AÇÃO CIVIL PÚBLICA – PETIÇÃO INICIAL – INDEFERIMENTO – ILEGITIMIDADE ATIVA DA ANDECC – ASSOCIAÇÃO QUE NÃO TEM POR FINALIDADE ESSENCIAL A PROTEÇÃO DOS DIREITOS CONSTANTES DO ART. 5º, V, B, DA LEI DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA – RECURSO NÃO PROVIDO
– Para que uma associação tenha legitimidade para ajuizar ação civil pública, deve preencher os dois requisitos legais previstos nos incisos do art. 5º da Lei nº 7.347/1985, quais sejam a constituição há mais de um ano e a finalidade de proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico ou paisagístico, enumeração essa, registre-se, que é taxativa.
– Deve ser mantida a sentença que indeferiu a petição inicial, reconhecendo a ilegitimidade ativa da associação requerente, por não se aferir de seu estatuto a defesa dos direitos aludidos.
Apelação Cível nº 1.0694.14.003740-9/001 – Comarca de Três Pontas – Apelante: Associação Nacional de Defesa dos Concursos para Cartórios – Apelados: Estado de Minas Gerais, Sóter Eugênio Rabello – Relatora: Des.ª Teresa Cristina da Cunha Peixoto
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em negar provimento ao recurso.
Belo Horizonte, 22 de janeiro de 2015. – Teresa Cristina da Cunha Peixoto – Relatora.
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
DES.ª TERESA CRISTINA DA CUNHA PEIXOTO – Conheço do recurso, estando preenchidos os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de sua admissibilidade.
Trata-se de “Ação Civil Pública” proposta pela Associação Nacional de Defesa dos Concursos para Cartórios – Andecc em face do Estado de Minas Gerais e de Sóter Eugênio Rabelo, designado para responder pelo Registro Civil de Pessoas Naturais da Comarca de Três Pontas, afirmando resumidamente que o título de investidura do segundo requerido perdeu seu fundamento de validade, em decorrência do art. 4º da Emenda à Constituição Mineira nº 69/2004, padecendo o art. 66 do ADCT mineiro de manifesta inconstitucionalidade.
Requereu a procedência do pedido, com o objeto de declarar incidenter tantum a inconstitucionalidade do mencionado art. 66, condenando-se a parte ré a:
“suspender os efeitos do ato de outorga de delegação da serventia; declarar vaga a serventia; por consequência legal da declaração de vacância, ordenar o afastamento de seu titular e a nomeação de seu substituto legal para exercer interinamente a função (art. 39, § 2º, da Lei nº 8.935/1994); determinar ao primeiro réu que providencie a inclusão da serventia em concurso […]”. A MM. Juíza de primeiro grau, às f. 150/152, indeferiu a petição inicial, ao fundamento de que a associação requerente tem por finalidade a:
“defesa de interesses particulares de um determinado número de pessoas, quais sejam ‘candidatos em concurso público para Cartório’. Tanto é assim que a autora fundamenta sua legitimidade no art. 129, III, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o qual prevê as atribuições do Ministério Público, não servindo, portanto, para amparar pretendida legitimidade da Associação”.
Inconformada, apelou a requerente (f. 154/162), sustentando, em síntese, que “não há razões para indeferimento da inicial e extinção do processo, sendo absurda a alegação de que a autora não é legítima para propor a Ação Civil Pública, pois conforme já destacado na inicial, a Associação Nacional de Defesa dos Concursos para Cartórios – ANDECC, como destacado no Estatuto, foi constituída há mais de um ano e tem como objetivo, entre outros, a defesa da promoção dos concursos públicos para cartórios em todo o país e a garantia da assunção de candidatos aprovados nas serventias extrajudiciais, em atendimento ao art. 236, § 3º, da Constituição Federal. Inclui, portanto, entre suas finalidades institucionais, a proteção de bens tuteláveis via ação civil pública (art. 129, III, da CF), não podendo prosperar a presente decisão”, pugnando pelo provimento do recurso.
Sem contrarrazões (f. 163).
Manifestação da d. Procuradoria-Geral de Justiça, às f. 454/461, opinando pelo provimento do recurso (f. 169/170). Revelam os autos que a Associação Nacional de Defesa dos Concursos para Cartórios – Andecc ajuizou “Ação Civil Pública” em face do Estado de Minas Gerais e de Sóter Eugênio Rabelo, tendo a Magistrada primeva indeferido a exordial, reconhecendo a ilegitimidade ativa da postulante, o que motivou a presente irresignação.
