Jurisprudência mineira – Apelação cível – Ação anulatória – Escritura pública de inventário e partilha, contendo cláusula de renúncia a direitos hereditários, e escritura de compra e venda – Validade do negócio

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO ANULATÓRIA – ESCRITURA PÚBLICA DE INVENTÁRIO E PARTILHA, CONTENDO CLÁUSULA DE RENÚNCIA A DIREITOS HEREDITÁRIOS, E ESCRITURA DE COMPRA E VENDA – LIVRE VONTADE DAS PARTES EM RELAÇÃO À COMPRA E VENDA – INEXISTÊNCIA DE ERRO NA NEGOCIAÇÃO – VALIDADE DO NEGÓCIO – CESSÃO ONEROSA DE DIREITOS HEREDITÁRIOS SIMULADA DE RENÚNCIA DESTES DIREITOS – SIMULAÇÃO COMPROVADA – NULIDADE DO NEGÓCIO SIMULADO E SUBSISTÊNCIA DO QUE SE DISSIMULOU – INTELIGÊNCIA DO ART. 167 DO CÓDIGO CIVIL

– Não restando comprovado o alegado erro na celebração de contrato de compra e venda, não há de se falar em nulidade do mencionado negócio jurídico.

– Restando demonstrado que as partes simularam renúncia de direitos hereditários, tendo, na realidade, havido entre elas cessão onerosa desses direitos, deve esta prevalecer e ser aquela declarada nula. Nos termos do art. 167, caput, do Código Civil, “é nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma”.

Apelação Cível nº 1.0572.09.022426-0/002 – Comarca de Santa Bárbara – Apelantes: Ronaldo Claudiano Rodrigues e outros, Sirlene de Fátima Rosa Rodrigues – Apelados: Antônio Pio Rodrigues, Geraldo Edmundo Rodrigues, Geraldo Magela da Fonseca, José Martins Rodrigues, José Vicente Rodrigues e outros, Maria Juracy Rodrigues Fonseca, Marlene Apolinário Rodrigues, Miltes de Jesus Rodrigues, Mílton Ventura Rodrigues, Rosilene de Souza Rodrigues, Anízio Aparecido Rodrigues, Adirson Cláudio Rodrigues, Adualdo Cecílio Rodrigues – Relator: Des. José de Carvalho Barbosa 

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 13ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em dar parcial provimento ao recurso.

Belo Horizonte, 7 de novembro de 2019. – José de Carvalho Barbosa – Relator.

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

DES. JOSÉ DE CARVALHO BARBOSA – Trata-se de recurso de apelação interposto por Ronaldo Claudiano Rodrigues e Sirlene de Fátima Rosa Rodrigues, nos autos da ação anulatória movida por José Vicente Rodrigues e outros, perante o Juízo da Vara Única da Comarca de Santa Bárbara, tendo em vista a sentença de f. 174/183, que julgou procedentes os pedidos iniciais, declarando a nulidade “das escrituras públicas de partilha e de compra e venda, averbadas junto à matrícula nº 2.074, registros 4 e 5, correspondentes ao imóvel da Rua Presidente Costa e Silva, nº 119, Bairro Vila Santa Terezinha, nesta cidade de Santa Bárbara”.

A mesma sentença condenou a parte ré ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes fixados em R$1.000,00.

Em suas razões recursais, requerem os apelantes, preliminarmente, a concessão dos benefícios da gratuidade judiciária, dizendo não possuírem condições de arcar com as custas do processo sem prejuízo ao sustento próprio ou de seus familiares.

No mérito, argumentam que os autores não foram capazes de comprovar os fatos alegados na inicial.

Dizem que o contrato declarado nulo atendeu a todos os requisitos legais.

Afirmam que os autores, em 13 de setembro de 2007, “venderam” a eles, réus, de livre e espontânea vontade, o direito de meação e herança sobre o imóvel descrito na inicial.

Acrescentam que merecem ser indenizados pelas benfeitorias realizadas no imóvel e pelas demais despesas que tiveram com a aquisição do bem.

Não houve preparo.

