SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA – ESCRITURA PÚBLICA DE DAÇÃO EM PAGAMENTO DE BEM IMÓVEL – REGISTRO – PENDÊNCIAS – RECURSO DESPROVIDO
– Cabe ao Oficial do Registro de Imóveis a análise e qualificação dos títulos apresentados para registro ou averbação em sua serventia, devendo devolver aqueles que não se encontram em conformidade com as disposições legais e os princípios registrais.
– Transferida a propriedade por quem ainda não figurava no registro imobiliário como proprietário do bem imóvel, a devolução da escritura pública de dação em pagamento de bem imóvel pelo Oficial do Cartório de Registro de Imóveis para regularização se encontra em consonância com o disposto na Lei nº 6.015/73 e no Provimento 260/CGJ/2013.
Apelação Cível nº 1.0126.16.000044-7/001 – Comarca de Capinópolis – Apelante: Carlos Alfredo Ferreira Moura – Apelado: Oficial do Cartório de Registro de Imóveis de Capinópolis – Interessado: Lúcio Rodrigues de Sousa – Relator: Des. Edilson Fernandes
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em negar provimento ao recurso.
Belo Horizonte, 2 de maio de 2017. – Edilson Fernandes – Relator.
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
DES. EDILSON FERNANDES – Trata-se de recurso interposto contra a sentença que, nos autos da suscitação de dúvida encaminhada pelo Oficial do Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Capinópolis/MG, julgou procedente a dúvida, a fim de determinar ao suscitado que providencie a escritura de re-ratificação, apresentando a certidão do imóvel objeto da dação em pagamento em nome de Rosimeire Trindade, para que possa ser feito o registro, bem como para manter o registro da penhora (f. 53/58).
O apelante sustenta que o Registrador, ao invés de registrar a escritura de dação em pagamento, registrou penhora prenotada posteriormente, em desrespeito à prioridade gerada em favor daquele título. Afirma que, somente após o registro da penhora, o Registrador emitiu nota devolutiva, com exigência com a qual não se conforma. Alega que os títulos contêm direitos compatíveis sobre um mesmo imóvel, sendo imprescindível que as inscrições se efetuem pela ordem de apresentação. Assevera que, quando da lavratura da escritura pública de dação em pagamento, foi observado o disposto no art. 160 do Provimento 260/CGJ/2013 (Código de Normas), com a apresentação da certidão de inteiro teor da matrícula do imóvel, com positiva de ônus e de ações, e do termo de quitação da dívida garantida por alienação fiduciária. Defende que, com o implemento da obrigação, extinguiu-se a propriedade fiduciária. Ressalta que o termo de quitação não é ato constitutivo da propriedade adquirida pela transmitente da escritura pública de dação em pagamento. Pugna pela reforma da sentença para determinar o registro da escritura pública de dação em pagamento, independentemente da exigência apresentada, e pelo cancelamento do registro da penhora (f. 60/68).
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
As questões submetidas à apreciação desta Instância Revisora consistem na possibilidade de se admitir o registro da escritura pública de dação em pagamento de imóvel urbano e de se efetuar o registro da penhora antes de solucionada a questão relativa à exigência apresentada pelo Oficial de Registro Público.
Consta que a escritura pública de dação em pagamento (f. 17/18) foi devolvida pelo Oficial do Registro de Imóveis da Comarca de Capinópolis com exigência a ser cumprida:
“O art. 160 do Provimento 260/CGJ/2013 (Código de Normas) determina os requisitos documentais indispensáveis à regularidade de escritura pública que implique transferência de domínio.
Um desses documentos obrigatórios é a certidão atualizada de inteiro teor da matrícula do imóvel, objeto do negócio, em nome da transmitente, o que não foi apresentado à ilustre tabeliã, conforme consta na própria escritura.
Na ocasião da compra e venda, o imóvel se encontrava alienado fiduciariamente à Caixa Econômica Federal, como se pode observar no registro de nº 03 da matrícula nº 4.466 desta serventia.
[…]
Desta forma, verifico haver irregularidade na presente escritura, visto que a transmitente, embora de posse do ‘termo de quitação’, não efetuou a sua devida averbação no Registro de Imóveis, e, desta forma, não poderia ter transmitido a propriedade que ainda não lhe pertencia.
Deverão as partes, através de escritura de ratificação, apresentar à tabeliã a certidão do imóvel exigida pelo art. 160, III, do Código de Normas dos Serviços Notariais e de Registro do Estado de Minas Gerais, pra que se possa validar o ato (f. 15/15-v.).”
É responsabilidade do Oficial do Registro de Imóveis a análise e qualificação dos títulos apresentados para registro ou averbação em sua serventia, que deverá observar rigorosamente todas as exigências legais.
