Clipping – Divórcios em marcha lenta nos cartórios – Jornal Hoje em Dia

A tão festejada lei 11.441/07, que permite a realização de separação, divórcio, inventário e partilha em tabelionatos de notas, entrou em vigor em janeiro deste ano, mas, por enquanto, não engrenou. Propalada como uma forma de desafogar a Justiça, dar maior agilidade no processo de separação e baratear custos, a novidade esbarrou, inicialmente, na insegurança de advogados e cartórios, que se sentiram despreparados para estimular o procedimento, já que, depois de publicada em 4 de janeiro deste ano, passou a vigorar no dia seguinte, não havendo tempo hábil para sanar dúvidas.

Além disso, apontam alguns advogados, existem algumas restrições que impedem uma maior procura pelos cartórios. A mais relevante talvez seja o fato de o casal não poder ter filhos menores de idade ou incapazes. É preciso haver consenso entre as partes, inclusive em relação à partilha de bens. Outro complicador é o fato de o casal ter que estar separado de fato ou judicialmente há pelo menos dois anos para entrar com a papelada para requerer o divórcio e, assim, poder ter a liberdade para se casar novamente.

O juiz auxiliar da Corregedoria Geral de Justiça, Maurício Pinto Coelho Filho, afirma que os cartórios têm recebido pedidos de separação e divórcio, mas não na quantidade esperada. A corregedoria não possui dados que revelem a procura, mas planeja implantar uma central de informações para fazer esse controle. «O período de adaptação é sempre difícil», acredita. Ele afirma que a Receita Estadual deverá encaminhar, ainda neste ano, um projeto para a Assembléia Legislativa para determinar as custas para os atos praticados pelos cartórios extrajudiciais. Hoje o valor segue uma tabela da Corregedoria Geral da Justiça.

No entanto, alguns cartórios comemoram o movimento ascendente. O tabelião do 8º Ofício de Notas, Maurício Leonardo, afirma que a média de pedidos é de 20 por mês. «Acredito que ainda deve aumentar um pouco, cerca de 30 mensais. Muitas pessoas se separavam e, como é mais demorado, não se pensava no divórcio, por ter que entrar na Justiça. Acho que no cartório, esse processo foi facilitado». No Cartório do 2º Subdistrito de Belo Horizonte, entre 1º de fevereiro e 21 de maio, foram 45 pedidos de divórcio e de separação. A oficial substituta Juliana Rodrigues Pires Sena observa que, no mesmo período, foram 595 divórcios por meio judicial. Já o escrevente Alessandro Almeida, do 7º Ofício de Notas, contabiliza uma média de aproximadamente dez por mês.

A advogada Juliana Gontijo disse que seu escritório nunca estimulou os clientes a buscarem o cartório, por não acreditar que seja seguro. «Ainda não fizemos e deveremos ser os últimos a fazer. Num tempo de mudanças, prefiro a prudência. Não vou colocar uma família em risco. A condução em cartório me parece menos comprometida do que foi acordado entre os cônjuges. Os casais, enquanto ainda tiverem forma de arrependimento, dentro de pouco tempo pode anular o acordo. Tenho medo de, no cartório, se agir por impulso, sem uma reflexão maior».

O juiz da 1ª Vara de Família do Fórum Lafayette, Newton Teixeira Carvalho, contesta e garante que o procedimento feito em cartório tem a mesma segurança do que o realizado em juízo. «Tudo isso gera um título e, se não cumprido, gera uma execução». Carvalho, que também é presidente do Instituto Brasileiro do Direito de Família (IBDFAM) em Minas e professor da Faculdade Dom Helder Câmara, afirma que o tempo médio do divórcio na Justiça varia conforme o juiz, mas não ultrapassa os oito meses. Já no cartório não leva mais que 15 dias.

Ele imagina um prazo de dois anos para que o Judiciário possa ser desafogado e, assim, se debruçar em processos litigiosos. Carvalho apóia a antiga bandeira do IBDFAM, iniciada em 1988, que deu origem ao Projeto de Emenda Constitucional do deputado federal Sérgio Barradas (PT-BA). A PEC-33 tramita na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania e estabelece que o casamento civil seja dissolvido pelo divórcio consensual ou litigioso.

