Jurisprudência mineira – Agravo de instrumento – Ação declaratória – Menor sob a guarda dos avós – Pensão por morte

AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DECLARATÓRIA – MENOR SOB A GUARDA DOS AVÓS – PENSÃO POR MORTE – DEFERIMENTO LIMINAR – INTELIGÊNCIA DO ART. 227 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL C/C ART. 33, § 3º, DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – RECURSO NÃO PROVIDO


– Ainda que a guarda não seja medida tão drástica quanto a tutela judicial, por não pressupor a prévia decretação da perda ou suspensão do poder familiar, não se pode desconsiderar que também corresponde a uma medida protetiva geralmente direcionada a regularizar a posse de fato do infante por terceiro. Assim, falecido o guardião, não pode o Poder Público se negar a pensionar o dependente, sob pena de retorno à anterior situação de desamparo, com prejuízo à concretização dos demais direitos encartados na CR/88, tais como a vida, saúde, alimentação, educação, lazer.


– Negar provimento ao recurso.


Agravo de Instrumento Cível nº 1.0024.13.392037-1/001 – Comarca de Belo Horizonte – Agravante: Ipsemg – Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais – Agravado: C.N.T. representado pela curadora especial Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais – Interessada: H.G.F.T. – Relatora: Des.ª Teresa Cristina da Cunha Peixoto 


ACÓRDÃO


Vistos etc., acorda, em Turma, a 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em negar provimento ao recurso.


Belo Horizonte, 18 de setembro de 2014. – Teresa Cristina da Cunha Peixoto – Relatora.


NOTAS TAQUIGRÁFICAS


DES.ª TERESA CRISTINA DA CUNHA PEIXOTO – Conheço de recurso, presentes os pressupostos e requisitos de admissibilidade.


Cuidam os autos de ‘’Agravo de Instrumento com pedido de efeito suspensivo’’ interposto pelo Ipsemg em face da r. decisão de f. 56/57-TJ, que, nos autos da ‘’Ação Declaratória c/c Pedido de Liminar’’ ajuizada por C.N.T. contra o ora agravante, deferiu o pedido liminar ‘’para determinar ao réu que pague ao autor a cota-parte da pensão por morte de seu avô E.F.T.’’ Sustentou o agravante, em síntese, que “[…] não há prova nos autos de que a parte autora tenha a necessidade de, neste momento, ter o recebimento de pensão, pois, conforme narrado na inicial, ele vive sob a guarda de sua avó, que recebe proventos de aposentadoria no valor aproximado de R$3.600,00 […], conforme declarado no Processo Administrativo do Ipsemg, e que ainda recebe pensão por morte do exsegurado na totalidade de R$5.197,14 […], perfazendo um total mensal de remuneração da guardiã de R$8.797,14. Ademais, pelos documentos nos autos, o autor provavelmente tem pai e mãe vivos!!!’’.


Alegou que “o pedido da autora viola frontalmente o disposto no art. 16, § 2º da Lei nº 8.213/91, alterada pela Lei nº 9.528/97, que veio a revogar o art. 33, § 3º, do ECA.” Requereu a concessão de efeito suspensivo, pugnando, ao final, pelo provimento do recurso.


Liminar recursal indeferida às f. 67/72-TJ.


Informações à f. 79-TJ.


Contraminuta às f. 83/94-TJ.


Revelam os autos que C.N.T. ajuizou Ação Declaratória em face do Ipsemg, pretendendo, liminarmente, perceber pensão por morte decorrente do falecimento de seu avô E.F.T., o que foi deferido pela MM. Juíza de primeira instância às f. 56/57-TJ, gerando a presente irresignação.


Feito o necessário resumo do caso, verifica-se que o menor C.N.T., atualmente com 17 anos (certidão de f. 42-TJ), é portador de autismo de autofuncionamento (relatório de f. 34/35-TJ), encontrando-se sob a guarda de seus avós paternos desde 2002 (certidão de f. 51).


Ocorre que, em 13.07.2013, seu avô paterno veio a falecer (certidão de óbito de f. 23), tendo o ora agravante negado a concessão do benefício previdenciário de pensão por morte, sob o principal fundamento de que a Lei nº 9.528/97 teria revogado o art. 33, § 3º, do ECA, “retirando o menor sob guarda da inclusão nos benefícios previdenciários’.’


Embora reconheça a divergência jurisprudencial sobre o tema, o entendimento majoritário, posicionamento que albergo, é no sentido de que a Carta Constitucional (art. 227) buscou dar especial proteção às crianças e aos adolescentes, inclusive no aspecto previdenciário, o qual, por força do princípio da isonomia, não se destina somente àqueles que estejam sob a guarda dos pais/avós, mas também àqueles que, por se encontrarem em uma situação irregular e incerta, foram colocados em famílias substitutas mediante guarda, tutela e adoção, não havendo que se falar em revogação do art. 33, § 3º, do ECA pela Lei nº 9.528/97.


Sobre o tema, já se manifestou c. STJ:


“Informativo nº 0219.


