INTRODUÇÃO
A Lei do Divórcio, Lei nº 6.515, de 26 de dezembro de 1977, entrou em vigor em 27 de dezembro de 1977 e alterou o regime legal de bens para comunhão parcial. Entretanto, não houve vacatio legis, ou seja, não houve qualquer período de conscientização da população antes de sua entrada em vigor. Desse modo, ao entrar em vigor na data de sua publicação, gerou diversos problemas, que hoje devem ser corrigidos.
Até a publicação da Lei do Divórcio, o regime da comunhão universal era o regime legal e, a partir do referido dia 27, passou a ser o da comunhão parcial de bens. Assim, a população e os registradores civis foram surpreendidos com a mudança, de modo que diversos casamentos foram celebrados e o regime constante no livro de registros não obedeceu ao que havia sido determinado pela nova lei.
Entende-se que tal erro deve ser caracterizado como erro material, uma vez que é de fácil constatação e dispensa qualquer prova além da própria verificação da data e do regime e a verificação de ausência de pacto antenupcial mencionado no registro. Logo, pode ser corrigido diretamente no cartório de registro civil onde o casamento foi celebrado.
A ENTRADA EM VIGOR DA LEI DO DIVÓRCIO, ALTERANDO O REGIME LEGAL DE BENS NO CASAMENTO
Em 27 de dezembro de 1977, data da sua publicação, entrou em vigor a Lei do Divórcio, alterando o regime legal de bens, que era o da comunhão universal, para o regime da comunhão parcial de bens.
Deve-se atentar para a falta de cautela do legislador, pois uma mudança dessa importância jamais deveria ter entrado em vigor na data da publicação. Deveria ter sido proporcionada uma vacatio legis de pelo menos 1 (um) ano. No entanto, assim foi. Na época, não muito distante, sabia-se das notícias pelos jornais e das alterações legislativas pelo Diário Oficial, em papel. O acesso à informação não era tão fácil como ocorre atualmente, na era das mensagens instantâneas e das notícias quase imediatas pela internet.
Assim, a Lei do Divórcio foi publicada e entrou em vigor sem que a maioria da população tivesse conhecimento.
Portanto, celebraram-se os casamentos do dia 27 de dezembro de 1977 e só mais tarde, ou mesmo depois da mudança de ano, pois muitos aproveitam esse período entre Natal e Ano Novo para um merecido descanso, tomou-se conhecimento de que o regime de celebração havia constado de forma incorreta no livro.
Trata-se de erro e de erro material evidente no entender das autoras deste artigo. E qual o porquê desse entendimento?
O REGIME VIGENTE A PARTIR DE 27 DE DEZEMBRO DE 1977
Anteriormente à Lei do Divórcio, Lei nº 6.515/77, o regime legal supletivo ou dispositivo , ou seja, aquele regime de bens fixado pela lei se não houver pacto antenupcial ou se o pacto for inválido, era o da “comunhão universal de bens”, porém a referida lei determinou sua alteração para o regime da “comunhão parcial de bens”. Importante explicar a diferença entre os dois regimes, para que se entenda a repercussão do erro do regime legal que constou no livro de registros de casamento.
No regime da comunhão universal de bens, regime legal até 26 de dezembro de 1977, comunicam-se, com exceções taxativas, todos os bens adquiridos antes ou durante a constância do casamento, inclusive heranças e doações recebidas.
No regime da comunhão universal, em princípio, comunicam-se todos os bens presentes e futuros dos cônjuges, constituindo uma só massa patrimonial, de acordo com o artigo 1.667 do Código Civil. (ALMEIDA; RODRIGUES JÚNIOR, 2010, p, 221)
Por sua vez, o regime da comunhão parcial de bens prevê que os bens anteriores ao casamento não se comunicam, sendo que apenas aqueles adquiridos onerosamente na constância do casamento integram o patrimônio do casal.
Resta claro, portanto, que a confusão entre os regimes de bens leva a grandes conseqüências patrimoniais, de forma que o erro cometido em virtude da falta de informação sobre a alteração de regime pela Lei do Divórcio pode afetar de forma grave o patrimônio dos casais que celebraram casamento em 27 de dezembro de 1977 ou em data posterior.
Observe-se que o regime legal considera a DATA DA CELEBRAÇÃO DO CASAMENTO , conforme expressamente dispunha o art. 230 do Código Civil de 1916: "Art. 230. O regimen dos bens entre os cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento, e é irrevogável. "
Logo, tendo em vista este ser o regime legal vigente no momento da celebração do casamento, conforme lei n.º 6.515/1977, que entrou em vigor no dia 27 de dezembro de 1977, deve ser este a reger o casamento realizado.
De fato, para afastar o regime legal, teria sido necessário que pacto antenupcial tivesse sido lavrado por escritura pública e juntado aos autos do processo de habilitação para casamento, sendo mencionado no registro do casamento respectivo .