Contraminuta às f. 200/203.

É o relatório.

Inicialmente, considerando que os réus declararam nos autos sua hipossuficiência financeira e à míngua de qualquer elemento de prova que seja capaz de afastar a presunção de veracidade dessa declaração, entendo que fazem eles jus aos benefícios da gratuidade judiciária.

Acresça-se que eles, réus, requereram, em primeira instância, a benesse, e não tendo o douto Julgador de primeiro grau se manifestado expressamente sobre tal pleito, conclui-se por seu deferimento tácito.

Assim, defiro o pedido de gratuidade judiciária e, consequentemente, conheço do recurso. 

Imperioso esclarecer que a presente apelação deve ser examinada à luz do CPC de 1973, vigente à data em que proferida a sentença apelada e também em que foi interposto o recurso.

Nesse sentido, veja-se o disposto no art. 14 do novo CPC (Lei nº 13.105/2015), in verbis:

“Art. 14. A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada.”

Pois bem.

Extrai-se dos autos que os autores, pai e irmãos do réu Ronaldo, ajuizaram a presente ação alegando que firmaram com ele e sua esposa “acordo verbal” em relação aos seus direitos à meação e herança sobre o bem imóvel descrito na inicial, deixado por Efigênia Elias Rodrigues, mãe e esposa das partes, sendo ajustado que eles, réus, lhes pagariam R$60.000,00 para ficar com o referido bem.

Afirmaram que, em razão do combinado, os irmãos do réu Ronaldo “renunciaram ao direito que lhes cabia sobre o imóvel, conforme escritura pública de inventário e partilha lavrada em 13/9/2009”, enquanto o autor José Vicente Rodrigues, pai do réu (meeiro), a seguir, “efetivou a venda dos 50% (cinquenta por cento) do imóvel através de escritura pública de compra e venda, da mesma data, 13/9/2007, ambas as escrituras lavradas no Cartório do Primeiro Ofício desta Cidade, dando por selado o contrato verbal entre autores e requeridos existentes”.

Aduziram que, apesar disso, os réus não cumpriram com a sua obrigação de pagar, pois não conseguiram obter empréstimo bancário para o pagamento do valor acordado.

Assim, fortes nesses argumentos, requereram a declaração de nulidade do negócio jurídico celebrado entre as partes e o cancelamento das escrituras públicas correspondentes.

Em contestação, os réus defenderam a regularidade do negócio jurídico livremente firmado entre as partes.

Entendeu por bem o douto Magistrado a quo julgar procedentes os pedidos iniciais, ao fundamento de que o réu não comprovou o pagamento integral do valor avençado e que os autores não tinham a intenção de, gratuitamente, abrir mão da herança em favor dos réus.

E tenho que a sentença merece parcial reforma.

Extrai-se dos autos que, de fato, os autores cederam para os réus os seus direitos à meação e à herança sobre o imóvel objeto do litígio, deixado pelo falecimento de Efigênia Elias Rodrigues, esposa e mãe das partes.

E esse negócio (cessão de direitos à meação e herança), posteriormente, foi formalizado por meio de escritura de inventário e partilha (contendo cláusula de renúncia dos herdeiros à herança) e por meio de outra escritura de compra e venda, esta relativa à meação do pai (recebida na escritura de inventário), conforme se extrai da Certidão de Registro do Imóvel em questão (f. 37/38):

“[…] R. 3, MAT. 2074 – Protocolo: 18312. Data: 13/9/2007. ‘Partilha’. Nos termos da escritura pública de inventário e partilha dos bens que ficaram por falecimento de Efigênia Elias Rodrigues, falecida em 14/10/1999, lavrada no 1º Ofício de Notas da Comarca de Santa Barbara – MG – Tabelião Leonardo Versiani Nogueira Tarabal, livro 137, f. 183, datada de 5/9/2007, ficou determinada a partilha de 50% (cinquenta por cento) do imóvel objeto desta matrícula, no valor de R$27.186,09 (vinte e sete mil cento e oitenta e seis reais e nove centavos) para o meeiro Sr. José Vicente Rodrigues […]