Tais providências são exigidas do Oficial, pois visam contribuir para a segurança e eficácia jurídica dos atos ou negócios registrados.
O Provimento nº 260/CGJ/2013, que codifica os atos normativos da Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais relativos aos serviços notariais e de registro, dispõe sobre os requisitos da escritura pública que implique a transferência de bem imóvel, em seu art. 160:
“Art. 160. São requisitos documentais inerentes à regularidade de escritura pública que implique transferência de domínio ou de direitos relativamente a imóvel, bem assim como constituição de ônus reais:
[…]
III – apresentação da certidão atualizada de inteiro teor da matrícula ou do registro imobiliário antecedente em nome do(s) transmitente(s), salvo nesta última hipótese nos casos de transmissão sucessiva realizada na mesma data pelo mesmo tabelião”.
No caso, consoante destacado na nota devolutiva, quando da lavratura da escritura pública de dação em pagamento, em 02.12.2015, de acordo com a qual Rosemeire Trindade deu em pagamento o imóvel de matrícula nº 4.466 ao suscitado, o bem se encontrava alienado fiduciariamente à Caixa Econômica Federal. Conquanto a credora fiduciária já houvesse fornecido o respectivo termo de quitação à fiduciante, em 07.08.2015, o documento não havia sido averbado no registro imobiliário da circunscrição a que pertence o imóvel.
Quanto à alienação fiduciária de bens imóveis, dispõe a Lei nº 9.514/97 que, “com o pagamento da dívida e seus encargos, resolve-se, nos termos deste artigo, a propriedade fiduciária do imóvel” (art. 25). Contudo, findo o contrato, ainda remanesce a necessidade de se fazer o cancelamento do registro da alienação fiduciária, nos termos do art. 25, § 2º, da Lei 9.514/97:
“§ 1º No prazo de trinta dias, a contar da data de liquidação da dívida, o fiduciário fornecerá o respectivo termo de quitação ao fiduciante, sob pena de multa em favor deste, equivalente a meio por cento ao mês, ou fração, sobre o valor do contrato.
§ 2º À vista do termo de quitação de que trata o parágrafo anterior, o oficial do competente Registro de Imóveis efetuará o cancelamento do registro da propriedade fiduciária”.
Isso porque a propriedade é direito real que se transfere “mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis” (art. 1.245, caput, Código Civil), de modo que, enquanto não se averbar o cancelamento da propriedade fiduciária, mediante apresentação do termo de quitação ao registrador, o credor fiduciário continua a ser havido como dono do imóvel. Assim, constatada a inobservância do princípio da continuidade, porquanto transferida a propriedade por quem ainda não figurava no registro imobiliário como proprietário do bem imóvel, o Oficial do Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Capinópolis/MG devolveu a escritura pública de dação em pagamento de bem imóvel para regularização, o que se encontra em consonância com o disposto nos seguintes artigos da Lei nº 6.015/73:
“Art. 195 – Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro.
[…]
Art. 237 – Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro.
[…]
Art. 252 – O registro, enquanto não cancelado, produz todos os efeitos legais ainda que, por outra maneira, se prove que o título está desfeito, anulado, extinto ou rescindido”.
Note-se que o termo de quitação deve ser dirigido ao Oficial do Cartório de Registro de Imóveis, a quem compete conferir os documentos e cancelar o registro da propriedade fiduciária, sendo irrelevante o fato de ter havido apresentação do termo de quitação ao Tabelião quando da lavratura da escritura pública de dação em pagamento.
A exigência de apresentação da certidão atualizada de inteiro teor da matrícula ou do registro imobiliário antecedente, em nome do transmitente, é formalidade que visa assegurar a legitimidade da transmissão da propriedade, providência não observada na espécie, e, que, portanto, impõe a regularização do título.
O apelante também pugna pelo cancelamento do registro de penhora do imóvel realizado em 03.12.2015 (R10), mesma data em que apresentada escritura pública de dação em pagamento para registro, ao argumento de que o título translativo da propriedade foi prenotado antes da penhora.
O art. 186 da Lei nº 6.015/73 estabelece a prioridade decorrente do número de ordem, que determina a preferência dos direitos reais:
“Art. 186 – O número de ordem determinará a prioridade do título, e esta a preferência dos direitos reais, ainda que apresentados pela mesma pessoa mais de um título simultaneamente”.
De acordo com a lição de Afrânio de Carvalho, o princípio da prioridade do registro constitui um dos pilares do nosso sistema registral e significa que, havendo concurso de direitos reais sobre determinado imóvel, esses se graduam por uma relação de precedência fundada na ordem cronológica do seu aparecimento:
“[…] num concurso de direitos reais sobre um imóvel, estes não ocupam todos o mesmo posto, mas se graduam ou classificam por uma relação de precedência fundada na ordem cronológica de seu aparecimento. Assim, a teor do art. 186 da Lei 6.015/73, a ordem de entrada dos títulos junto ao delegado e, em consequência, aquela de surgimento dos direitos no Registro, produzem a prevalência dos cronologicamente anteriores.
