Artigo – União homossexual e o judiciário brasileiro

Por Andréia Coura

As uniões homossexuais são uma realidade no mundo todo. Quando fundadas na afetividade e na assistência mútua, formam as famílias homoafetivas, núcleos de cuidado e proteção que compõem a sociedade tanto quanto outras entidades familiares.

Antes relegadas à clandestinidade, têm sido reconhecidas pelo ordenamento jurídico de vários países. Na América Latina, o primeiro país a legalizar a união de casais homossexuais foi o Uruguai, aprovando a Lei da União Concubinária, protegendo as relações afetivas e sexuais com mais de cinco anos entre duas pessoas, independente do sexo.

No Brasil não há lei federal regulamentando o tema, apesar dos dados estatísticos apresentados pelo IBGE no ano de 2007 acerca do número de casais do mesmo sexo que vivem sob o mesmo teto: em 5.435 municípios, excluindo as grandes cidades, pelo menos 17 mil casais gays moram juntos.

Vários projetos de lei tramitam no Congresso Nacional, mas a passos lentos. O Estatuto das Famílias, Projeto de Lei nº 2.285/07, do deputado Sérgio Barradas Carneiro, é uma proposta atualizada de regulamentação dos novos arranjos familiares, entre estes, os decorrentes da união homoafetiva.

Explica-se a resistência do legislador pela incerteza quanto à legitimidade ético-jurídica desse tipo de união, considerada imoral. Esse pensamento, contudo, é preconceituoso e excludente. É justamente a moral o conjunto de normas que, considerando a fragilidade do ser humano, como referiu Habermas, visa protegê-lo de lesões físicas e psíquicas.

Entregar os conviventes homossexuais à própria sorte contraria a moral e a Constituição de 1988, que pretende construir uma sociedade pluralista e inclusiva, capaz de garantir condições para que o indivíduo possa desenvolver sua personalidade de forma plena, enunciando logo no início, como fundamento do Estado brasileiro, a dignidade da pessoa humana e entre os seus objetivos, o bem de todos, sem qualquer espécie de discriminação.

É a jurisprudência, aplicando as normas e princípios constitucionais, no exercício da sua função atualizadora do Direito e das leis, que tem garantido alguns direitos aos companheiros homossexuais.

O TJ-RS (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul), desde 1999, confere aos companheiros do mesmo sexo direitos análogos aos da união estável heterossexual, tal como alimentos, partilha de bens em caso de separação, meação e direito à herança em caso de falecimento de um dos companheiros.

O Judiciário de outros Estados começa a reconhecer as uniões homossexuais como entidade familiar, digna de proteção jurídica. A 3ª Vara de Família e Sucessões de Goiás entendeu que é tema de direito de família e não de direito civil, conflitos originados da relação de afeto entre pessoas do mesmo sexo, devendo tramitar em segredo de Justiça o processo que tenha esse objeto.

Em São Paulo, o Tribunal de Justiça considera a união homossexual uma sociedade de fato, contrato em que duas pessoas contribuem com bens ou serviços para a partilha de resultados de atividade econômica, exigindo a prova da contribuição de cada um na construção do patrimônio para garantir apenas a meação, traduzindo-se esse entendimento numa precária proteção da relação homoafetiva, sem garantias de uma relação afetiva.

O STJ (Superior Tribunal de Justiça), no Recurso Especial nº 238715/RS, publicado no Diário de Justiça em 02/10/2006, entendendo possível a inscrição de parceiro homossexual em plano de saúde, decidiu: “A relação homoafetiva gera direitos e, analogicamente à união estável, permite a inclusão do companheiro dependente em plano de assistência médica. O homossexual não é cidadão de segunda categoria. A opção ou condição sexual não diminui direitos e, muito menos, a dignidade da pessoa humana”.

O Ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Celso de Mello, já se pronunciou quanto à juridicidade das famílias homoafetivas, interpretando a Constituição Federal que, ordenando ao Estado que proteja em especial os diversos tipos de entidades familiares – formada pelo casamento, pela união estável entre homem e mulher e por um dos pais e seus descendentes – não excluiu as uniões estáveis homossexuais, impondo-se o reconhecimento de conseqüências no plano jurídico e social em favor dos parceiros (ação direta de inconstitucionalidade nº 3300 MC/DF).

Urgente é a conscientização de que o homossexual é sujeito de direitos fundamentais inerentes a toda pessoa, entre os quais o direito à família, consistente no acesso ao núcleo de afeto e proteção e aos reflexos patrimoniais decorrentes desse reconhecimento.

O Judiciário brasileiro está exercendo, nesse tema, um papel educativo, mostrando à sociedade, especialmente por meio do reconhecimento dos direitos patrimoniais dos companheiros homossexuais, que negá-los é admitir um Estado Democrático de Direito de aparência, onde a prática da homofobia, tolerada, impõe a esses cidadãos o sofrimento, o abandono e a insegurança.

 

Fonte: Última Instância