APELAÇÃO – AÇÃO ANULATÓRIA DE PARTILHA – HERDEIRO EXCLUÍDO – POSSIBILIDADE – BENS DOADOS ANTES DA ABERTURA DA SUCESSÃO – ADIANTAMENTO DE LEGÍTIMA – CONFIGURAÇÃO – COLAÇÃO – IMPOSIÇÃO LEGAL – SENTENÇA MANTIDA
– Mantém-se a sentença que julga procedente o pedido inicial contido em ação anulatória de partilha, uma vez configurado adiantamento de legítima, por meio de doação, o que implica a realização de nova partilha, observada a necessária colação.
Recurso não provido.
Apelação Cível n° 1.0382.06.067587-5/004 – Comarca de Lavras – 1os apelantes: Maria das Graças Ferreira Thomaz e outros – 2os apelantes: Ana Lúcia Thomaz Vollrath e seu marido Ernesto Vollrath Filho – Apelada: Alcinéia Tomaz dos Santos – Relator: Des. Kildare Carvalho
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador Kildare Carvalho, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em negar provimento.
Belo Horizonte, 17 de março de 2011. – Kildare Carvalho – Relator.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
DES. KILDARE CARVALHO – Trata-se de recursos de apelação interpostos contra a r. sentença de f. 454/458, prolatada nos autos da ação anulatória de partilha c/c pedido de herança movida por Alcinéia Tomaz dos Santos contra Maria das Graças Ferreira Thomaz e outros, herdeiros de Alcides Thomaz da Silva, nos seguintes termos:
“Ante o exposto e por tudo mais que dos autos consta, nos termos do art. 269, inciso I, do CPC, julgo procedente o pedido inicial para o fim de reconhecer a nulidade da sentença de partilha de bens prolatada nos Autos de Inventário nº 15.153/95, que tramitou nesta 2ª Vara Cível, devendo outra partilha ser lançada onde contemple a autora como herdeira e observe a colação das doações feitas pelo de cujus aos herdeiros, conforme a fundamentação supra. Condeno os requeridos nas custas e honorários advocatícios que arbitro, nos termos do art. 20, § 4º, do CPC, em R$ 3.000,00 (três mil reais)”.
Inconformada, Maria das Graças Ferreira Thomaz pugna pela reforma da sentença para que sejam julgados improcedentes os pedidos vestibulares. Para tanto, aduz que a presente ação não poderia ter sido julgada sem que fosse prolatada sentença na ação cautelar anteriormente ajuizada; a perícia realizada comprova que, na data da partilha dos bens deixados pelo de cujus, não existiam bens omitidos no arrolamento; a legalidade da doação efetivada em 02.01.1991, relativa às cotas da Empresa Metrópole, as quais integravam parte disponível do patrimônio do falecido; a necessidade de estabelecer quais os bens devem ser colacionados, como determinado pelo Julgador singular.
Também inconformados, os réus Ana Lúcia Thomaz Vollrath e seu marido requerem a reforma da sentença para que sejam os pedidos exordiais julgados improcedentes. Para tanto, aduzem, em apertada síntese, que o feito não poderia ter sido sentenciado antes da ação cautelar e que a perícia realizada comprovou não ter havido omissão de bens no inventário de seu pai, além do que este doou em vida parte disponível de seu patrimônio.
Conheço dos recursos, presentes os pressupostos de admissão.
Versam os autos sobre ação anulatória de partilha movida por Alcinéia Tomaz dos Santos em face Ana Lúcia Thomaz Vollrath e outros, por meio da qual pretende ver declarada a nulidade da partilha dos bens deixados em razão de morte de Alcides Thomaz da Silva, homologada por sentença nos Autos do Inventário nº 15.165/95 (atual 0382.03.026178-0).
Para sustentar seu pedido, narrou a autora, em suma, fazer jus à participação na partilha de bens do de cujus, uma vez reconhecida sua condição de filha em sede de competente ação investigatória. Alegou, ainda, que, na ação de inventário, foram omitidos bens de propriedade do falecido, os quais devem integrar o monte partilhável.
Ao fundamento de que, não tendo a autora participado da partilha dos bens deixados com a morte de seu genitor, impõe-se a decretação de nulidade do ato e que os bens doados pelo de cujus aos seus herdeiros deverão ser colacionados para o fim de igualar as legítimas, o pedido inicial foi julgado improcedente, dando, assim, ensejo à interposição dos apelos.
Pois bem, a uma análise detida da questão, tenho que a r. sentença abre mão de reparos, pelo que não prospera a irresignação dos apelantes.
De início, ressalto não prosperar o argumento dos apelantes no sentido de que o feito não poderia ter sido sentenciado sem que antes fosse julgada a medida cautelar ajuizada pela autora, processada sob o nº 0382.06.068855-5.
Isso porque, uma vez julgada procedente a ação principal, o direito material buscado pela autora (apelada), consubstanciado na anulação de partilha de bens, restou-lhe assegurado, tornando, por isso, inócuo o objeto da ação cautelar incidental que, como se sabe, tem por finalidade precípua impedir a violação do direito material.