Cuida-se de recurso interposto pela União, contra sentença que concedeu pensão temporária a menor dependente e sob a guarda e responsabilidade do avô, servidor público falecido. A sentença foi mantida pelo Tribunal a quo ao fundamento de que, na época do falecimento do avô, vigia o Código de Menores – Lei nº 6.697/1979 -, que, em seu art. 24, § 2º, conferia aos menores sob os institutos da guarda, a condição de dependentes para fins previdenciários. Essa lei foi revogada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que manteve o benefício (art. 33, § 3º). Não se pode excluir as pessoas que, conforme a necessidade e a situação fática, estão amparadas pelo benefício da pensão por morte, aqueles que preenchem o requisito eleito pela norma, a ‘dependência econômica’. O Código de Menores e o ECA consignam que ‘a guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciário’. A Turma conheceu do 
recurso, mas lhe negou provimento. REsp 322.715-RS, Rel. Min. Jorge Scartezzini, j. em 25.08.2004.”


Afinal, ainda que a guarda não seja medida tão drástica quanto a tutela judicial, por não pressupor a prévia decretação da perda ou suspensão do poder familiar, não se pode deixar de considerar que também corresponde a uma medida protetiva geralmente direcionada a regularizar a posse de fato do infante por terceiro. De modo que, falecido o guardião, não pode o Poder Público se negar a pensionar o dependente, sob pena de retorno à anterior situação de desamparo, com prejuízo à concretização dos demais direitos encartados na CR/88, tais como a vida, saúde, alimentação, educação, lazer etc. Igual posicionamento já foi adotado, por reiteradas vezes, por este Tribunal de Justiça:


“Reexame necessário. Ação ordinária. Direito previdenciário. Pensão por morte. Guarda de menor – […] – Se o avô materno, exservidor público e aposentado pelo Ipsemg, detinha a guarda da neta, com o seu falecimento, esta faz jus ao recebimento da pensão deixada pelo segurado, segundo normatiza o art. 227 da CR/1988 e art. 33, § 3º, da Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA). […]” (TJMG, RN 1.0153.10.011201-7/002, Rel. Des. Belizário de Lacerda, j. em 26.02.2013).


“Apelação cível. Reexame necessário de ofício. Mandado de segurança. Neta sob a guarda da avó. Inclusão da menor como dependente da segurada do Ipsemg. Cabimento. Concessão da ordem. Sentença mantida. I […] II – O art. 16, § 2º, da Lei nº 8.213/91 (redação dada pela Lei nº 9.528/97) e o art. 4º, II, da LCE nº 64/02 não impedem a aplicação da medida protetiva prevista no art. 33, § 3º, do ECA, a qual, ademais, conta com o amparo dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da proteção integral do melhor interesse da criança e do adolescente” (TJMG, AC 1.0394.11.008080-8/001, Rel. Des. Peixoto Henriques, j. em 19.02.2013).


“Apelação cível. Plano de previdência privada. Inclusão de menor sob guarda como dependente e beneficiário. – A Lei nº 8.069/90 prevê expressamente que a guarda confere ao menor a condição de dependente, para fins previdenciários. – A existência de limitações à inclusão do menor sob guarda aos planos de previdência privada fere o próprio fim do instituto da guarda, que é o de propiciar ao menor a proteção total pelo seu guardião, razão pela qual se constitui como abusiva a cláusula que prevê esta restrição” (TJMG, AC 1.0702.06.322905-9/001, Rel. Des. Wagner Wilson, j. em 06.02.2013). 

 

“Apelação cível. Ordinária. Constitucional, administrativo e previdenciário. Ipsemg. Menor sob guarda. Pensão por morte. Art. 227 da Constituição Federal c/c art. 33, § 3º, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Legislação vigente à época do óbito. 


Afastamento ante o caso concreto. – O fato gerador da concessão da pensão por morte é o óbito do segurado, devendo ser aplicada a lei vigente à época da sua ocorrência. – Em se tratando de pensão por morte, de que é beneficiário menor sob guarda, prevalecem as disposições do art. 33, § 3º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, em face da prioridade absoluta conferida à tutela da infância e da juventude pelo art. 227 da Constituição Federal, em detrimento das disposições estritas da legislação previdenciária, que com aquelas disposições especiais conflitarem, principalmente quanto houver decisão judicial concedendo a guarda ao avô materno” (TJMG, AC 1.0699.10.009780-6/002, Rel. Des. Antônio Sérvulo, j. em 22.01.2013).


“Administrativo e previdenciário. Ação ordinária. Pensão por morte. Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais. Menor sob guarda. Inteligência do art. 227 da Constituição Federal c/c art. 33, §3º, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Honorários advocatícios. Critérios de fixação. – Em se tratando de pensão por morte, de que é beneficiário menor sob guarda, prevalecem as disposições do art. 33, § 3º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, em face da prioridade absoluta conferida à tutela da infância e da juventude pelo art. 227 da Constituição Federal, em detrimento das disposições estritas da legislação previdenciária, que com aquelas disposições especiais conflitarem. […]” (TJMG, RN 1.0024.11.193709-0/001, Rel. Des. Raimundo Messias Júnior, j. em 15.01.2013).


Vale asseverar que a dependência econômica do menor é presumida pelo fato de possuir autismo de autofuncionamento, doença incurável e que o impossibilita de exercer atividade laborativa remunerada, necessitando de cuidados permanentes. 


Pelo exposto, nego provimento ao recurso.


Custas, ex lege.


Votaram de acordo com a Relatora os Desembargadores Alyrio Ramos e Rogério Coutinho.
Súmula – NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.

 

Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico – MG