Sobre o tema ensinam Renata Barbosa de Almeida e Walsir Edson Rodrigues Júnior:
Portanto, o regime de bens de um casamento será convencional, se escolhido pelos nubentes por meio de pacto antenupcial, ou legal, se determinado pela lei.
(…)
Até a Lei do Divórcio (Lei n.º 6.515/1977 de 26 de dezembro de 1977), o regime legal supletivo ou dispositivo, ou seja, aquele estabelecido pela lei na ausência de pacto antenupcial ou diante de pacto inválido, era o da comunhão universal. Com o advento da Lei do Divórcio, o regime legal supletivo ou dispositivo passou a ser o da comunhão parcial. Portanto, desde o dia 26 de dezembro de 1977, no Brasil, na ausência de pacto antenupcial ou diante de pacto invalido, prevalece o regime legal supletivo de comunhão parcial de bens. (ALMEIDA; RODRIGUES JÚNIOR, 2010, p, 179)
Determinava o art. 258 do Código Civil de 1916, com a redação dada pela Lei nº 6.515/77:
Art. 258 – Não havendo convenção, ou sendo nula, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime de comunhão parcial. (Redação dada pela Lei nº 6.515, de 1977).
É exatamente o caso, pois, como não havia convenção, deveria vigorar entre os cônjuges o regime legal da comunhão parcial de bens.
A CORREÇÃO DO ERRO MATERIAL
Esclarecido isso, pergunta-se: é possível a correção administrativa desse erro evidente, por meio do procedimento previsto no art. 110, da Lei de Registros Públicos, com a redação dada pela Lei nº 12.100/2009?
A Lei nº 12.100/2009 veio ampliar o rol de erros passíveis de correção pela via administrativa: qualquer erro que não exija qualquer indagação para a constatação imediata da necessidade de sua correção passou a ser objeto da retificação administrativa. Antes da publicação da Lei nº 12.100/2009, o art. 110 da Lei de Registros Públicos somente admitia o processamento no próprio cartório da correção de erros de grafia.
Para facilitar a análise, segue abaixo quadro comparativo:
RETIFICAÇÃO DE REGISTRO – alteração na Lei de Registros Públicos pela Lei 12.100/2009
REDAÇÃO ANTERIOR |
REDAÇÃO PELA LEI 12.100/2009 |
Art. 110. A correção de erros de grafia poderá ser processada no próprio cartório onde se encontrar o assentamento, mediante petição assinada pelo interessado, ou procurador, independentemente de pagamento de selos e taxas. (Renumerado do art. 111 com nova redação pela Lei nº 6.216, de 1975). § 1° Se qualquer interessado ou o órgão do Ministério Público impugnar o pedido, o Juiz determinará a produção da prova, dentro do prazo de dez (10) dias e ouvidos, sucessivamente, em três (3) dias, os interessados e o órgão do Ministério Público, decidirá em cinco (5) dias. § 1º Recebida a ptição, protocolada e autuada, o oficial a submeterá, com os documentos que a instruírem, ao órgão do Ministério Público, e fará os autos conclusos ao Juiz togado da circunscrição, que os despachará em quarenta e oito horas. (Redação dada pela Lei nº 6.216, de 1975). § 2º Quando a prova depender de dados existentes no próprio cartório, poderá o oficial certificá-lo nos autos. § 3º Deferido o pedido, o oficial averbará a retificação à margem do registro, mencionando o número do protocolo, a data da sentença e seu trânsito em julgado. § 4º Entendendo o Juiz que o pedido exige maior indagação, ou sendo impugnado pelo órgão do Ministério Público, mandará distribuir os autos a um dos cartórios da circunscrição, caso em que se processará a retificação, com assistência de advogado, observado o rito sumaríssimo.
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Art. 110. Os erros que não exijam qualquer indagação para a constatação imediata de necessidade de sua correção poderão ser corrigidos de ofício pelo oficial de registro no próprio cartório onde se encontrar o assentamento, mediante petição assinada pelo interessado, representante legal ou procurador, independentemente de pagamento de selos e taxas, após manifestação conclusiva do Ministério Público.(Redação dada pela Lei nº 12.100, de 2009). § 1o Recebido o requerimento instruído com os documentos que comprovem o erro, o oficial submetê-lo-á ao órgão do Ministério Público que o despachará em 5 (cinco) dias. (Redação dada pela Lei nº 12.100, de 2009). § 2o Quando a prova depender de dados existentes no próprio cartório, poderá o oficial certificá-lo nos autos. (Redação dada pela Lei nº 12.100, de 2009). § 3o Entendendo o órgão do Ministério Público que o pedido exige maior indagação, requererá ao juiz a distribuição dos autos a um dos cartórios da circunscrição, caso em que se processará a retificação, com assistência de advogado, observado o rito sumaríssimo. (Redação dada pela Lei nº 12.100, de 2009). § 4o Deferido o pedido, o oficial averbará a retificação à margem do registro, mencionando o número do protocolo e a data da sentença e seu trânsito em julgado, quando for o caso. (Redação dada pela Lei nº 12.100, de 2009). |
CONCLUSÃO
Nesse sentido, entende-se que o erro no regime legal de casamento se enquadra nos termos do art. 110 da Lei de Registros Públicos, pois está claro que não exige qualquer indagação para a constatação imediata de necessidade de sua correção.