Nesse sentido, aliás, a lição de Sérgio Cruz Arenhart:
“A ação cautelar inominada foi utilizada como meio para a obtenção da tutela satisfativa e, além disto, para impedir a violação do direito material e para remover os efeitos concretos do ilícito” (Curso de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, v. 4 – Processo Cautelar, p. 99).
Dessa forma, repita-se, assegurado à autora o direito material buscado, não se verifica qualquer óbice à prolação de sentença no feito principal antes de decidida a ação cautelar inominada processada incidentalmente.
Volvendo ao mérito propriamente dito, tenho por irreparável o comando judicial.
É que a hipótese versada nos autos se subsume, com exatidão, ao comando do art. 1.031, III, do Código Civil, segundo o qual é rescindível a partilha julgada por sentença quando preterido algum herdeiro.
Ora, uma vez reconhecida a condição de herdeira da autora (apelada), resta indiscutível seu direito à participação na sucessão de seu falecido genitor, pelo que a decretação da nulidade da partilha da qual não participou é consectário lógico.
No que se refere à determinação judicial para que a nova partilha a ser feita observe a colação dos bens doados pelo falecido aos herdeiros, tenho-a por correta.
É que, tal como bem fundamentado pelo douto Magistrado singular, segundo expressa disposição do art. 2002 do Código Civil, os descendentes que concorrerem à sucessão do ascendente comum são obrigados, para igualar as legítimas, a conferir o valor das doações que dele em vida receberam, sob pena de sonegação.
E, compulsando os autos, verifica-se que a partilha então homologada não contemplou a situação referente às cotas da sociedade em que o falecido figurava como sócio, tendo a perícia realizada no feito apurado a venda e doação de bens pelo autor da herança ainda em vida.
Logo, ainda que sustentem os apelantes a legalidade da doação feita em vida pelo autor da herança aos seus herdeiros, não se verifica qualquer óbice ou mesmo irregularidade no comando judicial impugnado.
É que, conforme disposição contida no art. 1.171 do Código Civil/1916, vigente à época dos fatos, a doação dos pais aos filhos importa adiantamento da legítima.
Com efeito, detectada a ocorrência de tal instituto, não se pode refugir ao comando do art. 1.785 do Código Civil/1916, segundo o qual “a colação tem por fim igualar as legítimas dos herdeiros. Os bens conferidos não aumentam a metade disponível”.
Assim, é de se concluir que o comando judicial impugnado não representa qualquer prejuízo aos apelantes, na medida em que, em atenção às normas que disciplinam a matéria, acima mencionadas, deverão eles (apelantes) apenas colacionar ao novo inventário os bens recebidos a título de doação para que, uma vez apurados, sejam descontados de seus respectivos quinhões hereditários.
A propósito, tenho por oportuno o conceito de Eduardo de Oliveira Leite, citado por Sílvio Salvo Venosa. Confira-se:
“Colação é o ato de reunir ao monte partível quaisquer liberalidades recebidas do de cujus, pelo herdeiro descendente, antes da abertura da sucessão” (Direito civil – Direito das sucessões. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 382).
E prossegue o renomado civilista:
“A colação não toca na doação, salvo se inoficiosa, nem aumenta a metade disponível do testador. O que vai ser apurado é apenas seu valor, segundo critério que aqui veremos. O bem doado será inserido, de preferência, no quinhão do donatário” (op. cit., p. 383).
Por fim, é de ressaltar não haver nos autos qualquer indício de prova no sentido de que, ao tempo das doações questionadas, os bens contemplados pertenciam à parte disponível do patrimônio do inventariado, pelo que resta afastado o argumento invocado nas razões do primeiro recurso.
Isto é dizer, ao contrário do que afirmam os recorrentes, não se pode atestar se, de fato, as doações impugnadas não se enquadravam no conceito de adiantamento de legítima, haja vista ausência de expressa manifestação do doador nesse sentido. Sobre o tema, aliás, mais uma vez a lição de Silvio Salvo Venosa:
“Salvo vontade expressa do doador, como veremos, toda doação feita em vida pelo autor da herança a um de seus filhos (ou netos que concorram com outros netos, por exemplo) presume-se como um adiantamento de herança. Desse modo, tal doação se computará dentro da legítima desse herdeiro, compensando-se com os demais herdeiros do mesmo grau. Trata-se de uma obrigação de trazer o valor” (op. cit., p. 383).
Por fim, diante de tais considerações, resta impertinente o argumento dos apelantes, atinente à necessidade de delimitar quais os bens devem ser trazidos à colação se, como visto, tal instituto envolve todos os bens doados pelo autor da herança antes de aberta sua sucessão, salvo expressa manifestação no sentido de que indigitados bens se referem à parte disponível de seu patrimônio, o que, repita-se, não se denota na hipótese em apreço.
Feitas essas considerações, prescinde de reparos o comando judicial prolatado em estrita observância às disposições legais aplicáveis à espécie.
Posto isso, nego provimento ao recurso.
Custas recursais, pelos apelantes.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Silas Vieira e Dídimo Inocêncio de Paula.
Súmula – NEGARAM PROVIMENTO.
Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico – MG