"Quero ter o nome dos dois, porque os dois são meus pais." A frase, dita por uma criança durante um processo de reconhecimento de paternidade, pegou de surpresa a promotora Priscila Matzenbacher, de Rondônia.
Tudo começou após a criança, aos seis anos, descobrir pela mãe que seu pai biológico era outro –não aquele com quem convivia. Anos depois, o genitor foi à Justiça para mudar a certidão.
Ao saber que um dos "pais" sairia do registro, a garota começou a chorar. "Constatei que havia ali uma multiparentalidade", diz a promotora.
Diante do impasse, veio o pedido: reconhecer ambos oficialmente como pais. Uma alternativa que tem ganhado força em diversos tribunais.
Aos poucos, mais filhos recorrem à Justiça para ter, na certidão de nascimento, o nome de uma mãe e dois pais –ou de um pai e duas mães.
A maioria das decisões é relativa à paternidade. São casos em que os filhos foram criados pelos "pais afetivos" –sem perder o vínculo com os pais biológicos.
Segundo o IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família), o primeiro reconhecimento dos "pais em dobro" ocorreu em março de 2012, também em Rondônia.
De lá para cá, a Folha encontrou ao menos outras 18 ações que tiveram resultados semelhantes, distribuídas em 12 Estados. Todos os processos correm em sigilo.
"Antes uma coisa excluía a outra. Se colocava o nome de um pai, excluía o outro. E aí se chegou à visão mais moderna, de que não preciso julgar e escolher entre um deles, posso somar", diz Rodrigo Pereira, presidente do IBDFAM.
Segundo ele, o instituto planeja pedir ao Conselho Nacional de Justiça que regulamente a medida e autorize os cartórios a incluir, por conta própria, "duplos pais" no registro — sem que precisem do aval de um juiz para isso.
'REGISTRO TRIPLO'
Com a inclusão de um segundo pai –ou mãe– na certidão, os filhos podem alterar o sobrenome e receber pensão alimentícia e herança. Também podem ser incluídos no plano de saúde.
"Muitos ainda consideram loucura. Mas a Justiça não está criando nada, só está reconhecendo uma situação que já existe", diz Matzenbacher.
Apesar de positivo, o avanço no reconhecimento das famílias "multiparentais" traz o risco de "casos oportunistas", afirma o advogado Christiano Cassettari, estudioso do tema.
"Muitas pessoas podem querer ter mais um pai só para conseguir melhor condição financeira", afirma ele.
Fonte: Folha de S. Paulo