Clipping – Juiz anula união gay – Jornal Estado de Minas

Decisão de magistrado de Goiânia vai obrigar Supremo a ratificar votação que deu aos casais homossexuais os mesmos direitos dos heterossexuais   

Brasília –  Um juiz de Goiânia (GO) decidiu contrariar a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que deu aos casais homossexuais os mesmos direitos e deveres que a legislação brasileira estabelece para os heterossexuais, incluindo o reconhecimento da união estável, e anulou um contrato assinado pelo primeiro casal gay do Brasil a formalizar a união. Em uma decisão de ofício, ou seja, sem ser provocado por um pedido, o magistrado da 1ª Vara da Fazenda Pública do estado, Jeronymo Pedro Villas Boas, decidiu que o casamento de duas pessoas do mesmo sexo não é válido, já que a Constituição fala em famílias constituídas por homens e mulheres. A ordem do juiz vai obrigar o Supremo a ter de ratificar a decisão.

Para formalizar o enfrentamento, o juiz ainda determinou que nenhum cartório da cidade escriture a declaração desse tipo de união. A decisão do juiz já provocou reações em diferentes órgãos. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) deve entrar hoje com uma ação no Tribunal de Justiça do estado contra a anulação. Para o presidente em exercício da entidade, Miguel Cançado, a atitude do juíz representa "um retrocesso moralista".

O juiz alega que decidiu com base na Constituição que cancelou um documento porque havia falhas processuais , já que os ritos exigidos para casais heterossexuais não foram cumpridos. "Para se estabelecer um casamento com a definição do regime jurídico é preciso cumprir os ritos. O casal não o fez e o contrato não era apenas uma declaração de união, mas um casamento. Meu papel é zelar pela legalidade dos atos". "Não estou enfrentando o STF. Estou seguindo minhas convicções e aplicando a lei como está escrita. Os ministros a interpretaram. Mas não sou obrigado a aplicar o que eles dizem, e sim o que está na lei. Se eles mandarem o Brasil torcer para o Flamengo, você não pode ser obrigado a abandonar sua história e mudar de time", diz Villas Boas.

Para o jornalista atingido pelo ato do magistrado, Léo Mendes, o absurdo não está apenas na anulação de ofício da união, mas no fato de o magistrado ter informado à imprensa sobre o fato antes de as partes serem citadas. "Nunca vimos isso antes. Ele entrou em contato com jornalistas na sexta-feira e foi assim que ficamos sabendo sobre a decisão. Por conta disso, já formulamos uma série de ações contra ele", diz Mendes, que vive em união estável há um ano com Odílio Torres. Os dois foram os primeiros a formalizar o casamento depois da decisão do STF, de 5 de maio.

O casal vai entrar com uma ação por danos morais contra o magistrado, com uma reclamação no Supremo e com uma denúncia de descumprimento do Código de Ética da Magistratura no Conselho Nacional de Justiça. Para eles, houve descumprimento do artigo que trata sobre a obrigatoriedade de dar tratamento honrado e digno às pessoas. "Fomos atingidos, humilhados e destratados não apenas pela conduta do juiz logo depois da decisão, mas também pelas afirmações que fez em seu texto", conclui Mendes.

Em sua decisão, Jeronymo Pedro Villas Boas alega que a ideia de que há um terceiro sexo é uma ficção jurídica. "A idéia de um terceiro sexo, decorrente do comportamento social ou cultural do indivíduo, portanto, quando confrontada com a realidade natural e perante a constituição material da sociedade não passa de uma ficção jurídica, incompatível com o que se encontra sistematizado no ordenamento jurídico constitucional", diz o texto.

POLÊMICO

Em 2009, o juiz Jeronymo Pedro Villas Boas negou a troca de nome de dois transexuais. Em maio, negou o pedido de um transexual de 45 anos que havia se submetido à cirurgia de mudança de sexo em 2005. O juiz alegou, na ocasião, que uma adaptação física desse tipo não transforma o sexo de uma pessoa e que o registro público deveria expressar a verdade. Em junho, o magistrado negou o pedido de um transexual de 40 anos, que desejava trocar o nome masculino por um feminino que usava desde os 17 anos. Villas Boas justificou que o procedimento servia para corrigir um erro registral.
 

Fonte: Jornal Estado de Minas