Motivação e metas ajudam a segurar relação

Não existem fórmulas mágicas para manter o casamento um eterno namoro de «pombinhos». Mas algumas atitudes podem ajudar que a vida a dois seja prazerosa e, quem sabe, dure «até que a morte os separe». A psicóloga, psicopedagoga e professora do Centro Universitário Newton Paiva, Sylvia Flores, acredita que o divórcio tem sido cada vez mais comum devido a ilusões e sonhos quebrados. «O casamento ainda é muito cercado pelo pensamento romântico, no sentido de ser fora da realidade, como se todos os dias pudessem ser de encontros prazerosos». A expectativa em relação ao outro também contribui, à medida em que a pessoa tende a colocar a possibilidade da felicidade nas mãos do parceiro, e de o outro ter o dever de fazê-lo feliz.

Sylvia Flores lembra que, nos primeiros meses do casamento, o casal ainda se preocupa em manter viva a conquista, sendo constantemente agradáveis aos olhos do companheiro, seja por meio da aparência e/ou dos gestos e palavras. Mas, com o tempo, essa «magia» se perde. «Isso deve ser perpetuado, tem que ter ânimo para o jogo da sedução e fôlego para se encontrarem e quererem ficar juntos».

Conseguir manter a chama e o fôlego do início do casamento é possível com motivação. «Se a motivação do homem ou da mulher era se casar, depois do casamento, tem que haver outras metas na vida a dois, tendo comportamento que busque a felicidade, tendo tolerância e servindo ao outro». Sylvia Flores ressalta que o desejo precisa ser alimentado todos os dias, para não morrer, não interromper o comportamento de sedução. «É importante influenciar a pessoa a tal ponto que ela fique com você e escolha ficar com você. A pessoa pode mudar por causa de uma crença, passar a acreditar que aquele homem ou mulher seja a pessoa da vida dela». Ela afirma que não é errado forçar uma situação, «criando um clima», para estimular o desejo.

No entanto, a conquista da independência financeira tem possibilitado que as mulheres se arrisquem mais nos relacionamentos e não se prendam às insatisfações do casamento. Além disso, ressalta a psicóloga, a resistência à insatisfação está cada vez mais baixa, e muitas mulheres não estão dispostas a se desgastar pelo outro. «A cultura capitalista ocidental grita pelo individualismo», ressalta. Ela observa ainda que as mulheres estão fortes e poderosas e muitos homens se sentem impotentes e inúteis, como se fossem coadjuvantes no casamento, às vezes, até um figurante.

Separados por uma promoção no trabalho

A dedicação à profissão falou mais alto para a relações públicas Daniela Mara Brito, 29 anos, quando o marido recebeu uma promoção, mas com a condição de morar no Rio de Janeiro. Era janeiro de 2006 e, no começo, o casal vivia na ponte aérea e se encontrava todos os fins de semana. «Ele queria que eu fosse para o Rio, mas não abri mão da minha vida em Belo Horizonte, da minha empresa de cerimonial, das minhas coisas. O profissional pesou sobre o amor. No Rio, virou uma casa de praia. Todo fim de semana tinha parentes. Acabou que cada um ficou na sua», lamenta.

O casal, que estudava na mesma faculdade, mas nunca tinha se visto, se conheceu na Festa da Cerveja, em Divinópolis, no Centro-Oeste. Namorou durante dois anos e ficou casado por outros quatro. Engravidar estava nos planos de ambos, mas o anticoncepcional voltou a ser usado tão logo a promoção do administrador de empresas chegou.

Os dois resolveram se distanciar em novembro passado, mas ainda não entraram com a papelada para requerer a separação. Quando isso ocorrer, afirma Daniela Brito, a opção será pelo cartório. «Acho mais fácil, mais barato e menos sofrido. Na Justiça, o juiz fica insistindo para que a gente tente uma reconciliação».

Com ela, ainda estão algumas roupas, sapatos, documentos, fotos e outros objetos pessoais, mas reservados em uma parte da casa. «Tenho vida de solteira e ele, com certeza, também. O que sinto é uma mistura de sentimentos. Acho que virou um amor fraternal. Mas se eu o vir com outra, vou ficar baqueada. Não sei se me arrependi. Na época fiquei muito triste, tive depressão. É uma situação complicada, porque envolve a família também, cria-se um vínculo, são amigos em comum.»

