Em nome do filho

Os pais são os principais responsáveis pelo nome dos recém-nascidos, que mais tarde poderão ter orgulho ou vergonha da herança que receberam no cartório

Pesquisa da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, feita nos cartórios da zona sul paulistana, parceiros da Maternidade Interlagos, região onde nascem mais crianças na cidade, revela que, de 5,1 mil partos feitos no ano passado, o nome preferido para menino é Gabriel. Entre as meninas, Júlia. Recentemente, na sua coluna da revista Veja, Roberto Pompeu de Toledo escalou dois times com nomes verídicos de jogadores, um deles dos terminados em Son (Keirrison, Willerson, Naldson) e o outro em Ton (Wellington, Ewerton, Adeilton). Em contrapartida, constata que nas classes mais favorecidas, voltam à moda nomes comuns, como João, Antônio, Pedro, Maria, Carolina.

Salvato Claudino, autor do Dicionário de Nomes Próprios, conta que na época do Brasil Colonial havia cartórios somente nas cidades maiores. Nas demais localidades, cabia aos padres escolher e registrar os nomes, o que provocou uma explosão de nomes bíblicos. Previsível foi a influência lusitana com os usuais Manoel, Joaquim, José, Maria, Albino(a), entre outros. Posteriormente, a imigração de espanhóis, italianos, germânicos e japoneses ajudou a ampliar as possibilidades. A destacar a contribuição de José de Alencar, que colaborou na popularização de nomes de origem indígena.

Para Luiz Fernando Matheus, assessor da Associação dos Registradores de Pessoas Naturais de São Paulo (Arpen-SP), a escolha do nome deve ser feita com cuidado e pautada na simplicidade, exatamente para não causar transtornos futuros. “Muitas escolhas são esdrúxulas. Há pais que mesclam os seus nomes, outros optam por nomes de celebridades, por exemplo, jogadores de futebol ou artistas, e ainda há aqueles que dão um nome estrangeiro ao bebê. No entanto, ao aportuguesá-lo, às vezes, complicam a grafia, assim, Uelinton, Uilson, Kathllen, Jhenifer, entre outros”, explica.

Importância
A vantagem de ter um nome diferente é a de nunca ser confundido com outra pessoa. Quando ele é difícil de ler e escrever, no entanto, precisará ser soletrado infinitas vezes, e mesmo assim muitos o grafarão de forma incorreta. Ao dar um nome diferente ou estrangeiro ao filho, alguns pais acreditam que eles serão mais importantes. A equação “menos cultura, mais baixa instrução” resulta certamente em um nome complicado. “A maioria sequer sabe escrever. Sabe apenas pronunciá-lo”, constata Matheus.

Em busca do nome mais acertado, alguns casais chegam a fazer estudos numerológicos. Com isso, tiram letras e acentos. Segundo o oficial civil, o uso do numeral romano, muito comum no passado, é permitido. Como exemplo, diz que se um casal tem três filhas, elas podem chamar-se Mariana I, Mariana II e Mariana III.
Em compensação, na lista de nomes registrados em São Paulo, fornecida por Matheus, constam Yuuki, Kevillyn, Ghabriel, Kerolainy, Rosimarry, Dã, Ikaro, Nix, Ikram, Hênrik, Diovanna, Keizy, Titilayo Ajoke, este último de origem africana. Todos foram autorizados, mas se o nome escolhido expuser a criança ao ridículo, o registro não é feito. “Caso os pais não se conformem com a decisão, eles podem submeter o caso ao juiz corregedor”, cita.

A Lei no 6015, de 1973, que dispõe sobre registros públicos, dá aos oficiais de cartórios o poder de não registrar crianças com nomes que possam expô-las a tais situações vexatórias. A propósito, a argumentação jurídica traz uma lista de nomes que, na visão dos juristas, justificavam a restrição, alguns deles: Benvindo o Dia do Meu Nascimento Cardoso, Cafiaspirina Cruz, Céu Azul do Céu Poente, Dignatário da Ordem Imperial do Cruzeiro do Sul, Mistério das Fossas Marianas Gomes da Silva, Japodeis da Pátria Torres, Nascente Nascido Puro, Oceâno Atlântico Linhares, Restos Mortais de Catarina, Sandália de Oliveira e Silva, Tubérculo Tuberculose Aires de Souza, Vencerá Demandas na Vida Cardoso Alboim.

Está tudo registrado!

Com o objetivo de destacar a importância do Registro Civil de Nascimento, como primeiro e mais importante documento de cidadania e valorizar a atividade do registrador civil como guardião da memória da população brasileira, a Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado de São Paulo (Arpen-SP) inaugurou em novembro passado o Memorial do Registrador Civil. No local, é possível conferir certidões de nascimento, casamento e óbito de personalidades da história do País, entre eles, de Ayrton Senna da Silva, Monteiro Lobato, Edson Arantes do Nascimento (Pelé), e também as certidões de todos os governadores do Estado de São Paulo e dos artistas participantes da Semana de Arte Moderna de 1922. Entre as curiosidades está a certidão de nascimento de Mário de Andrade, que inicialmente chamava-se Raul de Morais Andrade. Onze anos depois, seu pai solicitou o acréscimo do prenome Mário a sua certidão. O espaço conta com um Cartório Mirim, onde as crianças podem brincar de fazer o seu próprio registro; um Cartório Antigo, e um espaço para exibições audiovisuais. Agendamento de visitas pelo telefone (11) 3105-6401.

Inominados
A mesma lei garante o direito à mudança do prenome após atingir a maioridade, se a pessoa se sentir ridicularizada. “O processo de retificação é gratuito e pode ser feito um ano após a maioridade”, afirma Matheus. É possível ainda, modificar o nome de quem faz parte dos programas de proteção a vítimas e de testemunhas ameaçadas; quando há homônimos e nos casos de mudança de sexo. A lei também permite que uma pessoa inclua ao nome apelidos públicos notórios, como o do atual presidente da República, Lula. Outro exemplo é o da Xuxa, que acrescentou o apelido ao Maria da Graça Meneghel.

Embora o registro de nascimento seja obrigatório e gratuito, o índice de brasileiros que não têm nome e não existem oficialmente é alto em alguns Estados do Brasil. No Estado de São Paulo, o sub-registro foi erradicado graças a campanhas promovidas pela Arpen-SP em muitos municípios, o que foi constatado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Há Estados em que o índice de sub-registro chega próximo dos 50%. Sem registro de nascimento, a pessoa não consegue fazer nada. Não pode participar de programas sociais, ser matriculada em uma escola ou tirar um documento, por exemplo, a carteira profissional.

De acordo com o oficial, há muitos fatores que impossibilitam um bebê de ser registrado; em alguns casos, falta de cultura e dificuldade de locomoção “Às vezes, a pessoa vive em uma pequena comunidade onde os demais também não têm registro. Ou ainda, em locais muito distantes onde o transporte é escasso. No Estado de São Paulo há cartórios em todas as regiões. Inclusive, os registros de nascimento são feitos em maternidades”, acrescenta.

 

Fonte: Revista Kalunga