A respeito da legitimidade para a causa, elucida Liebman que:
“Legitimação para agir (legitimatio ad causam) é a titularidade (ativa ou passiva) da ação. O problema da legitimação consiste em individualizar a pessoa a que pertence o interesse de agir (e, pois, a ação) e a pessoa com referência à qual ele existe; em outras palavras, é um problema que decorre da distinção entre a existência objetiva do interesse de agir e a sua pertinência subjetiva […] entre esses dois quesitos, ou seja, a existência do interesse de agir e sua pertinência subjetiva, o segundo é que deve ter precedência, porque só em presença dos dois interessados diretos é que o juiz pode examinar se o interesse exposto pelo autor efetivamente existe e se ele apresenta os requisitos necessários” (Manual de direito processual civil. Trad. de Cândido Dinamarco, p. 157).
Humberto Theodoro Júnior, igualmente, ensina que:
“legitimados ao processo são os sujeitos da lide, isto é, os titulares dos interesses em conflito. A legitimação ativa caberá ao titular do interesse afirmado na pretensão, e a passiva ao titular do interesse que se opõe ou resiste à pretensão […] Em síntese: como as demais condições da ação, o conceito da legitimatio ad causam só deve ser procurado com relação ao próprio direito de ação, de sorte que ‘a legitimidade não pode ser senão a titularidade da ação’” (Curso de direito processual civil, I/57-58). Advém dessas lições que a legitimidade ativa ad causam implica que o autor da ação seja, et jure, o titular do direito subjetivo de agir que decorre da violação de um direito seu por outrem e contra o qual será dirigida a demanda, sob pena de incidência da determinação contida no art. 267, VI, do Código de Processo Civil, acarretando a extinção do processo sem o enfrentamento do mérito.
Feitas essas considerações, tem-se que a legitimidade para a propositura de ação civil pública se encontra regulamentada no art. 5° da Lei nº 7.347/85, que “disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico”, in verbis:
“Art. 5º Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007).
I – o Ministério Público; (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007).
II – a Defensoria Pública; (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007).
III – a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007).
IV – a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista; (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007).
V – a associação que, concomitantemente: (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007).
a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil; (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007).
b) inclua, entre as suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico” (Redação dada pela Lei nº 12.966, de 2014).
Sobre o tema, prelecionam Hely Lopes Meirelles, Arnold Wald e Gilmar Mendes:
“A Lei nº 7.347/85 deu legitimidade ativa ao Ministério Público e às pessoas jurídicas estatais, autárquicas e paraestatais, assim como às associações destinadas à proteção do meio ambiente ou à defesa do consumidor, para proporem a ação civil pública nas condições que especifica (art. 5º)” (Mandado de segurança e ações constitucionais, 32. ed., p. 193/194). Portanto, para que uma associação tenha legitimidade para ajuizar ação civil pública, deve preencher os dois requisitos legais previstos nos incisos do dispositivo transcrito, quais sejam a constituição há mais de um ano e a finalidade de proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico ou paisagístico, enumeração essa, registre-se, que é taxativa. No caso em debate, compulsando-se o estatuto da associação autora (f. 35/45), que tem por objetivo a defesa dos “princípios e regras estabelecidos na Constituição da República, bem assim os preceitos fundamentais previstos neste Estatuto”, no que diz respeito aos direitos das pessoas que prestam concursos públicos de provas e títulos para outorga de delegações de notas e de registros promovidos por todos os Tribunais de Justiça, não se afere a defesa daquelas finalidades institucionais aludidas.
Nessa senda, o disposto no art. 129, inciso III, da Constituição da República, que trata da promoção do “inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”, de fato, não confere à requerente a titularidade pretendida, porquanto se relaciona às finalidades institucionais do Ministério Público, bem destacando a Julgadora:
“Com efeito, malgrado a autora esteja, em princípio, constituída há mais de 01 (um) ano, vejo de seu estatuto que não preenche os demais requisitos objetivos e obrigatórios, nos termos do previsto no art. 5º da Lei nº 7.347/1985, notadamente no que diz respeito à finalidade institucional. Da cuidadosa análise dos documentos que instruíram a inicial, notadamente às f. 35/46, não se observa que esteja dentre as finalidades da autora a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, requisito objetivo disposto no art. 5º, inciso V, letra b, da Lei nº 7.347/1985. […] Do exame do estatuto social, afere-se que a finalidade precípua da associação/autora é a ‘defesa da promoção dos concursos públicos para cartório em todo o país e garantia da assunção de candidatos aprovados nas serventias extrajudiciais’, não havendo qualquer menção ao meio ambiente, consumidor, ordem econômica, livre concorrência ou patrimônio público. Trata-se, pois, de associação para defesa de interesses particulares de um determinado número de pessoas, quais sejam ‘candidatos em concurso público para Cartório’. Tanto é assim que a autora fundamenta sua legitimidade no art. 129, III, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o qual prevê as atribuições do Ministério Público, não servindo, portanto, para amparar pretendida legitimidade da associação” (f. 150/152).
