APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE ALIENAÇÃO JUDICIAL DE BEM IMÓVEL – EXISTÊNCIA DE CONDOMÍNIO ENTRE MEEIRA E HERDEIROS – RECONHECIMENTO DA PROCEDÊNCIA DO PEDIDO – DIREITO REAL DE HABITAÇÃO DO CÔNJUGE SOBREVIVENTE – PRESERVAÇÃO – PEDIDO DE DESCONTO DAS DESPESAS RELACIONADAS AO PROCESSO DE PARTILHA – EXTINÇÃO PARCIAL DO PROCESSO POR INÉPCIA – IMPOSSIBILIDADE – AUSÊNCIA DE CONTESTAÇÃO – POSSIBILIDADE – RATEIO ENTRE TODOS OS HERDEIROS E DESCONTO COM O PRODUTO DA VENDA
– O art. 1.831 do Código Civil/2002 garante ao cônjuge sobrevivente o direito real de habitação em relação ao único imóvel destinado à residência da família, que não se resume à fração correspondente a sua meação em razão do falecimento de seu esposo, mas se estende à integralidade do imóvel onde reside.
– As despesas relacionadas ao processo de partilha de área que integra o imóvel objeto da ação podem ser descontadas do produto obtido com a alienação judicial desse bem, mas limitadas ao percentual da herança e rateadas entre todos os herdeiros que são corresponsáveis por seu pagamento.
Apelação Cível nº 1.0517.08.008699-7/002 – Comarca de Poço Fundo – Apelantes: Rosana Perpétua Cirilo e outros – Apelados: Alex Antônio de Souza e outro, Aleandra de Souza, Marli Teodoro de Souza – Litisconsorte: Valter Vangel de Souza – Relator: Des. Evandro Lopes da Costa Teixeira
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em dar parcial provimento ao recurso.
Belo Horizonte, 3 de abril de 2014. – Evandro Lopes da Costa Teixeira – Relator.
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
DES. EVANDRO LOPES DA COSTA TEIXEIRA – Trata-se de recurso de apelação interposto por Maria Aparecida de Paiva e outros contra a sentença de f. 270/278, proferida nos autos da ação de alienação judicial de bem imóvel ajuizada contra Marli Teodoro e outros, que julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, com base no art. 267, I, do CPC, em relação ao pedido de despesas de inventário; e, nos termos do art. 269, II, do CPC, julgou extinto o processo para determinar a alienação judicial do imóvel matriculado no CRI de Poço Fundo sob o nº 72 e sob o nº 9.562, por meio de leilão (art. 1.117, II, do CPC), mediante divisão do valor entre as partes, na proporção dos quinhões descritos na fundamentação da sentença, se verificada previamente a existência de desacordo quanto à adjudicação a um ou mais condôminos, na forma do art. 1.118 e incisos do CPC, respeitado o direito real de habitação de Marli Teodoro de Souza.
Devido à sucumbência recíproca, condenou as partes ao pagamento das custas processuais na proporção de 50% (cinquenta por cento) para cada, bem como honorários de advogado, fixados estes em R$622,00, admitida a compensação desta verba, e suspendendo a exigibilidade para ambas as partes, nos termos do art. 12 da Lei nº 1.060/50.
Em sua apelação (f. 283/290), os autores alegaram que são filhos de Antônio Aureliano de Souza, que era o proprietário do imóvel em litígio, e, em razão do falecimento da genitora dos recorrentes, estes passaram a ser proprietários de 50% desse imóvel, que corresponde a uma área de 436 m2, conforme consta no registro R-1-72, da certidão de f. 84 e auto de arrolamento e partilha (f. 82). Disseram que, em 16.03.1976, o seu pai e a ré Marli Teodoro de Souza venderam parte de sua fração (399 m2), correspondente a 45,75% da área total do imóvel a José Vieira, conforme prova a averbação AV-02-72 (f. 84). Diante dessa venda, afirmaram que essa área foi dividida de fato, não estando mais em comum com a parte dos demais proprietários, conforme consta no laudo de avaliação (f. 212/213), e que o seu falecido pai permaneceu como proprietário de apenas 37 m2 do imóvel, que corresponde a 7,80% da totalidade do imóvel, e que ele, com a ré Marli, residiam na parte que lhes pertencia por mera permissão. Posteriormente, em razão do falecimento de seu pai, em 07.02.2006, a fração pertencente ao seu espólio foi partilhada (f. 36/130) e, também, como passaram a ser os proprietários da fração de 4,9%, atualmente têm 92,2% da totalidade do imóvel. Diante dessa nova aquisição, enfatizaram que o direito de habitação da ré Marli Teodoro de Souza não pode ser estendido à totalidade do imóvel, porque a fração que pertencia ao espólio do falecido pai dos apelantes era de 7,80%, tampouco legitimar a sua permanência no imóvel. Alegaram que o pedido de desconto das despesas com o inventário consta no item "e" da inicial da ação, e, por isso, a petição inicial, nessa parte, não é inepta. Pedem o provimento do recurso para reformar a sentença para que seja determinada a venda judicial do imóvel sem o ônus do direito real de habitação, bem como seja determinado o desconto das despesas realizadas com o inventário.
Em contrarrazões (f. 293/295), os réus manifestaram-se apenas quanto à matéria referente ao direito real de habitação e pediram a confirmação da sentença.
