Celebrado nesta segunda-feira, 28 de junho, o Dia do Orgulho LGBTI é uma oportunidade para apontar avanços, reconhecer desafios e estimular o fomento de novos marcos legais e judiciais para essa parcela da população. A data marca o episódio ocorrido em Nova Iorque, nos Estados Unidos, em 1969, quando frequentadores do bar Stonewall Inn se revoltaram contra uma série de batidas policiais que eram realizadas ali com frequência. No ano seguinte, foi realizada a Primeira Parada do Orgulho LGBTI, a fim de homenagear o movimento.
Para a vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, Maria Berenice Dias, o Dia do Orgulho LGBTI é importante para apontar avanços e identificar retrocessos ao longo dos anos. Um desses avanços é a criminalização da LGBTIFobia, há dois anos pelo Supremo Tribunal Federal – STF, em um julgamento histórico e que contou com a participação do IBDFAM como amicus curiae.
A decisão se tornou um marco na luta pela diversidade no Brasil ao permitir a aplicação da Lei do Racismo (7.716/1989) em casos de homotransfobia. Desde então, discriminações e ofensas às pessoas LGBTI podem ser enquadradas no artigo 20 da referida norma, com punição de um a três anos de prisão. O crime é inafiançável e imprescritível.
O advogado Paulo Iotti, membro do IBDFAM, moveu as ações que geraram o julgamento, em nome da ABGLT (MI 4733) e pelo PPS, atual Cidadania (ADO 26). O especialista ressalta que a decisão foi “transcendental”. “Era a principal demanda do Movimento LGBTI hegemônico e lavou nossas almas com fundamentação antidiscriminatória muito enfática”, diz. Ele lembra que havia três advogados gays, uma lésbica e uma trans no julgamento, para “mostrar ao Tribunal que integrantes de todos os segmentos da sigla estavam lá lutando pela nossa cidadania”.
“Toda minoria tem dificuldade de tirar uma lei antidiscriminatória do papel, o fato de no nosso caso ter decorrido de uma interpretação do STF sobre o significado dos crimes raciais não influencia nesse ponto. Sempre digo que, tendo a homotransfobia sido reconhecida como espécie de racismo, teremos a mesma dificuldade do Movimento Negro para tirar a Lei Antirracismo do papel”, pontua o especialista.
O advogado explica que os números efetivos de condenações só serão constatados em cinco ou dez anos, devido a demora do Judiciário para ter uma sentença de primeira instância, e para uma decisão de Tribunal de segunda instância.
Igualdade indispensável
Entre os avanços alcançados nesta seara desde junho do ano passado, Maria Berenice Dias cita a revogação da portaria do Ministério da Saúde e da Anvisa que restringia a doação de sangue por homens gays. O julgamento também teve o IBDFAM como amicus curiae. “Uma proibição absolutamente discriminatória com relação a esse segmento porque existem situações de risco e não pessoas de risco. A decisão do Supremo foi no sentido de implementar a igualdade, tão indispensável para a nossa sociedade”, frisa a advogada.
Ainda há muito o que se avançar: de acordo com o relatório da Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros e Intersexuais – ILGA, o Brasil ocupa o primeiro lugar nas Américas em quantidade de homicídios de pessoas LGBTs e é o líder em assassinato de pessoas trans no mundo. Dados do Relatório Anual de Mortes Violentas de LGBTI no Brasil, do Grupo Gay da Bahia – GGB, revelam que, em 2020, 237 pessoas tiveram morte violenta relacionada à sua orientação sexual ou identidade de gênero.
Conforme a pesquisa, foram 224 homicídios (94,5%) e 13 suicídios (5,5%) de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. Pela primeira vez, desde 1980, travestis ultrapassaram gays em número de mortes: 161 travestis e trans (70%), 51 gays (22%) 10 lésbicas (5%), 3 homens trans (1%) e 3 bissexuais (1%), além de 2 heterossexuais confundidos com gays (0,4%).
Em 2019, no ano da criminalização da homotransfobia, houve queda nos índices na comparação com os anos anteriores: o número total de mortes violentas foi de 329, apontando uma diminuição de 28% no ano passado. Segundo o GGB, não há previsão nem explicação sociológica indiscutível que justifique a redução dos números.
O declínio é notado desde o ano recorde, 2017, com 445 mortes, seguido em 2018, com 420. Confira a íntegra do Observatório de Mortes Violentas de LGBTI+ no Brasil: Relatório 2020, do Acontece LGBTI+ e Grupo Gay da Bahia.
Margem para insegurança
A vice-presidente do IBDFAM teme uma postura mais conservadora nas decisões do STF, reflexo de uma nova composição da Corte, o que poderia provocar mudança da jurisprudência. A especialista lembra que uma dessas mudanças já ocorreu, com o não reconhecimento das uniões homoafetivas simultâneas. “O tema já estava sumulado no Superior Tribunal de Justiça – STJ, e acabou-se desconstruindo tudo que vinha se avançando para responsabilizar quem tem mais de uma entidade familiar.”
A advogada destaca que a atuação do Poder Legislativo é fundamental. “Para não ficar exclusivamente nas mãos da Justiça, que fica sujeita a alterações da composição dos tribunais, como vem ocorrendo e vai acontecer nos próximos meses, o que é preciso é a aprovação de uma legislação que não deixe margem a alguma insegurança”, opina Maria Berenice.
Segundo ela, um grande passo seria a aprovação do Estatuto da Diversidade Sexual e de Gênero (PLS 134/2018), que foi elaborado com a participação significativa do IBDFAM e apresentado pelo Conselho Federal da Ordem, por iniciativa popular, com 100 mil assinaturas, que não tem jeito de avançar. “É preciso haver um movimento importante no sentido de conseguir chegar a uma legislação”, conclui a especialista.
Fonte: IBFAM