Clipping – Brasil terá eleição direta para juízes de paz – Folha de São Paulo

Conselho Nacional de Justiça deu prazo de um ano para regulamentação da questão em todos os Estados e no Distrito Federal

Regra criada na Constituição de 1988 prevê ainda que juiz de paz seja remunerado e tenha papel de conciliador, mas nunca saiu do papel

ROGÉRIO PAGNAN
DA REPORTAGEM LOCAL

Passados 20 anos da sua criação, a figura do juiz de paz remunerado, eleito e com atribuições legais que incluem o papel de conciliadores finalmente sairá do papel.


Em junho, o Conselho Nacional de Justiça determinou a todos os Tribunais de Justiça do país a realização de eleições diretas para a escolha de juízes de paz e a ampliação de suas funções. Os Estados e o Distrito Federal têm um ano para regulamentar o assunto, prazo que começou a correr desde então. Hoje, o papel do juiz de paz se restringe à celebração de casamentos e seu vínculo é praticamente com o cartório de registro civil. Quando uma cerimônia é marcada, o juiz é acionado para comparecer ao evento.


Em alguns Estados, como Paraíba e Sergipe, a função nem existe, e os casamentos são realizados pelo juiz de direito. Em geral, ele é indicado pelo TJ ou pela Secretaria da Justiça. Foi a Constituição Federal de 1988 que determinou a eleição para juiz de paz pelo voto “direto, universal e secreto” e a ampliação de função, mas a mudança nunca foi implementada. As regras foram “ressuscitadas” após uma representação da professora Dulce Furtado Silva, de Mundo Novo (MT), inconformada com o critério de escolha no seu Estado. Lá, é o diretor do Fórum de cada cidade quem escolhe o juiz de paz.


Ao analisar a reclamação da professora, o CNJ resolveu estender a obrigação de eleição a todos os Estados. Para se candidatar a juiz de paz, o interessado só precisa ser maior de 21 anos -sem necessidade de nível superior nem conhecimento jurídico ou de conciliação. Haverá pelo menos 5.564 pelo país. A definição de vagas e do salário será de cada Estado. Em São Paulo, onde os juízes de paz não são remunerados (mas passarão a ser), esse número deverá ser de 900. O voto não deverá ser obrigatório, mas em alguns Estados, como Minas Gerais, as eleições deverão ocorrer simultâneas às de prefeito e vereador. Com a recomendação do CNJ, que tem status de ordem, além de definir as eleições, os Tribunais terão ainda de regulamentar a participação desses juízes como conciliadores -principalmente nos casos envolvendo família. Poderão, atuar, ainda em outras varas.


Antes de um casal, por exemplo, chegar ao juiz de direito para decidir os termos da separação, ele deverá primeiro passar pelo de paz. Será discutida a possibilidade de reconciliação. Se não for possível, o juiz poderá ajudar a elaborar um acordo, que pode envolver até partilha de bens e a guarda de filhos. Nos casos com filhos, os acordos serão obrigatoriamente submetidos ao promotor (que opina) e ao juiz (para homologação ou não). “Eles [juízes de paz] poderão atuar até mesmo nos juizados especiais, por que não? Não há nada que impeça”, diz a juíza Andréa Maciel Pachá, conselheira do CNJ e relatora da recomendação. Para ela, a Justiça de Paz é uma forma de desafogar o Judiciário de temas que podem ser resolvidos com o diálogo. O vice-presidente da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), juiz Cláudio Dell`Orto, afirmou que a entidade apóia essa recomendação. “A Justiça de Paz é mais antiga até que a Justiça togada”, disse.


Já o presidente da Apamagis (Associação dos Magistrados Paulistas), desembargador Henrique Nelson Calandra, disse temer a desvirtuação da função. Ele vai tentar reverter a recomendação. “Há quadrilhas de estelionatários esperando essas eleições”, disse. Outros magistrados paulistas dizem que a situação será mais problemática nas cidades pequenas, onde não há juiz de direito, e a população menos informada pode ser vítima de decisões arbitrárias (e nulas). Eles dizem temer ainda uma disputa entre grupos religiosos ou políticos nessas eleições.

