sede de embargos de declaração opostos a decisão proferida em agravo de instrumento que foi convertido em agravo retido. Portanto, a questão ainda será eventualmente enfrentada com mais vagar por aquele Tribunal. Mas, concessa venia, tenho que não se sustenta essa posição, pela absoluta incongruência de seus corolários. Ora, havendo alteração, por exemplo, da separação de bens para a comunhão universal, como seria tal comunhão “universal” se os bens já existentes não se comunicassem? A contrario sensu, havendo alteração de comunhão universal para separação de bens, teríamos uma separação não absoluta, mas parcial, posto que os bens até então existentes continuariam comuns! É dizer: a alteração do regime de bens prevista no novo ordenamento civil, se vigorasse apenas para os bens a partir dela adquiridos, seria uma modificação parcial! Tenho, pois, como melhor a posição adotada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que decidiu que a alteração do regime de bens “pode ser efetuada a qualquer tempo, com efeitos retroativos à data da celebração do casamento, ressalvados os direitos de terceiro”[57]. Esse o entendimento que parece mais consentâneo com a ratio legis, sempre tendo em mente os postulados constitucionais de valorização da família que informam o ordenamento jurídico. Como a própria lei já ressalva os direitos de terceiros (a alteração do regime de bens será ineficaz perante eles) não há porque o Estado criar embaraços à livre decisão do casal sobre o que melhor atende a seus interesses. Como averbado pelo eminente Desembargador José Carlos Teixeira Giórgis em seu voto proferido no r. acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul acima referido, é opção dos cônjuges atribuírem efeitos ex nunc à modificação: “Entretanto, face ao princípio da livre estipulação (art. 1.639, “caput”), sendo possível estipular regime não regrado no código, a mudança poderá, a critério dos cônjuges, operar-se a partir do trânsito em julgado da sentença homologatória, caso em que teríamos a criação de um regime não regrado no CC“.


Assim, se no momento da alteração o casal quiser dispor diferentemente sobre o patrimônio existente, incluindo-o ou não na modificação, quer até mesmo criando um regime inominado[58], não há porque proibi-lo, bastando proceder aos atos jurídicos pertinentes à espécie (v.g: partilha de um bem comum que passará a pertencer a apenas um dos cônjuges). O que me parece necessário ressaltar, todavia, é que cada modificação deve ser considerada um momento divisor de águas, inaugurando um novo status jurídico para a propriedade imobiliária. É dizer: a natureza e o regime jurídico do bem é fixada (ou re-fixada) no momento da modificação, sendo totalmente inviável perquirir sobre a situação anterior. Assim, pouco importa se primitivamente ela foi adquirida a título oneroso ou gratuito, se entrou para a comunhão por força do regime de bens adotado, se por partilha realizada em modificação do regime anterior ou outra forma qualquer. Importa, em cada modificação, considerar seu regime jurídico atual para verificar a conseqüência que a alteração terá sobre esse regime.


 

5.2 – Registro da partilha de bens.


 

Quando na modificação do regime de bens houver atribuição de um imóvel até então comum a apenas um dos cônjuges, esta circunstância deverá ser instrumentalizada por escritura pública[59], se o imóvel tiver valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País; se tiver valor inferior, a partilha poderá ser instrumentalizada por instrumento particular. Seja público ou particular, esse instrumento deverá ser homologado pelo juiz[60] e integrar o respectivo Formal de Partilha[61], título hábil ao registro. Isto porque o patrimônio comum do casal constitui uma universitas júris, composta por todos os bens comunicáveis, havendo um “estado de indivisão” desse patrimônio, que terminará com a especificação da parte cabente a cada um e seu respectivo registro. A partilha, nesse caso, é uma espécie do gênero divisão, e toda divisão, embora tenha efeito apenas declaratório (não atributivo), deve ser registrada[62] para efeito de disponibilidade e oponibilidade erga omnes[63].