R. 4. mat. 2074 – Protocolo: 18312 – Data: 13/9/2007 – ‘Partilha’ – Nos termos da escritura pública de inventário e partilha dos bens que ficaram por falecimento de Efigênia Elias Rodrigues, falecida em 14/10/1999, lavrada no 1º Ofício de Notas da Comarca de Santa Barbara – MG – Tabelião Leonardo Versiani Nogueira Tarabal, livro 137, f. 183, datada de 5/9/2007, ficou determinada a partilha de 50% (cinquenta por cento) do imóvel objeto desta matrícula, no valor de R$27.186,09 (vinte e sete mil cento e oitenta e seis reais e nove centavos) para Ronaldo Claudiano Rodrigues, brasileiro, operador de máquinas, portador da CI – MG – 8.133.825 SSP/MG, CPF nº 006.392.166-92, casado sob o Regime de Comunhão Parcial de Bens com Sirlene de Fátima Rosa Rodrigues, brasileira, do lar, portadora da CI – MG – 12.320.263 SSP/MG, CPF nº 054.274.066-46, residentes na Rua Presidente Costa e Silva, 129, Santa Bárbara – MG. Dentro da escritura pública acima mencionada, consta a renúncia de alguns herdeiros. […]

R. 5. MAT. 2074 – Protocolo: 18313 – Data: 13/9/2007 – ‘Compra e Venda’ – Pela Escritura Pública de Compra e Venda lavrada em Notas no 1º Ofício da Comarca de Santa Bárbara – MG – Tabelião Leonardo Versiani Nogueira Tarabal, livro 137, f. 184 (V), datada de 5/9/2007. Pelo preço de R$8.517,95 (oito mil, quinhentos e dezessete reais e noventa e cinco centavos), o proprietário José Vicente Rodrigues, qualificado no reg. 3, vendeu 50% (cinquenta por cento) do imóvel objeto da presente matrícula para Ronaldo Claudiano Rodrigues e sua esposa […].”

O que alegam os autores é que esses negócios seriam nulos, visto que “foram induzidos a erro, pois não obtiveram nada em troca da renúncia e venda do imóvel”.

Em relação à escritura pública de compra e venda (venda feita pelo pai ao réu de sua meação sobre o imóvel), não há o que se discutir sobre a sua validade.

Explico.

Dispõe os arts. 166 e 167 do Código Civil:

“Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:

I – celebrado por pessoa absolutamente incapaz;

II – for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;

III – o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;

IV – não revestir a forma prescrita em lei;

V – for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade;

VI – tiver por objetivo fraudar lei imperativa;

VII – a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.

Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.

§ 1º Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:

I – aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem;

II – contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira;

III – os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados.”

Nota-se, pois, que o “erro” alegado pelos autores não se enquadra em nenhum das hipóteses de nulidade de negócio jurídico previstas em lei.

Na verdade, tal “erro”, quando muito, desde que comprovado, tornaria o negócio anulável, com base nos art. 138, 139 e 171, II, do já mencionado Código Civil, verbis:

“Art. 138. São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio.

Art. 139. O erro é substancial quando:

I – interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração, ou a alguma das qualidades a ele essenciais; 

II – concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se refira a declaração de vontade, desde que tenha influído nesta de modo relevante; 

III – sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o motivo único ou principal do negócio jurídico.

[…]

Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico:

[…];

II – por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.”

No entanto, como sabido, a validade dos negócios jurídicos é a regra, e a invalidade, exceção.

