Artigo – União estável anterior ao casamento – Por José Carlos Teixeira Giorgis

Por José Carlos Teixeira Giorgis; advogado (OAB/RS nº 74.288)
 
Quando a regra constitucional erigiu a união livre à dignidade de família ao lado do matrimônio e da entidade monoparental, também previu a possibilidade de sua conversão em casamento, ordenando que a lei facilitasse a mudança; o comando foi renovado no código civil, embora com a intervenção judicial, formalidade que mereceu crítica.
 
Havia expectativa que o expressivo número de casais em concubinato afluísse aos ofícios públicos para proveito da inovação, pois as galas da boda constituem paradigma tradicional, o que não aconteceu: ali como agora são escassas as pessoas que optam em adotar o consórcio contratual em substituição à flexibilidade dos laços de vida em comum.
 
Contudo, há situação de quem já coexiste de forma prazeirosa e que, em razão dos filhos ou duração do relacionamento, decida habilitar-se ao casamento, desprezando o rito da conversão.
 
O ensejo mostra que alguns candidatos cumprem o caderno de exigências sem ater-se aos fatos pretéritos; outros firmam pacto antenupcial; também sucede que escolham o regime legal, omitindo qualquer preferência; raros buscam o acertamento dos efeitos patrimoniais pendentes, o que redunda em refregas judiciais para discussão da partilha.
 
As demandas acontecem após o falecimento de algum dos cônjuges, em geral; mas também quando se desenha a separação ou o divórcio.
 
Anote-se, em primeiro lugar, que há legítimo interesse de agir do cônjuge sobrevivente ao propor a ação declaratória de união estável, pois os direitos decorrentes da vida em comum que precedeu ao matrimônio somente podem ser exercidos depois do reconhecimento judicial da união estável (AC 70025513474); e que consagrada a existência da união estável, cabe a repartição dos bens auferidos durante a convivência, sem exame de contribuição direta ou aporte de recursos pelo outro parceiro, em obediência ao regime da comunhão parcial.
 
A jurisprudência não estranha  a imposição ao varão que usufruiu sozinho e durante muitos anos as vantagens do patrimônio comum, além da partilha, também uma verba aparentemente indenizatória, mas de natureza alimentar, como compensação  pelo uso exclusivo do acervo (AC 70018872986).
 
Outra questão sensível diz com sexagenários obrigados ao regime da separação de bens quando venham a casar depois de uma relação livre.
 
Lembre-se que um verbete admite a comunhão dos acréscimos patrimoniais advindos da vida em comum, embora a exigência da separação obrigatória (STF, Súmula 377), cuja recepção pelo atual estatuto a doutrina e as cortes têm como consolidada; o tribunal gaúcho entendeu a restrição como inconstitucional por ferimento do princípio solar da dignidade da pessoa humana, não tendo sentido dita presunção de incapacidade por implemento de idade (AC 70004348769); o julgado se refletiu no âmbito da união estável, sublinhando-se em outro veredicto que o próprio estado condominial que vigora entre os conviventes sugere a existência de um esforço conjugado na aquisição do patrimônio (APC 70004179115).
 
Desta forma, quando houver união que anteceda ao casamento de pessoas submissas ao regime da separação obrigatória, as partilhas num e noutro caso devem seguir as regras da comunhão parcial, além de conferir ao cônjuge sobrevivente- antes companheiro- também os direitos hereditários pela concorrência com os sucessores, e nas duas sedes (AC 70017318940).
 
Quando não exista contrariedade no inventário sobre a anterior união estável, não há empecilho para a concretização da partilha conjunta sem necessidade de remessa às vias ordinárias para o reconhecimento suplementar (AGI 70027478064).
 
Assim, recomenda-se aos companheiros que definam o destino dos bens existentes durante a união estável antes de inaugurar a vida de casados, para prevenir as agruras da desconfiança ou da injustiça. 
(*) E.mail: jgiorgis@terra.com.br

 

Fonte: Espaço Vital