Jurisprudência mineira – Agravo de instrumento – Partilha – Herdeiros maiores, capazes e assistidos por advogado – Exigência de apresentação de “escritura de doação”

AGRAVO DE INSTRUMENTO – PARTILHA – HERDEIROS MAIORES, CAPAZES E ASSISTIDOS POR ADVOGADO – ACORDO SUBMETIDO À HOMOLOGAÇÃO DO JUÍZO – EXIGÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DE "ESCRITURA DE DOAÇÃO" – DESNECESSIDADE – DOCUMENTO SUPRIDO PELO FORMAL DE PARTILHA – INSTITUIÇÃO DE USUFRUTO NOS AUTOS DO INVENTÁRIO – POSSIBILIDADE – RECURSO PROVIDO
 
– A fim de formalizar a transmissão da propriedade advinda da sucessão causa mortis, o sistema jurídico prevê o registro do formal de partilha no cartório competente (art. 221, IV, da Lei de Registros Públicos), o qual suprirá a necessidade da escritura pública prevista no art. 108 do CC/02.
 
– É possível a instituição de usufruto nos próprios autos de inventário.
 
– Estando as partes – maiores, capazes e devidamente assistidas – de acordo quanto à divisão dos bens, não se deve obstar a homologação da partilha pela não apresentação de "escritura de doação".
 
Recurso provido.
 
Agravo de Instrumento Cível nº 1.0342.07.086239-2/001 – Comarca de Ituiutaba – Agravante: Pedro Garcia da Costa, Marta Garcia da Costa, Francisca Garcia da Costa e outros, Luiz Sebastião da Costa, Maria Aparecida Machado, Paula Rodrigues Garcia, Manoel Garcia da Costa, Maria de Fátima Rodrigues Garcia, Leonardo Rodrigues Garcia, Luciana Rodrigues Garcia – Interessado: Espólio de Waldemar Parreira da Costa – Relatora: Des.ª Áurea Brasil
 
ACÓRDÃO
 
Vistos etc., acorda, em Turma, a 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em dar provimento ao recurso.
 
Belo Horizonte, 31 de outubro de 2013. – Áurea Brasil – Relatora.
 
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
 
DES.ª ÁUREA BRASIL – Trata-se de agravo de instrumento interposto por Francisca Garcia da Costa e outros contra decisão proferida nos autos da ação de inventário dos bens de Waldemar Parreira da Costa, a qual determinou à inventariante a apresentação de cópia da escritura pública da doação do imóvel a ser partilhado para satisfazer a exigência do art. 108 do CC/2002 (f. 115-v.-TJ).
 
Aduzem os recorrentes, em síntese, que: a) insurgem-se contra o despacho que determinou o cumprimento de certidão anterior, que, por sua vez, havia imposto a apresentação da escritura de doação do imóvel objeto da partilha; b) meras certidões expedidas pelos serventuários da justiça não têm força jurídica de decisão judicial; c) indiretamente, o Juízo a quo negou-se a homologar a partilha; d) o art. 108 do CC/2002 é inaplicável na espécie, uma vez que os interessados não realizaram qualquer negócio jurídico; e) a Magistrada de primeiro grau entende que, tratando-se de partilha na qual se atribui o usufruto vitalício do imóvel para a viúva meeira e a nua propriedade para os demais herdeiros, necessária seria a realização de doação por meio de escritura pública; f) no entanto, impossível fazê-lo, pois ainda não existe coisa determinada; g) os recorrentes pretendem apenas a imediata homologação da partilha, já que cumpridos todos os requisitos para tanto, e a negativa da d. Juíza em procedê-la vem causando prejuízos aos agravantes.
 
Pugnam pelo provimento do recurso a fim de que seja reconhecida a desnecessidade de escritura pública de doação para que a partilha seja homologada.
 
Indeferi o efeito suspensivo às f. 53/56 por não vislumbrar urgência para a adoção de qualquer medida imediata.
 
Às f. 61/62, foi apresentada petição pelos agravantes representados pelo Dr. Antônio João Bernardes Fleury, ratificando as razões recursais.
 
Informações da MM. Juíza de Direito às f. 71/72, na qual noticia a manutenção da decisão agravada.
 
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
 
A decisão vergastada ordenou o cumprimento da anterior determinação da escrivã, que intimou a inventariante para que juntasse aos autos a escritura da doação (art. 108, CC) do imóvel a ser partilhado entre os herdeiros, com o que não concordam os ora agravantes.

Colhe-se dos autos que os sucessores de Luiz Sebastião da Costa – todos maiores, capazes e representados por advogado devidamente constituído – estão de acordo com a partilha proposta em juízo, nos termos expostos às f. 30/31-TJ.
 