O pouco tempo que os dois ainda conversam é para resolver questões financeiras e assuntos em comum. «Se ele quisesse voltar, não sei se gostaria. Não sei quem errou, se fui eu ou ele. Mas ele também poderia ter ficado, afinal, o custo de vida no Rio é mais alto que aqui. Acho que financeiramente falando, ficaria igual continuar morando em BH».

Daniela agora experimenta o preconceito da separação. «Os homens ainda têm muito preconceito, comentam que parece coisa de artista o pouco tempo de casada. Quando falo que não tenho filhos, ameniza um pouco. Mas parece que a gente é geniosa e que o problema é sempre da mulher».

Reencontro resgata amor antigo

Quando perceberam que o casamento que já durava oito anos não dava mais certo, o empresário Cláudio de Mello, 41 anos, e sua ex-mulher resolveram ter uma conversa franca. O fato de terem uma filha, hoje com 12 anos, não postergou a decisão. Optaram pelo divórcio. Hoje, quase cinco anos depois, ele conta que reencontrou uma ex-namorada da juventude e, com três meses de namoro, já planeja se casar novamente. A ex-mulher também está feliz com a vida a dois, casou-se e tem um filho. «Nós dois estamos felizes e realizados e somos amigos», revela o empresário.

Na primeira relação, Cláudio conta que conheceu, namorou e noivou em menos de um ano, e a mulher engravidou aos três meses, depois que passaram a viver debaixo do mesmo teto. «Infelizmente não deu certo. Toda separação é ruim. Ninguém se casa para se separar, mas para construir. Quando a gente perde isso é uma frustração, uma dificuldade. Tomamos a decisão juntos, já que estávamos tendo mais prejuízos unidos do que separados».

Ele lembra que conheceu a atual namorada na época do colégio. «Foram três meses de namoro, mas foi marcante. Não sei porque terminamos. Logo depois, ela conheceu outro cara e casou-se. Ficamos 20 anos sem nos ver e, recentemente, minha mãe encontrou com ela. Foi como se tivéssemos dado um pause e depois apertamos play. Foi muito intenso».

Casal ‘perfeito’ também se separa

O primeiro olhar aconteceu quando os dois estavam na 7ª série, mas o beijo só veio um ano depois. O namoro assumido, após dois anos, quando ambos estudavam na mesma sala. Eram considerados «o casal perfeito», sempre se deram bem e jamais brigavam. Os planos sempre foram compartilhados sem atrito – terminar os estudos, se formar, arrumar um emprego estável para então casar-se. Casamento com direito à festa para 450 convidados, lua-de-mel em Fortaleza (CE) e amor que prometia ser para o resto da vida.

Em agosto passado, no entanto, o chão se abriu para X.W.G, 27 anos, quando o marido apaixonado revelou que «se sentia sufocado, cansado e que estava pensando em se separar, queria curtir mais a vida». No dia 2 de setembro, ela juntou seus pertences e pediu ao pai para ir buscá-la.

Uma outra mulher ocupou a vida do rapaz de X durante um mês e meio, mas a menina preferiu voltar para o ex-namorado. «Pode ser que ele estivesse sufocado, mas acho que uma outra pessoa deu força para a separação». A papelada para concretizar a dissolvição matrimonial já está em andamento. Ela está separada de corpos há nove meses. O casal preferiu buscar a separação judicial. «Os cartórios ainda não têm todas as informações necessárias, acho que não vale a pena arriscar. O que gastaria no cartório, gasto com o advogado».

Em 2005, o número de separações judiciais concedidas foi 7,4% maior que em 2004 no país

15,5% foi o quanto aumentou o número de divórcios entre 2004 e 2005, quando 150,7 mil pessoas se separaram

76,9% das separações judiciais efetivadas em 2005 foram consensuais, enquanto 22,9% não tiveram consenso

Os divórcios consensuais diminuíram 4,9% no país entre 1995 e 2005, enquanto as não consensuais aumentaram 4,7% no período

72,1% dos pedidos de divórcio litigioso foram feitos por mulheres, e 26,3%, por homens, em 2005

O Nordeste foi o campeão de separações não consensuais em 2005, com 35% do total

A Região Sudeste liderou os divórcios de comum acordo em 2005, respondendo por 79% dos casos nacionais

 

Fonte: Jornal Hoje em Dia  27-05-07