 

 

Desembargador se diz “horrorizado”com determinação


Henrique Nelson Calandra afirmou que irá buscar formas de reverter decisão do CNJ de ampliar poderes do juiz de paz. Para ele, eleição para o cargo irá vulgarizar a figura do juiz porque aceitará pessoas despreparadas para a função de conciliação

ROGÉRIO PAGNAN
DA REPORTAGEM LOCAL

O presidente da Associação Paulista dos Magistrados, Henrique Nelson Calandra, afirmou ter ficado “horrorizado” quando soube da determinação do CNJ para a realização de eleições para juiz de paz e a “ampliação” de seus poderes. “Há mais prejuízos do que lucros”, disse Calandra. O desembargador informou que irá discutir com a direção da associação e buscar formas de tentar reverter essa recomendação do CNJ, inclusive recorrer ao próprio conselho. Para ele, a situação hoje é totalmente diferente da de 1988, quando a Constituição foi aprovada, e a regulamentação desse tema agora só acarretará custos desnecessários.


Ainda segundo Calandra, a eleição do juiz de paz irá vulgarizar a figura do juiz porque aceitará pessoas despreparadas para a função de conciliação. “Por que não colocar o oficial do cartório?”, disse. Juízes paulistas ouvidos pela reportagem dizem que poderão até buscar no Congresso a aprovação de uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) para buscar essa mudança. O deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP) já apresentou na Câmara um pedido de mudança na Constituição para que os juízes de paz sejam escolhidos por concurso público, e não pelo voto popular. Para ele, a eleição também é uma boa ferramenta para escolha dos juízes. “O que não pode é ficar do jeito que está. Que são nomeações dos secretários de Justiça”, afirmou. Mesmo assim, segundo o parlamentar, ele vai tentar aprovar a PEC porque considera o concurso público uma forma de selecionar melhor os juízes de paz. “Vou insistir”, disse. “Esse assunto só será retomado depois das eleições”, afirmou.

Má-fé
Os juízes Andréa Maciel Pachá (CNJ) e Cláudio Dell`Orto (AMB), defensores da eleição na Justiça de Paz, disseram que não podem criticar esse processo por pensar, antecipadamente, que será utilizado por pessoas com más intenções. “Não prejulgo a má-fé de ninguém”, disse Andréa Pachá. “Em qualquer área há problemas. Não podemos partir do pressuposto da má-fé”, complementou Dell`Orto. O presidente da Arpen-SP (Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado de São Paulo), Odélio Antonio de Lima, afirmou temer pela eleição na Justiça de Paz. “Você não sabe quem vem.”

 
Casamentos têm custo tabelado em cartórios
DA REDAÇÃO

Os preços de casamentos, divórcios e separações civis no Estado são tabelados com base na Ufesp (Unidade Fiscal do Estado de São Paulo), de acordo com lei estadual. Cada Ufesp vale R$ 14,88. A Folha consultou seis cartórios da capital -incluindo o 2º Cartório de Registro Civil (Liberdade) e o 35º Cartório (Barra Funda)- e todos forneceram preços iguais para casamentos -R$ 258 no cartório e R$ 779 se a cerimônia ocorrer em um salão de festas, por exemplo. Para um casamento em cartório, são necessárias duas testemunhas. Segundo uma funcionária do 2º Cartório de Registro Civil, que pediu anonimato, após o agendamento, o matrimônio demora cerca de 30 dias para ser realizado. No caso de separação ou divórcio, a reportagem procurou três tabelionatos de notas. Dois deram preços de R$ 228 para ações sem partilha de bens -o equivalente ao valor da tabela.
Um deles, o 1º Tabelionato de Notas, em Santa Cecília (centro), cobrou R$ 263. Segundo a assessoria de imprensa do Colégio Notarial do Brasil, seção São Paulo, o valor cobrado a mais (R$ 35) é opcional e equivale a uma certidão a mais para comprovar a separação.

“Quem faz a separação, hoje, é o tabelião e não o juiz de paz. Em geral leva uma semana”, afirma o escrevente Ricardo Fortes, do 24º Tabelionato de Notas, na região da Sé. O custo de separações e divórcios com partilha de bens varia conforme o valor dos bens declarados pelo casal. Uma ação custará R$ 1.128,71 se o casal tiver bens compartilhados na faixa de R$ 74.400.

Fonte: Jornal Folha de São Paulo