A avença tem o seguinte teor: i) o caminhão do autor da herança caberia ao herdeiro Luiz Sebastião da Costa e à meeira Francisca Garcia da Costa, na proporção de 50% para cada um; ii) a casa passará a pertencer aos herdeiros Marta Garcia da Costa, Maria Aparecida Machado, Paulo Gracia da Costa, Pedro Garcia da Costa e Manoel Garcia da Costa, que terão a nua propriedade do bem, ficando reservado à meeira o usufruto vitalício.
 
Determinou-se, ainda, que Luiz Sebastião da Costa pagaria R$5.000,00 (cinco mil reais) relativos à diferença da parte que lhe coube na herança em relação aos demais herdeiros.
 
O douto Juízo a quo ordenou a juntada de "escritura de doação", sem, contudo, nada esclarecer quanto à exigência, o que tampouco foi elucidado nas informações de f. 71/72.
 
Nos termos indicados à f. 15-v., a determinação judicial teria como fundamento o art. 108 do CC/02, in verbis:
 
“Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País”.
 
Cabe registrar, porém, que a propriedade em questão se transferiu automaticamente aos herdeiros do de cujus com o falecimento deste, porquanto vigente em nosso sistema o droit de saisine (CC/02, art. 1.784).
 
A partilha, a seu turno, visa a especificar o quinhão que caberá a cada um dos sucessores, visto que a transmissão ope legis, decorrente da morte, se dá em relação a todo o patrimônio de forma indivisível, aí englobados todos os bens, direitos e dívidas deixados pelo autor da herança.
 
Justamente para formalizar a transmissão da propriedade advinda da sucessão causa mortis, o sistema jurídico prevê o registro do formal de partilha no cartório competente, nos termos do art. 221, IV, da Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73), o qual suprirá a necessidade da escritura pública, prevista no art. 108 do CC/02, para fins de "constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País".
 
A respeito do tema, doutrinam Sebastião de Amorim e Euclides de Oliveira:
 
“A formalização por termo nos autos é, assim, perfeitamente possível, como sucedâneo da escritura, valendo lembrar que ubi lex distinguit nec non distinguere debemus. Justifica-o Rodrigues de Alckimin, em lição reproduzida por Galvão Coelho, ao relatar acórdão publicado na RTJSP 81/283: ‘Ora, a mesma fé pública de que se revestem as declarações de ofício ao tabelião de notas têm-na igualmente as declarações dos escrivães e, anteriormente, dos denominados tabeliães do judicial. Uns e outros lavram ‘escrituras públicas’. Diferentes eram os atos que se compreendiam na competência de cada serventuário. Igual, porém, a fé pública que lhes dava autenticidade. Compreende-se, pois, a afirmação corrente, relativa a valer como escritura pública um termo judicial’". (Inventários e partilhas. 9. ed. Leud, n. 15, p. 211).
 
Portanto, afigura-se desnecessária a apresentação da "escritura de doação" para fins de homologação da partilha, uma vez que a expedição do próprio formal cumprirá a função do documento exigido.
 
Além disso, é perfeitamente possível a instituição de usufruto nos próprios autos de inventário, como já decidido por esteTribunal:
 
“Inventário – Instituição usufruto vitalício – Termo judicial – Possibilidade. – É válida a partilha em que se institui o usufruto por termo nos autos do procedimento de inventário, in casu em favor da viúva meeira, ficando os filhos com a nua propriedade. Agravo provido” (Agravo de Instrumento 1.0386.03.900012-3/001, Rel. Des. Lamberto Sant’Anna, 3ª Câmara Cível, j. em 28.06.2004, publicação da súmula em 06.08.2004).
 
E, ainda, pelo STJ:
 
“Direitos civil e processual civil. Arrolamento. Composição da viúva meeira e dos herdeiros. Renúncia ‘translativa’. Instituição de usufruto. Possibilidade. Termo nos autos. CC, art. 1.581. Partilha homologada. Precedentes. Doutrina. Recurso provido. – Não há vedação jurídica em se efetivar renúncia in favorem e em se instituir usufruto nos autos de arrolamento, o que se justifica até mesmo para evitar as quase infindáveis discussões que surgem na partilha de bens” (REsp 88.681/SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, j. em 30.04.1998, DJ de 22.06.1998, p. 81).
 
As partes – maiores, capazes e devidamente assistidas – firmaram acordo quanto à divisão dos bens do espólio, o que diz respeito a direito patrimonial disponível, não sendo possível, data venia, obstar a homologação da partilha pela não apresentação da "escritura de doação" mencionada à f. 15-v.
 
Com tais considerações, dou provimento ao recurso para revogar a ordem de apresentação da escritura e determinar o regular processamento do feito.
 
Custas, na forma da lei.

Votaram de acordo com a Relatora os Desembargadores Luís Carlos Gambogi e Barros Levenhagen.
 
Súmula – DERAM PROVIMENTO AO RECURSO.


Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico – MG