É um erro evidente, bastando tão somente a mera observação da data de realização da cerimônia para se verificar que, na ausência de pacto antenupcial, o regime não poderia ser outro que não o da comunhão parcial de bens.
Assim, entende-se e defende-se que, nos casamentos cujas celebrações ocorreram em 27 de dezembro de 1977 ou em data posterior e em cujo registro constou como regime legal a comunhão universal de bens, deve haver a correção na via administrativa, tendo em vista haver flagrante erro material. O erro pode ser corrigido, pois, mediante requerimento apresentado diretamente no Serviço de Registro Civil das Pessoas Naturais onde foi registrado o casamento, sem a necessidade de processo judicial para tanto, bastando que o Oficial remeta os autos administrativos ao Ministério Público e que este dê parecer favorável à retificação. Para evitar discussões, no entanto, sugere-se que ambos os cônjuges requeiram a correção do erro em petição conjunta.
Não há que se falar em prejuízo de terceiros no que se refere ao erro material quanto ao regime de bens, posto que, em qualquer negócio no qual importasse o regime de bens, para que fosse admitida a comunhão universal depois de 27 de dezembro de 1977, deveria ter sido apresentado o pacto antenupcial. Assim, o erro teria sido identificado no caso concreto.
Caso os cônjuges prefiram efetivamente o regime da comunhão universal de bens, aí sim será necessária decisão judicial para que seja determinada a manutenção do regime legal que constou incorretamente no registro, tendo em vista o decurso do tempo e a vontade de ambos os cônjuges.
REFERÊNCIAS
[1] Ensinam Renata Barbosa de Almeida e Walsir Edson Rodrigues Júnior que o regime legal é o que decorre exclusivamente da lei, podendo ser supletivo (dispositivo) ou cogente (obrigatório). (ALMEIDA; RODRIGUES JÚNIOR, 2010, p, 179)
[2] Walter Ceneviva esclarece que: “O caput do art. 1.536 confirma a integral produção dos efeitos do casamento, logo depois de celebrado.” (CENEVIVA, 2010, P. 235)
[3] Aliás, a mesma norma foi reproduzida no Código Civil atual, no § 1º do art. 1.639 do Código Civil de 2002: ”O regime de bens entre os cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento”.
[4] Neste sentido o Código Civil de 2002: “Art. 1.640. Não havendo convenção, ou sendo ela nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime da comunhão parcial. Parágrafo único. Poderão os nubentes, no processo de habilitação, optar por qualquer dos regimes que este código regula. Quanto à forma, reduzir-se-á a termo a opção pela comunhão parcial, fazendo-se o pacto antenupcial por escritura pública, nas demais escolhas.” (sem grifos no original)
[5] Atualmente a mesma norma consta do art. 1.640 do Código Civil de 2002: ”Não havendo convenção, ou sendo ela nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime da comunhão parcial”
ALMEIDA, Renata Barbosa de; JÚNIOR, Walsir Edson Rodrigues. Direito Civil: Famílias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, 634p.
CENEVIVA, Walter. Lei de registros públicos comentada. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, 795p.
Letícia Franco Maculan Assumpção é graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (1991), pós-graduada e mestre em Direito Público. Foi Procuradora do Município de Belo Horizonte e Procuradora da Fazenda Nacional. Aprovada em concurso, desde 1º de agosto de 2007 é Oficial do Cartório do Registro Civil e Notas do Distrito de Barreiro, em Belo Horizonte, MG. É autora de diversos artigos na área de Direito Tributário, Direito Administrativo, Direito Civil, bem como Direito Registral e Notarial, publicados em revistas jurídicas, e do livro Função Notarial e de Registro. É Diretora do CNB/MG, Presidente do Colégio Registral de Minas Gerais, Coordenadora da Pós-Graduação em Direito Notarial e Registral no CEDIN e representante do Brasil na União Internacional do Notariado Latino.
Isabela Franco Maculan Assumpção é estudante de Direito na Universidade Federal de Minas Gerais e Oficial Substituta no Cartório do Registro Civil e Notas do Distrito do Barreiro, em Belo Horizonte, MG.