Até que seja realizada audiência de conciliação, em janeiro de 2008, uma advogada que manteve durante sete anos união homoafetiva com uma dona de casa deverá pagar mensalmente o valor correspondente a dois salários mínimos à ex-companheira. A decisão, da juíza Olinda de Quadros Altomare Castrillon, titular da Segunda Vara Cível da Comarca de Tangará da Serra, foi proferida nesta quinta-feira (28 de novembro) e é passível de recurso.
Informações contidas nos autos revelam que as duas dividiram durante anos a mesma casa, localizada no município de Juína. Na inicial, a autora da ação contou que auxiliava nos trabalhos domésticos e que era mantida pela companheira até que, em maio deste ano, a advogada pôs fim ao relacionamento, pedindo que ela saísse de casa. Sem ter como se sustentar, ela impetrou ação judicial.
Para a magistrada, a relação homoafetiva, como qualquer outro relacionamento heterossexual, lastreia-se no afeto e na solidariedade e, portanto, não há motivo para deixar de reconhecer o direito a alimentos em favor daquele que necessita de proteção material. Ela explicou que embora não exista lei especial a tutelar os relacionamentos homoafetivos, a ausência de regramento específico não quer dizer ausência de direito, pois existem mecanismos para suprir as lacunas legais, “aplicando-se aos casos concretos a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito, em consonância com os preceitos constitucionais”.
“Embora a Carta Magna não tenha contemplado expressamente a união homoafetiva como relação familiar, conduz com tranqüilidade a esta conclusão, especialmente quando considerados os princípios basilares da dignidade humana, da igualdade substancial, da não discriminação (inclusive por opção sexual) e do pluralismo familiar, consagrando diferentes modelos de entidade familiar. Segundo porque a família moderna tem o seu ponto de referência no afeto, no amor, evidenciando como verdadeiro direito à liberdade de autodeterminação emocional, que se encontra garantida constitucionalmente. E, terceiro, porque a justificativa básica da obrigação alimentar é o princípio constitucional da solidariedade social (art. 3º), tornando evidente que a ratio essendi dos alimentos é à busca da afirmação, no plano concreto, da própria dignidade humana”, afirmou.
Na decisão, a juíza Olinda Castrillon salientou que o relacionamento homoafetivo é um fato social que se perpetuou através dos séculos, “não podendo o judiciário se olvidar de prestar a tutela jurisdicional a uniões que, enlaçadas pelo amor, assumem a feição de família. A união pelo amor é que caracteriza a entidade familiar e não a diversidade de gêneros”.
Conforme a magistrada, a Constituição Federal tem como intenção promover o bem dos cidadãos e rechaça qualquer forma de exclusão social ou tratamento desigual. “Portanto, a Constituição Federal, calcada no princípio da dignidade da pessoa humana e da igualdade, se encarrega de salvaguardar os interesses das uniões homoafetivas, e quanto à tutela específica dessas relações, aplica-se analogicamente a legislação infraconstitucional atinente às uniões estáveis”, informou.
De acordo com a juíza, a família não se define exclusivamente em razão do vínculo entre um homem e uma mulher ou da convivência dos ascendentes com seus descendentes. Para ela, também pessoas do mesmo sexo ou de sexos diferentes, ligadas por laços afetivos, sem conotação sexual, merecem ser reconhecidas como entidades familiares. “Assim, a prole ou a capacidade procriativa não são essenciais para que a convivência de duas pessoas mereça a proteção legal, descabendo deixar fora do conceito de família às relações homoafetivas. Estando presentes os requisitos de vida em comum, coabitação, mútua assistência, é de se concederem os mesmos direitos e se imporem iguais obrigações a todos os vínculos de afeto que tenham idênticas características”, observou.
A audiência de conciliação foi designada para o dia 16 de janeiro de 2008, às 13h30. Caso reste infrutífera uma solução amigável, a advogada terá prazo de 15 dias para contestação.
Fonte: TJ-MT
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