Se a emissão de vontade foi observada, o negócio jurídico é, via de regra, válido, conforme ensina Caio Mário da Silva Pereira:

“Uma palavra é fácil sobre a invalidade do negócio jurídico, como tema genérico, visto que a sua configuração vai prender-se à sua estrutura. Conforme acentuado […], a validade do negócio jurídico é uma decorrência da emissão volitiva e de sua submissão às determinações legais. São extremos fundamentais para que a declaração de vontade se concretize no negócio jurídico” (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994, v. I. p. 403). A presunção de validade se inspira no princípio da conservação dos negócios jurídicos, segundo o elucida Antônio Junqueira de Azevedo:

“Tanto dentro de cada plano, quanto nas relações entre um plano e outro, há um princípio fundamental que domina toda a matéria da inexistência, invalidade e ineficácia; queremos referir-nos ao princípio da conservação. Por ele, tanto o legislador quanto o intérprete, o primeiro, na criação das normas jurídicas sobre os diversos negócios, e o segundo, na aplicação dessas normas, devem procurar conservar, em qualquer um dos três planos – existência, validade e eficácia -, o máximo possível do negócio jurídico realizado pelo agente” (AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 64).

E é esse o caso da escritura pública de compra e venda, já que o negócio jurídico respeitou a vontade e a real intenção das partes.

Ora, o autor, José Vicente Rodrigues, sabia exatamente o que estava vendendo, e os réus o que estavam comprando, não se havendo falar, assim, em erro ou em qualquer outro vício de vontade na negociação.

Na verdade, sobre esse negócio de compra e venda realizado entre José Vicente e os réus, o que se observa é que estamos diante de um simples inadimplemento contratual, visto que, segundo os autores, os réus não pagaram o valor avençado.

Isso, no entanto, não dá ensejo à anulação do negócio jurídico, cabendo ao vendedor, caso queira, tomar as medidas cabíveis para o recebimento do valor do negócio (compra e venda) celebrado com os réus, compradores. 

Já em relação à escritura pública de inventário partilha, conforme se infere da acima mencionada Certidão de Registro do Imóvel em questão (f. 37/38), R. 4. mat. 2074 – verificando que dela consta que a propriedade do imóvel foi transferida aos réus em razão de renúncia à herança manifestada pelos demais herdeiros de sua mãe, os outros autores -, entendo que, de fato, restou configurada a nulidade apontada, mas não por “erro”, como alegado pelos autores, e sim por simulação.

Explico.

Como já foi dito e redito, os irmãos do primeiro réu lhe cederam, onerosamente, os direitos hereditários referentes ao imóvel deixado pela sua mãe, Efigênia Elias Rodrigues, sendo isso fato incontroverso nos autos.

No entanto, tal contrato de cessão foi firmado entre eles apenas verbalmente, sendo que, posteriormente, foi lavrada escritura pública de inventário e partilha, na qual, de certo com o intuito de burlar o Fisco, resolveram as partes fazer constar, de maneira simulada, que os herdeiros, com exceção do primeiro réu, renunciaram aos seus direitos hereditários, assim ficando o réu com a totalidade da herança, para, em seguida, adquirir do pai a sua meação.

É o que se extrai do registro nº 4 da Certidão do Imóvel em questão (f. 37/38), acima já transcrito.

Assim, a toda evidência, o ato jurídico “renúncia de direitos hereditários”, formalizado por meio da escritura pública de inventário e partilha, foi simulado, já que, na verdade, o que houve foi, isto sim, uma cessão onerosa desses direitos, o que gera a nulidade daquele ato (renúncia), por simulação, nos termos do já citado art. 167 do Código Civil. 

Veja-se o conceito de simulação, na doutrina de Sílvio de Salvo Venosa:

“Simular é fingir, mascarar, camuflar, esconder a realidade. Juridicamente, é a prática de ato ou negócio que esconde a real intenção. A intenção dos simuladores é encoberta mediante disfarce, parecendo externamente negócio que não é espelhado pela vontade dos contraentes.

As partes não pretendem originalmente o negócio que se mostra à vista de todos; objetivam tão só produzir aparência. Tratase de declaração enganosa de vontade. A característica fundamental do negócio simulado é a divergência intencional entre a vontade e a declaração. Há, na verdade, oposição entre o pretendido e o declarado. As partes desejam mera aparência do negócio e criam ilusão de existência. Os contraentes criam aparência de um ato, para assim surgir aos olhos de terceiros. 

A disparidade entre o desejado e o manifestado é produto de deliberação dos contraentes.