[…]
A prioridade desempenha o seu papel de maneira diferente, conforme os direitos que se confrontam sejam, ou não sejam, incompatíveis entre si. Quando os direitos que acorrem para disputar o registro são reciprocamente excludentes, a prioridade assegura o primeiro, determinando a exclusão do outro. Quando, ao contrário, não são reciprocamente excludentes, a prioridade assegura o primeiro, concedendo graduação inferior ao outro” (Registro de imóveis. Rio de Janeiro: Forense, 1976, p. 191).
Destaco ainda a lição de Walter Ceneviva:
“O lançamento do título no protocolo, com aquisição de número de ordem, determina precedência do direito real. Prioridade e precedência, como qualidades do número de ordem e da prenotação, provocam um resultado final: asseguram predominância de um direito real sobre outro, em decorrência da anterioridade de seu lançamento no registro imobiliário, momento em que a realidade passa a ser oponível a todos os terceiros” (Lei dos Registros Públicos comentada. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 420). Essa matéria foi objeto de normatização, tendo sido disciplinada no Provimento nº 260/CGJ/2013 nos seguintes termos:
“Art. 656. O número de ordem determinará a prioridade do título, e esta, a preferência dos direitos reais, ainda que apresentado mais de um título simultaneamente pela mesma pessoa.
[…]
Art. 658. No caso de prenotações sucessivas de títulos contraditórios ou excludentes, será criada fila de precedência, e, após cessados os efeitos da primeira prenotação, terá prioridade o título detentor do número de ordem imediatamente posterior”.
Art. 659. O exame do segundo título se subordina ao resultado do procedimento de registro do título que goza da prioridade, e somente se inaugurará novo procedimento registrário ao cessarem os efeitos da prenotação do primeiro título.”
Nesse sentido, a prenotação de um título apresentado no registro imobiliário assegura a ele prioridade no registro em relação àqueles protocolados posteriormente, e, na espécie, verifica-se que o título translativo da propriedade foi prenotado antes (f. 18- v. – nº 43958) que a penhora (f. 23/24-v. – nº 43.959).
Conquanto a escritura pública de dação em pagamento e a penhora não sejam excludentes ou contraditórios, a precedência de apresentação deve ser observada, de acordo com o art. 186 da Lei nº 6.015/73 quanto à necessária obediência da prioridade estabelecida pelo número de ordem, mormente considerando o efeito decorrente do registro da penhora previsto no § 4º do art. 659 do Código de Processo Civil de 1973: produzir “presunção absoluta de conhecimento por terceiros”. Com isso, estando registrada a penhora, haverá presunção de fraude de execução na hipótese de alienação posterior do bem e, na sua falta, incumbirá ao exequente o ônus de provar que o terceiro adquirente tinha conhecimento da pendência de processo capaz de levar o alienante à insolvência.
Desse modo, tendo a escritura pública de dação em pagamento sido prenotada anteriormente, o registro da penhora deve aguardar a solução do procedimento de suscitação de dúvida na forma do art. 673 do Provimento nº 260/CGJ/2013:
“Art. 673. Cessarão, automaticamente, os efeitos da prenotação se, decorridos 30 (trinta) dias do seu lançamento no Livro nº 1 – Protocolo, o título não tiver sido registrado por omissão do interessado em atender às exigências legais.
§ 1º O prazo para a cessação dos efeitos da prenotação poderá ser distinto do previsto no caput em virtude de previsão legal, suscitação de dúvida ou em função de diligências necessárias à prática do ato.”
Contudo, diante da procedência da dúvida, concluindo-se pela manutenção da exigência apresentada pelo Oficial no tocante à escritura pública de dação em pagamento, o cancelamento da penhora revela-se medida inútil, já que, na forma do art. 203 da Lei nº 6.015/73, na hipótese dos autos, os efeitos da prenotação prorrogam-se apenas até o trânsito em julgado da decisão:
“Art. 203 – Transitada em julgado a decisão da dúvida, proceder-se-á do seguinte modo:
I – se for julgada procedente, os documentos serão restituídos à parte, independentemente de translado, dando-se ciência da decisão ao oficial, para que a consigne no protocolo e cancele a prenotação;
II – se for julgada improcedente, o interessado apresentará, de novo, os seus documentos, com o respectivo mandado, ou certidão da sentença, que ficarão arquivados, para que, desde logo, se proceda ao registro, declarando o oficial o fato na coluna de anotações do protocolo.”
Nego provimento ao recurso.
Custas recursais, pelo apelante.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Sandra Fonseca e Corrêa Junior.
Súmula – NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.
Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico – MG