– Aos efeitos do reconhecimento posterior da paternidade, impõe-se acolher a pretensão anulatória dos negócios havidos entre os ascendentes e descendentes, ocorridos estes posteriormente à concepção do investigante, visto que dependentes aqueles da anuência de todos os filhos.
Embargos Infringentes Cível n° 1.0223.01.059564-1/002 na Apelação Cível nº 1.0223.01.059564-1/001 – Comarca de Divinópolis – Embargantes: A.O.M.G. e outro, herdeiros de J.G.M. – Embargado: G.G. – Relator: Des. Manuel Saramago
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em rejeitar os embargos, vencido o Revisor.
Belo Horizonte, 26 de novembro de 2009. – Manuel Saramago – Relator.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
Proferiu sustentação oral, pelos embargantes, o Dr. Bruno Sampaio Falleiros.
DES. MANUEL SARAMAGO – Sr. Presidente. Ouvi, atentamente, as palavras do ilustre Advogado, trago voto escrito e passo à sua leitura.
Conheço do recurso, aos seus pressupostos.
Em primeira instância, o digno Magistrado julgou procedente o pedido de investigação de paternidade e, entretanto, improcedente o pedido de anulação de negócios jurídicos.
Neste Tribunal, o douto Revisor, Des. Barros Levenhagen, acompanhado pela culta Vogal, Des. Maria Elza, reformou a sentença, para julgar, sim, procedente a pretensão anulatória.
O digno Relator, Des. Mauro Soares Freitas, confirmou a decisão a quo.
Agora, o recorrente, com base no voto minoritário, pretende seja mantido o decisum de primeiro grau, dizendo terem sido atendidos os requisitos previstos por lei, sobre não influenciando posterior herdeiro ao mundo jurídico.
Data venia, tenho entendimento afinado com a orientação vencedora.
Não há dúvida quanto ao reconhecimento da paternidade in casu.
Tanto que nem se recorreu a respeito.
Repita-se, a questão de resto tem relação com a pretensão de anulação dos negócios jurídicos havidos entre os descendentes e ascendentes na espécie.
Tais ocorreram no final da década de 1980.
O investigante nasceu em 1956.
O pai dele morreu em 1993.
A presente ação fora ajuizada em 2001.
A paternidade fora reconhecida em 2007.
É certo que, ao tempo da realização deles, referidos negócios jurídicos ocorreram entre os ascendentes e os descendentes existentes na respectiva atmosfera jurídica.
Ainda.
Também é induvidoso que, ao tempo dos negócios ocorridos, não se havia falar em reconhecimento da paternidade do ora recorrido, fato que se deu muito tempo depois.
Entretanto, como esposado pelo entendimento majoritário, com apoio inclusive em jurisprudência do eg. STJ, o reconhecimento da paternidade produz efeitos retroativos à concepção.
E, assim, lança reflexos aos negócios apontados.
Logo, impunha-se a anulação se não atendida a norma do art. 1.132 do CC de 1916, a exigir, nestes casos, a participação de todos os filhos.
Não bastasse.
A teor das provas, que foram fartas na espécie, a questão da paternidade, por certo, era do conhecimento do falecido ao tempo das negociações, como noticiam os fatos aqui narrados, ocorridos estes, como sabido, a partir da relação de trabalho estabelecida entre a mãe do investigante e a família daquele.
Aliás, em razão dos quais, certamente, o próprio autor carreia sobrenome da família do falecido.
Sendo mesmo estranho que tais negócios tivessem ocorrido de uma só vez e de forma parcelada se, como alegado, o produto das vendas era para tratamento de saúde do falecido, nada, porém, se tendo trazido a respeito.
Tudo, pois, deixando sinais incomuns da negociação.
Assim, repita-se, seguindo o entendimento majoritário, o pedido de anulação era mesmo procedente.
Ao exposto, rejeito os embargos.
Custas, na forma da lei.
DES. MAURO SOARES DE FREITAS – Sr. Presidente. De igual forma, ouvi, atentamente, o ilustre Advogado, de quem recebi memorial. O voto minoritário é da minha lavra, e, nesta oportunidade, acolho os embargos, na esteira de meu posicionamento por ocasião do julgamento da apelação.
DES. BARROS LEVENHAGEN – Sr. Presidente. Mantenho o meu entendimento anterior e, com a devida vênia, também rejeito os embargos.
DES. NEPOMUCENO SILVA – Permito-me concordar com o eminente Relator, Des. Manuel Saramago, data venia, por entender que o caso é mesmo de rejeição dos embargos.
Pois a decisão judicial, que definiu o autor da herança, como pai do embargado, tem efeitos retroativos ao momento do nascimento do filho (com eficácia ex tunc). Assim, a venda de ascendente a descendente, para ser válida, precisa da concordância de todos os descendentes, e isso demonstra que o negócio jurídico, efetivado sem consentimento do filho reconhecido judicialmente, deve ser anulado, máxime se se considerar que o genitor já sabia de sua existência, quando da celebração do negócio jurídico.
Pois, estabelece o art. 1.132 do CC/16, aplicável à espécie, que "Os ascendentes não podem vender aos descendentes, sem que os outros descendentes expressamente consintam". Confiram-se, da vasta jurisprudência, os seguintes arestos:
a) “Venda de ascendente a descendente – Art. 1.132 CC/16 – Inexistência de expresso consentimento – Interposta pessoa – Firma individual – Mera ficcção jurídica – Confusão patrimonial – Prazo prescricional vintenário – Nulidade do ato. – A venda de bem de ascendente a descendente, celebrada sob a égide do Código Beviláqua, sem o consentimento expresso dos demais descendentes, é nula de pleno direito. Impossível distinguir-se a pessoa natural do empresário de sua empresa individual ante a confusão patrimonial, tratando-se de mera ficção jurídica. É venda direta aquela feita por ascendente à firma individual de descendente, constituindo a sua figuração como terceira pessoa interposta em manobra visando burlar a lei e tornar o ato anulável. A ação de nulidade de escritura, na qual se busca desconstituir a venda de ascendente a descendente, tem prazo prescricional vintenário, nos termos da Súmula 494 do STF” (TJMG, Proc. nº 1.0433.02.064817-9/001, Rel. Des. José Antônio Braga, j. em 02.06.2009, DJ de 29.06.2009).
b) “Ação anulatória de negócio jurídico – Doação não comprovada – Inteligência do art. 1.132 do Código Civil de 1916, correspondente ao art. 496 do novo código – Sentença reformada. – I. Conforme cediço, a venda de ascendente a descendente, sem consentimento de todos os descendentes, é nula de pleno direito por força do disposto do art. 132 do Código Civil de 1916 e art. 220 da Lei 10.406/02, que instituiu o novo Código Civil (TAMG, Proc. nº 2.0000.00.422808-8/000, Rel. Osmando Almeida, j. em 02.04.2004, DJ de 08.05.2004).
Extrai-se, pois, o nítido propósito do genitor em beneficiar os outros filhos, em detrimento do embargado, impondo-se a anulação dos inquinados negócios jurídicos.
Com tais expendimentos, rogando vênia, acompanho o eminente Relator para rejeitar os embargos infringentes.
É como voto.
DES. ANTÔNIO SÉRVULO – Com o Relator.
Súmula – REJEITARAM OS EMBARGOS, VENCIDO O REVISOR.
Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico – MG