Na simulação há conluio. Existe uma conduta, um processo simulatório; acerto, concerto entre os contraentes para proporcionar aparência exterior do negócio. A simulação implica, portanto, mancomunação. Seu campo fértil é dos contratos, embora possa ser encontrada nos atos unilaterais recíprocos. A simulação implica sempre conluio. Ligação de mais de uma pessoa para criar a aparência” (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. 10. ed. Parte Geral. São Paulo: Atlas, 2010. p. 516). 

Ainda sobre o tema, Maria Helena Diniz leciona:

“Como diz Clóvis, simulação é a declaração enganosa da vontade, visando a produzir efeito diverso do ostensivamente indicado.

Procura-se com a simulação iludir alguém por meio de uma falsa aparência que encobre a verdadeira feição do negócio jurídico. Caracteriza-se, como diz Washington de Barros Monteiro, pelo ‘intencional desacordo entre a vontade interna e a declarada, no sentido de criar, aparentemente, um negócio jurídico, que, de fato, não existe, ou então oculta, sob determinada aparência, o negócio realmente querido’.

Na simulação a vontade se conforma com a intenção das partes que combinam entre si no sentido de manifestá-la de determinado modo, com o escopo de prejudicar terceiro que ignora o fato.

Assim a simulação apresenta os seguintes caracteres:

a) é uma falsa declaração bilateral da vontade;

b) a vontade exteriorizada diverge da interna ou real, não correspondendo à intenção das partes;

c) é sempre concertada com a outra parte, sendo, portanto, intencional o desacordo entre a vontade interna e a declarada;

d) é feita no sentido de iludir terceiro” (DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 29. ed. São Paulo: Saraiva, v. I, 2012. p. 523-524).

O que se conclui é que a simulação se configura pela presença, dentre outros, de dois elementos essenciais:

“a) a declaração falsa de vontade, traduzida no desencontro intencional entre o interno e real e o que se exterioriza, para se criar a aparência de um ato jurídico que, em verdade, não existe, ou para se ocultar o negócio realmente pretendido;

b) bilateralidade, caracterizada pelo conluio entre os participantes do ato, que concertam a falsa declaração de vontades.”

E, em relação à renúncia aos direitos hereditários, esses requisitos restaram suficientemente demonstrados nos autos, sendo evidente a intencional falsa declaração de vontade prestada pelas partes que, agindo em conluio, aparentemente com a intenção de fraudar o Fisco, trataram como renúncia uma cessão onerosa de direitos celebrada entre eles.

Deve ser ressaltado que, segundo consta do Enunciado nº 294 da IV Jornada de Direito Civil do CJF/STJ, “sendo a simulação uma causa de nulidade do negócio jurídico, pode ser alegada por uma das partes contra a outra”. 

Sobre o tema, este Tribunal já se manifestou:

“Civil e processual civil. Apelação cível. Ação de anulação de negócio jurídico. Não conhecimento de um dos apelos. Ausência de pressuposto intrínseco de admissibilidade, relativo a fato impeditivo do direito de recorrer. Preclusão consumativa.