Embora escrevendo sobre separação e divórcio, Wilson de Souza Campos Batalha aduz que “a sentença de separação e a de divórcio devem ser averbadas no assento de casamento. Ao mesmo tempo, devem ser registradas no registro de imóveis, quando, nas respectivas partilhas, existirem imóveis ou direitos reais sujeitos a registro[64]. Maria Helena Diniz, a seu turno, ensina que “os atos de divisão e partilha alusivos a imóveis, apesar de declararem a propriedade, devem ser registrados no Livro 2 para que cada proprietário possa dispor do quinhão que lhe coube[65].


O festejado Afrânio de Carvalho averba que “além da partilha resultante do inventário causa mortis, ocorre às vezes outra conseqüente à separação judicial ou anulação do casamento, a fim de dividir o patrimônio do casal pelos dois cônjuges, distinguindo o que é de cada um deles. Assim como a primeira está sujeita a lançamento no Registro de Imóveis, a segunda igualmente está, para manter a seqüência regular dos donos, pois à comunhão do casal sucede o domínio singular de cada cônjuge[66]. Fácil verificar que em uma modificação do regime de bens que igualmente “à comunhão do casal suceder o domínio singular de cada cônjuge”, como explicita o notável mestre dos registros públicos, será necessário também proceder à partilha. Temos, pois, agora, as seguintes possibilidades de partilha em sede de sociedade conjugal: anulação (e nulidade) do casamento, separação judicial, divórcio e alteração do regime de bens.


O fato é que na alteração do regime de bens, conforme será demonstrado adiante, poderão ocorrer situações em que um imóvel até então comum passará a pertencer exclusivamente a um dos cônjuges e esta circunstância só pode ser resolvida mediante partilha entre os mesmos. Esta a posição do eminente Desembargador José Carlos Teixeira Giórgis, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, para quem, na hipótese de alteração do regime da comunhão universal para o regime da separação absoluta, “imperiosa será a partilha dos bens adquiridos até então, a ser realizada de forma concomitante à mudança de regime (repito: sem eficácia essa partilha com relação a terceiros). Assim, por igual quanto ao regime de comunhão parcial e, até, de participação final dos aquestos[67].


 

5.3 – Aspectos formais dos títulos a serem apresentados no Registro de Imóveis


 

A Lei de Registros Públicos (Lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973) disciplina que, para o registro de partilhas, deve ser apresentado o respectivo Formal de Partilha[68] e, caso a alteração do regime de bens dê ensejo à partilha de bens imóveis, este será o título que deverá instrumentalizá-la[69]. Este Formal deverá ser composto, pelo menos, com a qualificação completa dos cônjuges[70], consignando sua nacionalidade, estado civil, profissão, domicílio, número de inscrição no Cadastro das Pessoas Físicas do  Ministério da Fazenda ou do Registro Geral de sua cédula de identidade ou, à falta deste, sua filiação[71]. Deverá conter também, com precisão, os característicos, as confrontações e as localizações dos imóveis, mencionando os nomes dos confrontantes e, ainda, quando se tratar só de terreno, se esse fica do lado par ou ímpar do logradouro, em que quadra e a que distância da edificação ou esquina mais próxima[72]. Para  evitar erros, recomenda-se a juntada de certidão atualizada da matrícula do imóvel, sendo de bom alvitre lembrar que deverá ser atribuído valor para cada imóvel, e não apenas o “valor da causa”. Caso um dos cônjuges tenha sido contemplado com cota-parte superior à metade ideal que possuía, deverá ser verificada a eventual incidência do imposto de transmissão inter vivos[73]. Conterá, ainda, o termo ou auto de partilha (ou a própria petição inicial, em que já vier esclarecida a partilha pretendida) e a sentença homologatória[74], com a certidão do trânsito em julgado[75], bem como comprovante de valor venal para possibilitar o cálculo dos emolumentos e custas do registro[76]. Por derradeiro, deverá ser apresentada a certidão de casamento, onde conste averbada a alteração do regime de bens