Decisões históricas: SUS deve custear cirurgia de mudança de sexo

Em comemoração aos seus 25 anos, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) prossegue com a série de matérias sobre decisões judiciais que fizeram história e tiveram grande repercussão na vida das pessoas.

 

O tema do ano de aniversário é “TRF4 25 anos: o tribunal da inovação”. A retrospectiva histórica das decisões mais marcantes do tribunal demonstra que a marca da inovação está presente também na jurisdição.

 

Uma das decisões que entraram para a história do TRF4 foi o julgamento, em 2007, da apelação que determinou ao Sistema Único de Saúde (SUS) incluir a cirurgia de transgenitalização ou de mudança de sexo na lista de procedimentos cirúrgicos, com abrangência nacional.

 

Cirurgia de mudança de sexo deve ser incluída em lista do SUS

 

No dia 14 de agosto de 2007, a 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), em decisão unânime, deu prazo de 30 dias para que o SUS incluísse na sua lista de procedimentos cirúrgicos a cirurgia de transgenitalização ou de mudança de sexo. A medida abrangia todo o território nacional.

 

A questão foi objeto de uma ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal (MPF) contra a União. Segundo o MPF, possibilitar a cirurgia para transexuais pelo SUS é um direito constitucional, que abrange os princípios do respeito à dignidade humana, à igualdade, à intimidade, à vida privada e à saúde.

 

A União posicionou-se contrária ao pedido, argumentando que a cirurgia tem caráter experimental e é realizada apenas em hospitais universitários ou públicos adequados à pesquisa. Alegou também que a questão é polêmica, pelo questionamento da legalidade de tal procedimento, e que não existe discriminação sexual, mas impossibilidade de recursos orçamentários a demandas individualizadas.

 

Em primeira instância, a ação foi extinta sem julgamento do mérito, sob argumento de impossibilidade jurídica do pedido. O MPF apelou então ao TRF4.

 

O relator do caso no tribunal, juiz federal Roger Raupp Rios, à época convocado para atuar na 3ª Turma, analisou a questão de forma detalhada. Segundo o magistrado, "a partir de uma perspectiva biomédica, a transexualidade pode ser descrita como um distúrbio de identidade sexual, no qual o indivíduo necessita alterar a designação sexual, sob pena de graves consequências para sua vida, dentre as quais se destacam o intenso sofrimento, a possibilidade de auto-mutilação e de suicídio".

 

"Sendo assim, cumpre concretizar o direito à inclusão dos procedimentos a partir de uma compreensão da Constituição e dos direitos fundamentais que tenha seu ponto de partida nos direitos de liberdade e de igualdade (na sua dimensão proibitiva de discriminação), cuja relação com o direito fundamental à saúde reforça e fortalece", salientou Rios em seu voto.

 

Para o magistrado, "a prestação de saúde requerida é de vital importância para a garantia da sobrevivência e de padrões mínimos de bem-estar dos indivíduos que dela necessitam e se relaciona diretamente ao respeito da dignidade humana".

 

Quanto à possibilidade de criminalização do médico – que poderia decorrer do efeito mutilador da cirurgia, conforme alegou a União -, Rios citou doutrina segundo a qual, em procedimentos cirúrgicos realizados com o consentimento expresso ou tácito do paciente, em caso de interesse médico, não há crime.

 

Em caso de descumprimento da decisão, o SUS deveria pagar multa diária de R$ 10 mil. A União inicialmente recorreu contra a medida, mas posteriormente, em 2009, desistiu dos recursos.

 

AC 2001.71.00.026279-9/TRF

 

Fonte: Tribunal Regional Federal da 4ª Região