Preliminar de nulidade da sentença, por atuação extra petita. Rejeição. Contrato de promessa de compra e venda. Simulação. Animus donandi de ascendente a descendente. Comprovação. Alegação, por um dos contratantes. Possibilidade. Nulidade do negócio jurídico. Caracterização. Bem em meação. Ausência do consorte meeiro, na formalização do ato de transmissão. Hipótese de anulabilidade. Alegação de ofensa moral, resultante da lavratura de escritura em que necessária outorga uxória. Prejuízos causados ao cônjuge não anuente. Titular do tabelionato. Responsabilidade subjetiva. Culpa não comprovada. – A preclusão é fato processual impeditivo, que acarreta a perda, extinção ou consumação da faculdade da parte de praticar determinado ato processual. – O recurso interposto contra decisão que foi objeto de anterior inconformismo não deve ser conhecido, por exaurida a faculdade processual conferida à parte de recorrer, naquela oportunidade, operando-se a preclusão consumativa. – Não há falar-se em nulidade da sentença, por vício citra petita, quando a decisão basear-se em matéria de ordem pública, cognoscível, de ofício, pelo juiz. – A simulação se configura pela presença, dentre outros, de dois elementos essenciais: a) a declaração falsa de vontade, traduzida no desencontro intencional entre o interno e real e o que se exterioriza, para se criar a aparência de um ato jurídico que, em verdade, não existe, ou para se ocultar o negócio realmente pretendido; b) bilateralidade, caracterizada pelo conluio entre os participantes do ato, que concertam a falsa declaração de vontades. – Deve ser reconhecida a simulação quando comprovado o conluio dos contratantes no intuito de firmar negócio jurídico para produzir efeito diverso daquele manifestado, a autorizar o seu desfazimento. – A doação de bem imóvel, sem a participação do cônjuge meeiro, afigura-se anulável, nos termos do art. 1.647, inciso IV, do Código Civil de 2002. – É subjetiva a responsabilidade civil dos titulares de serventias extrajudiciais, impondo-se àquele que pretende a reparação por danos decorrentes da atividade notarial a prova de que o tabelionato agiu com culpa ou dolo” (TJMG – Apelação Cível 1.0702.07.396127-9/001, Rel. Des. Márcio Idalmo Santos Miranda, 9ª Câmara Cível, j. em 28/3/2017, p. em 26/4/2017). 

Assim, inexiste impedimento para que os autores aleguem contra os réus a ocorrência de simulação no negócio jurídico celebrado entre eles.

Ademais, por se tratar de nulidade de negócio jurídico, nada impede que ela seja reconhecida de ofício pelo Magistrado. Não se pode perder de vista, no entanto, que nos termos do caput do art. 167 do Código Civil, “é nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma”.

Ou seja, o fato de ser nula a renúncia aos direitos hereditários manifestada pelos autores, por simulação, não torna nula a cessão de direitos hereditários celebrados entre as partes, já que tal cessão é perfeitamente válida na substância e na forma. A melhor solução para o litígio, então, é reconhecer a nulidade dessa renúncia, mas declarar válida a cessão de direitos, via de consequência sendo retificado o correspondente registro na matrícula do imóvel (R-4), mediante pagamento, pelos réus, dos tributos devidos.

Cabe aos autores (irmãos do réu Ronaldo), por outro lado, caso queiram, assim como ocorre no caso da compra e venda celebrada pelo outro autor (pai do réu Ronaldo), tomar as medidas cabíveis para o recebimento do valor do negócio – cessão de direitos hereditários -, celebrado com os mesmos réus.

Por todo exposto, dou parcial provimento ao recurso, reformando a sentença para julgar parcialmente procedentes os pedidos iniciais, declarando nula, por simulação, a renúncia aos direitos hereditários constante da Escritura Pública de Inventário lavrada no 1º Ofício de Notas da Comarca de Santa Bárbara – MG – Tabelião Leonardo Versiani Nogueira Tarabal, livro 137, f. 183, datada de 5/9/2007. Em consequência, determino que seja retificado o Registro nº 4 da Matrícula n° 18312, de 13/9/2007, do Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Santa Bárbara (Certidão de f. 37/38), referente ao imóvel objeto da demanda, passando a constar que, ao invés de renúncia, como ficou constando de forma simulada da escritura de inventário, houve cessão onerosa de direitos hereditários, devendo esse ato de retificação ser feito, obviamente, mediante pagamento, pelos réus, do ITBI correspondente.

Registre-se, por fim, e repetindo, que cabe aos autores (pai e irmãos do réu Ronaldo), querendo, tomar as medidas cabíveis para receber dos réus o valor do negócio com eles firmado, qual seja compra e venda da meação do pai e cessão dos direitos hereditários dos irmãos, que eles alegam não ter recebido.

Em razão do que restou decidido, condeno as partes ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes no valor fixado em primeira instância (R$1.000,00), na proporção de 50% para cada uma, suspensa a exigibilidade, uma vez que ambas as partes litigam sob os auspícios da gratuidade judiciária.

Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Newton Teixeira Carvalho e Alberto Henrique.

Súmula – DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO. 

 

Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico – MG