Os autos foram inicialmente distribuídos ao e. Desembargador Wagner Wilson, por prevenção, porque S.Exa. atuou como Relator no Agravo de Instrumento nº 1.0517.08.008699-7/001 (f. 297).
Todavia, S.Exa. manifestou-se, às f. 299/299-v., reconhecendo a sua incompetência para o julgamento desta apelação, ao fundamento de que verificou a interposição anterior de recurso de apelação cível, oriundo dos autos da ação reivindicatória, distribuído à 17ª Câmara Cível deste Tribunal sob o nº 1.0517.06.000061-2/001, no qual atuou como Relator o Desembargador Lucas Pereira, do qual sou sucessor. Nessa manifestação, entendeu que o julgamento do presente é da mesma relação jurídica anteriormente julgada, razão pela qual, com fulcro no art. 79 do novo RITJMG, em vigor desde 25.09.2012, determinou a redistribuição do presente recurso a esta Câmara.
E, distribuído este recurso à e. Desembargadora Márcia De Paoli Balbino, que integra esta Câmara, S.Exa. determinou o retorno dos autos ao e. Desembargador Wagner Wilson (f. 306). Porém, S.Exa. determinou a redistribuição deste recurso a este Relator, por ser o sucessor do Des. Lucas Pereira (f. 310/310-v.).
Distribuídos os presentes autos a este Relator, suscitei conflito negativo de competência (f. 314/320), que foi rejeitado (f. 337/342).
Diante dessa decisão, retornaram-me os autos conclusos.
Juízo de admissibilidade.
Conheço o recurso, presentes os pressupostos de admissibilidade.
Preliminares.
Não há preliminares a serem enfrentadas.
Mérito.
O primeiro objeto deste recurso consiste em decidir sobre a manutenção ou reforma da sentença que, ao julgar extinto o processo, com base no reconhecimento do pedido dos autores quanto à alienação judicial do imóvel matriculado no CRI de Poço Fundo sob os nos 72 e 9.562, determinou que seja preservado o direito real de habitação da ré Marli Teodoro de Souza sobre a integralidade da área que integra esse imóvel.
É incontroverso nos autos que os autores são herdeiros de Antônio Aureliano de Souza e Sudélia Neves de Souza, que, por sua vez, eram proprietários do imóvel objeto desta ação, que possuía uma área, originalmente, de 872 m2 (f. 254).
Com o falecimento de Sudélia, em 1971, os filhos herdeiros adquiriram 50% (cinquenta por cento) sobre o bem, e o meeiro Sr. Antônio Aureliano de Souza ficou com os outros 50% (cinquenta por cento) remanescentes.
Em 27.07.1974, o Sr. Antônio Aureliano de Souza contraiu novas núpcias com a Sra. Marli Teodoro de Souza, ré nesta ação, sob o regime de comunhão universal de bens.
Posteriormente, em 16.03.1976, Antônio Aureliano de Souza e Marli Teodoro de Souza venderam para José Vieira 399 m2 da área que lhes pertencia, o que gerou o desmembramento dessa fração, conforme averbação nº 2, na Matrícula nº 72 do imóvel, feita em 12.05.1977 (f. 254), com a consequente abertura de nova matrícula, cujo número é 632 (f. 255), deixando de existir, quanto a essa área, o condomínio entre esses vendedores e aqueles herdeiros, autores desta ação, frisa-se.
Em razão dessa venda, Antônio Aureliano de Souza e Marli Teodoro de Souza passaram a ser proprietários apenas da fração correspondente a 32 m2, que corresponde a 7,8% da meação que coube a Antônio em razão do óbito de sua primeira esposa, Sudélia Neves de Souza, como visto.
E, com o óbito de Antônio Aureliano de Souza, em 07.2.2006, a Sra. Marli passou a ter direito a 3,9% do imóvel em questão, ficando os autores com 95,01% remanescentes.
Assim, resta evidente que a ré Marli Teodoro de Souza também é proprietária do imóvel, objeto do litígio.
É sabido que o art. 1.831 do Código Civil/2002 garante ao cônjuge sobrevivente, que, neste caso, é Marli Teodoro de Souza, o direito real de habitação ao imóvel destinado à residência da família, que nesse caso não se resume à fração à de 3,9%, que lhe coube em razão do falecimento de seu esposo, mas se estende à integralidade do imóvel onde reside.
A finalidade dessa norma é evitar que eventual partilha de bens possa privar o cônjuge sobrevivente de morar com a mesma dignidade existente à ocasião da existência da sociedade conjugal, sendo irrelevante o percentual da fração do imóvel que lhe coube em razão do falecimento de seu cônjuge.
Esse é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
"[…] Ao ressaltar que a habitação se constitui 'sem prejuízo da participação na herança', o legislador visou resguardar o direito na hipótese em que o cônjuge, por sucessão ou meação, se tornasse proprietário apenas de parte do imóvel, mesmo porque, se herdasse todo o bem, assumindo a propriedade plena, não haveria por que falar em constituição de direito real de habitação. Outrossim, não se pode interpretar a norma no sentido de que, não tendo o cônjuge direito à meação ou à sucessão em relação ao imóvel, não fará jus à habitação, sob pena de se esvaziar a ratio essendi da norma”.
A esse respeito: