A 7ª câmara Cível do TJ/RS manteve sentença que julgou procedente a ação declaratória de inexistência de filiação legítima, sob o argumento de que o autor do reconhecimento de paternidade não gozava de suas faculdades mentais e diante da inexistência de prova de filiação biológica.
Em 2002, quando D.D.S. tinha 79 anos, foi efetuado o registro de nascimento de J.A.S., nascida em 2002. Em 2004, sobreveio o falecimento do pai registral e, com a abertura do inventário, veio à tona o aludido reconhecimento da paternidade.
A esposa e a filha do falecido ajuizaram ação visando o reconhecimento de que J.A.S. não era filha daquele, com a consequente retificação no assento de nascimento da menor.
A juíza de Direito Fabiana Fiori Hallal, da comarca de Pelotas/RS, entendeu que restou comprovada a inexistência de vínculo biológico entre a criança e D.D.S., não só pela negativa da mãe em submetê-la ao exame de DNA, mas também porque houve afirmação manifestada exatamente nesse sentido pela própria genitora.
Além disso, verificou-se que, no ato de registro, D.D.S. não possuía discernimento para a prática do ato, em virtude de estar acometido, já há algum tempo, de problemas neurológicos. De fato, houve o reconhecimento da paternidade em 22/10/02 e, em reavaliação médica realizada em 7/11/02, ficou constatada a permanência de hemiparesia, sendo que o profissional responsável detectou déficit das funções cognitivas e motoras e, em especial, ausência de condições para firmar documentos.
Assim, a julgadora entendeu procedente a ação declaratória de inexistência de filiação legítima, e o recurso da recorrente contra a sentença foi negado, em unanimidade, pelo TJ/RS.
A causa foi patrocinada pelo advogado Eduardo Sayão Lobato Chapon, da banca Advocacia Neves.
Veja abaixo a íntegra do acórdão.
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PEDIDO DE ANULAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. NEGAÇÃO DE PATERNIDADE. EXAME DE DNA. RECUSA DA RÉ. INEXISTÊNCIA DE LIAMES BIOLÓGICO E SOCIOAFETIVO. REGISTRO PROCEDIDO QUANDO O PAI REGISTRAL NÃO ESTAVA NO PLENO GOZO DAS SUAS FACULDADES MENTAIS. CABIMENTO.
1. Embora o ato de reconhecimento de filho seja irrevogável (art. 1º da Lei nº 8.560/92 e art. 1.609 do CC) é possível promover a anulação do registro, quando fica sobejamente demonstrado o vício do ato jurídico.
2. A recusa da ré em submeter-se ao exame pericial e a sua afirmação taxativa que o pai registral não é o pai biológico da ré, confere certeza acerca da inexistência do liame de consangüinidade, e a alegação de que o pai registral foi induzido a erro ao proceder o registro de filiação fica demonstrada pela ampla prova coligida, pois ele não estava no gozo pleno das suas faculdades mentais, o que enseja a anulação do registro civil. Recurso desprovido.
APELAÇÃO CÍVEL
SÉTIMA CÂMARA CÍVEL
COMARCA DE PELOTAS
J.A.S. P.S.M.N.A. APELANTE
L.T.S.L.S.G. APELADO
S.D.D.S. INTERESSADO
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Magistrados integrantes da Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, negar provimento ao recurso.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores DES. ANDRÉ LUIZ PLANELLA VILLARINHO E DR. ROBERTO CARVALHO FRAGA.
Porto Alegre, 24 de agosto de 2011.
DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES,
Presidente e Relator.
RELATÓRIO
DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES (PRESIDENTE E RELATOR)
Trata-se da irresignação de J. A. S. com a r. sentença que julgou procedente a ação declaratória de inexistência de filiação legítima que lhe movem L.T.S. e L.S.G., para o fim de decretar a nulidade do ato de reconhecimento de paternidade e declarar que D.D.S. não é pai de J. A. S..
Sustenta a recorrente que nos prontuários não há qualquer registro dos sinais e sintomas, tampouco falta de lucidez ou alterações das funções cognitivas, pois a doença em que o de cujus ficou acometido, hemiparasita à esquerda, significa uma diminuição da força muscular na metade esquerda do corpo, ou seja, no braço e na perna esquerda. Diz que o atestado juntado na fl. 147 também não merece credibilidade. Alega ser impossível de o médico ter emitido atestado quando o mesmo afirma que provavelmente não possuía os exames de D.D.S., emitiu o atestado a pedido da filha do de cujus, não lembra se ela levou documentos, lembra pouco do paciente, não foram apresentados os fichários de medições, tampouco a tomografia computadorizada. Salienta que nada nos autos sugere que o autor da herança tenha sido induzido a erro pela mãe da criança, nem que tenha havido qualquer vício de vontade no registro da menina. Pretende a reforma da decisão para que seja julgada improcedente a demanda. Pede o provimento do recurso.
Intimados, os recorridos apresentaram suas contra-razões, aduzindo que, conforme constou no termo de acordo e na ata de audiência de fl. 143, a menor J. A. S.. não é filha biológica de D.D.S.. Dizem que tudo leva a crer ser o pedido da exordial juridicamente tutelável e perfeitamente possível. Alegam que as razões recursais não são suficientes para alterar o conteúdo decisório, eis que a julgadora primou pelo exame detalhado dos fatos e da situação jurídica trazida à baila. Ressaltam que não se tem alguma comprovação de que teria havido alguma relação entre o falecido e a recorrente, não havendo notícias de que D.D.S. tenha agido como se pai fosse. Salientam que o relacionamento de N. com seu convivente sequer foi alvo de qualquer comentário por parte da recorrente, situação que causa estranheza. Pedem o desprovimento do recurso.
Com vista dos autos, a douta Procuradoria de Justiça lançou parecer opinando pelo conhecimento e desprovimento do recurso.
Esta Câmara adotou o procedimento informatizado, e friso que foi observado o disposto no art. 551, § 2º, do CPC.
É o relatório.
VOTOS
DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES (PRESIDENTE E RELATOR)
Estou confirmando a douta sentença hostilizada pelos seus próprios e jurídicos fundamentos.
Com efeito, observo que a prova constante nos autos demonstra de forma inequívoca a inexistência da filiação biológica, assim como nada nos autos evidencia a paternidade socioafetiva, ficando claro que D.D.S. foi induzido em erro ao fazer o reconhecimento da menor J.A.S., pois não estava no gozo pleno das suas faculdades mentais.
Embora, o ato de reconhecimento de filho seja irrevogável (art. 1º da Lei nº 8.560/92 e art. 1.609 do CCB), é possível promover a anulação do registro, quando fica sobejamente demonstrado o vício do ato jurídico, isto é, coação, erro, dolo, simulação ou fraude. E no caso em exame, o autor foi induzido em erro, como ficou bem demonstrado nos autos.
Destaco, por oportuno, que, mesmo quando comprovada a inexistência do liame biológico, o acolhimento do pleito anulatório somente se justifica quando comprovada a ocorrência de vício no ato jurídico e inexistente um sólido vínculo socioafetivo.
No caso em exame, observo inicialmente que o nascimento de J.A.S. se deu em 1º de setembro de 2002, sendo que seu registro de nascimento foi lavrado em 22 do outubro de 2002 (fl. 14), constando como pai registral da menor, D.D.S., que, na época, contava 79 anos de idade, sendo que faleceu em março de 2004 (fl. 12).
Ora, ficou cabalmente comprovada a inexistência do liame biológico, pois, ainda que não tenha havido a realização do exame de DNA, por exclusiva negativa da ré, genitora da menor, a própria genitora de J.A.S. encarregou-se de afirmar que D.D.S. efetivamente não é o pai biológico da infante (fl. 143), bem como se vê dos atestados médicos, firmados pelo Dr. Vicente Petrolini Carvalho (fls. 15 e 147), que D.D.S. esteve internado de 30 de setembro de 2002 até 6 de outubro de 2002, em decorrência de acidente vascular cerebral, sendo que, em reavaliação médica realizada no dia 7 de novembro de 2002, foi constatado que permanecia o déficit de funções cognitivas e motoras de D.D.S., sendo afirmada, de forma categórica, a inexistência de condições clínicas para ele firmar documentos.
Dessa forma, restou comprovado que o autor, efetivamente, não estava no pleno gozo das suas faculdades mentais ao fazer o reconhecimento da filiação, pois ele apresentava déficit de funções cognitivas e motoras, não possuindo condições clínicas para firmar documentos…
Da mesma forma, nada sugere a existência de um vínculo socioafetivo, justificando-se plenamente o pleito anulatório, pois ficou claro que ele não mantinha nenhum contato com a infante, nem existiu entre eles um significativo relacionamento afetivo, até mesmo pelo curto período compreendido entre o nascimento da menor, como dito anteriormente, ocorrido em 1º de setembro de 2002 e o falecimento de D.D.S., que se deu em 19 de março de 2004.
Com tais considerações, estou acolhendo, também como razão de decidir, o bem lançado parecer do Ministério Público, de lavra do culto PROCURADOR DE JUSTIÇA RENATO VINHAS VELASQUES, que peço vênia para transcrever, in verbis:
Não assiste razão à recorrente.
L.e L., respectivamente, esposa e filha do falecido D.D.S., ajuizaram a presente demanda visando o reconhecimento de que J.A.S. não é filha deste, com a conseqüente retificação no assento de nascimento da menor. Com o julgamento de procedência da ação, sobreveio apelo da menor, o qual, todavia, com a devida vênia, não merece ser provido.
Em 2002, quando D.D.S. contava 79 (setenta e nove) anos e a genitora da infante vinte e três, foi efetuado o registro de nascimento da menor (fl. 14). Em 2004, sobreveio o falecimento do pai registral e, com a abertura do inventário, veio à tona o aludido reconhecimento da paternidade.
Ocorre que, durante a demanda, restou incontroversa a inexistência de vínculo biológico entre a recorrente e D.D.S., não só pela negativa da genitora da infante em submetê-la ao exame de DNA, mas também porque houve afirmação manifestada exatamente nesse sentido pela própria genitora (fl. 143). Ademais, tendo em vista depoimento testemunhal (fl. 306) e documento da baixa hospitalar para a realização do parto (fl. 287), é provável que o companheiro de N. era E., não havendo qualquer prova de que tenha havido relacionamento amoroso entre D.D.S. e N..
Não há que se falar, ainda, em paternidade socioafetiva, dada a inexistência de qualquer comprovação hábil nesse sentido, assim como pelo curto interregno decorrido entre o nascimento da menor (setembro de 2002) e o falecimento de D.D.S. (março de 2004).
Em que pese o reconhecimento de filho fora do casamento ser irrevogável, consoante dispõe o artigo 1.609 do Código Civil, verifica-se que, no ato de registro, D.D.S. não possuía discernimento para a prática do ato, em virtude de estar acometido, já há algum tempo, de problemas neurológicos.
Com efeito, os médicos que cuidaram do falecido nos anos anteriores ao seu passamento, em depoimentos prestados nestes autos (fls. 302/303), assim como os atestados firmados, dão conta que D.D.S. esteve em internação hospitalar de 30 de setembro a 06 de outubro de 2002, em razão de acidente vascular cerebral.
Em seqüência, houve o reconhecimento da paternidade em 22 de outubro de 2002 (fl. 14); todavia, em reavaliação médica realizada em 07 de novembro daquele ano, ficou constatada a permanência de hemiparesia, sendo que o profissional responsável detectou déficit das funções cognitivas e motoras e, em especial, ausência de condições para firmar documentos (fls. 15 e 147).
Por conseguinte, inexistindo liame biológico entre a apelante e o falecido, tampouco havendo demonstração de relação de socioafetividade, não há porque se manter o registro efetuado, ainda mais quando realizado por pessoa que não possuía, naquele momento, o necessário discernimento para a prática do ato.
Nesse sentido também a jurisprudência:
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE COM CANCELAMENTO DE REGISTRO E EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS. INEXISTENTE A PATERNIDADE BIOLÓGICA E AUSÊNCIA DE AFETIVIDADE ENTRE PAI REGISTRAL E FILHA. ANULAÇÃO DE REGISTRO DE NASCIMENTO. CABIMENTO. Não sendo o autor o pai biológico da requerida e inexistindo relação socioafetiva entre eles, a verdade biológica deve prevalecer sobre a verdade registral. Recurso desprovido. (Apelação Cível Nº, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Raupp Ruschel, Julgado em 10/06/2009)” (sem grifo no original)
Não prospera, portanto, a pretensão recursal, devendo ser mantida a sentença objurgada.
Ante o exposto, o Ministério Público opina pelo conhecimento e desprovimento do recurso.
Diante disso, considerando que não chegou a ser estabelecido o liame socioafetivo entre a recorrente e D.D.S., nem havia liame biológico entre ambos, conforme a própria genitora da menor afirmou (fl. 143), e que D.D.S. efetivamente foi induzido em erro, pois não estava no pleno gozo das suas faculdades mentais, impõe-se a manutenção da sentença, justificando-se plenamente o pleito anulatório.
ISTO POSTO, nego provimento ao recurso.
DES. ANDRÉ LUIZ PLANELLA VILLARINHO (REVISOR) – De acordo com o(a) Relator(a).
DR. ROBERTO CARVALHO FRAGA – De acordo com o(a) Relator(a).
DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES – Presidente – Apelação Cível nº 70035165166, Comarca de Pelotas:
"NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME."
Julgador(a) de 1º Grau: FABIANA FIORI HALLAL
Fonte: Migalhas