No mesmo sentido, decidiu esta Corte de Justiça:
“Ação civil pública. Associação nacional de defesa dos concursos para cartórios. Legitimidade ad causam. Ausência de demonstração dos requisitos legais. Carência de ação. – Não tendo demonstrado que a parte autora detém legitimidade ativa por não preencher os requisitos objetivos obrigatórios do art. 5° da Lei 7.347/85, notadamente a finalidade institucional, o feito deve ser extinto, por ausência de demonstração de legitimidade extraordinária, nos termos dos art. 267, I e VI, do CPC” (TJMG – Apelação Cível 1.0016.13.009110-7/001, Relator: Des. Jair Varão, 3ª Câmara Cível, j. em 15.05.2014, p. em 30.05.2014).
Não se constata, data venia, “situação contra o consumidor, contra a ordem econômica, bem como contrária à livre concorrência” (f. 159), não se prestando a ação para a defesa de direitos individuais homogêneos.
Nesse sentido:
“Processual civil e administrativo. Ação civil pública. Emissão de multas de trânsito por agentes empregados de empresa pública municipal. Ilegitimidade ativa ad causam da associação de consumidores. Defesa de interesses individuais homogêneos, identificáveis e divisíveis. Impropriedade da via eleita. Deficiência de fundamentação. Súmula nº 284/STF. Reexame de provas. Súmula nº 07/STJ. Nulidade do acórdão afastada. I – Com relação à redução dos honorários advocatícios, bem como quanto ao afastamento ou redução da multa diária, aplicável a Súmula nº 284/STF, ante a deficiência de fundamentação do apelo nobre, eis que os recorrentes não apontaram como ofendido nenhum dispositivo legal. II – Quanto aos arts. 125 do CPC e 5º, 7º, inciso III, e 8º do CTB, os recorrentes não lograram demonstrar em que sentido tais dispositivos estariam violados pelo julgado vergastado, razão pela qual também incidente a Súmula nº 284/STF, por deficiência de fundamentação. III – No que tange aos arts. 13, inciso I, 131, 248 e 284 do CPC, para se averiguar ofensa a tais dispositivos necessário o reexame do substrato fáticoprobatório contido nos autos, sendo incabível de ser feito nesta instância, a teor da Súmula nº 07/STJ. IV – O Tribunal a quo julgou satisfatoriamente a lide, pronunciando-se sobre o tema proposto, tecendo considerações acerca da demanda, tendo claramente se manifestado sobre todas as preliminares suscitadas pelos recorrentes, não havendo que se falar em omissão, contradição ou falta de fundamentação. V – A hipótese em tela diz respeito a ação civil pública proposta pela Ordem Nacional das Relações de Consumo – Ornare, contra o Município de Niterói e a Empresa Municipal de Urbanismo, Saneamento e Moradia de Niterói – Emusa, a fim de reconhecer a ilegalidade das multas de trânsito emitidas por agentes de trânsito irregularmente investidos para tal fim, bem como a abstenção da promoção de novas autuações por esses agentes. VI – A recorrida não tem legitimidade para promover ação civil pública visando obstar a cobrança de multas de trânsito, por se tratar de direitos individuais homogêneos, identificáveis e divisíveis, pretendendo a defesa do direito dos condutores de veículos do Município de Niterói. VII – Os sujeitos protegidos pela actio em comento não se enquadram como consumidores, o que não se coaduna com a previsão do art. 21 da Lei nº 7.347/85. VIII – Recurso especial parcialmente conhecido e, nesse ponto, provido em parte” (REsp 727.092/RJ, Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, j. em 13.02.2007, DJ de 14.06.2007, p. 256).
Anota-se somente, por fim, a inviabilidade de se adotar a redação da alínea b do inciso V do art. 5º da Lei da Ação Civil Pública, dada pela Lei nº 13.004, de 24 de junho de 2014, que incluiu entre as finalidades institucionais da associação a proteção ao patrimônio público e social, uma vez que essa legislação entrou em vigor após sessenta dias da publicação oficial, ou seja, após o ajuizamento da ação, que se deu em 04.08.2014 (f. 02-verso).
Com essas considerações, nego provimento ao recurso.
Sem custas.
Votaram de acordo com a Relatora os Desembargadores Alyrio Ramos e Rogério Coutinho.
Súmula – NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.
Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico – MG