Minas tem queda acentuada no número de nascimentos durante a pandemia de Covid-19: ‘nunca antes na história’

Apesar dos dados reais que mostram a queda, médicos são prudentes e afirmam que é cedo para afirmar se a pandemia foi a principal causa

Minas tem queda acentuada no número de nascimentos durante a pandemia de Covid-19: ‘nunca antes na história’
O segundo ano da pandemia de Covid-19, no Brasil, em 2021, registrou o menor número de nascimentos da série histórica, iniciada em 2003, com 2,6 milhões de crianças, o que representa 43 mil nascimentos a menos que em 2020, ou uma queda de 1,6%, conforme dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em Minas Gerais, segundo o Sindicato dos Oficiais de Registro Civil das Pessoas Naturais do Estado de Minas Gerais (Recivil), foram 244.897, no mesmo ano, números também em queda.

Para o coordenador médico da Maternidade Hilda Brandão, da Santa Casa de Belo Horizonte, Francisco Lírio Ramos Filho, é preciso um estudo mais aprofundado sobre o tema para afirmar, com responsabilidade, que a queda no número de nascimentos é um efeito provocado pela pandemia de Covid-19. Por outro lado, ele reforça que, de fato, foi uma redução importante em Minas e no Brasil, especialmente nos últimos dois anos.

“Uma queda muito importante, em Minas, de 2021 para 2022, de 10,97%. A gente nunca viu, na história, uma queda tão grande. No Brasil, de 2021 para 2022, foi registrada uma queda de 7,5%, nos números absolutos de nascidos vivos e, em Minas Gerais, caiu de 241.632, em 2021, para 215.121, em 2022.”

O médico chama a atenção, inclusive, para a razão de mortalidade materna que também aumentou durante a pandemia.

“Aumentou muito no Brasil de 2020 para cá em decorrência da pandemia. Então, o risco das mulheres morrerem durante a gravidez ou até 42 dias após o término da gravidez, que era entre 50 e 60 mortes maternas para cada 100.000 nascidos vivos em 2021, esse número pulou para 110 mortes maternas para cada 100.000 nascidos vivos em 2022.”

Mães da pandemia
Entre as mulheres que tiveram filhos durante o auge da pandemia, está a contadora Fabíola Cristina Portes Honorato, mineira de 36 anos, mãe do pequeno Pedro, de 1 ano e 8 meses. Um pouco antes, porém, ainda em 2019 ela teve uma gravidez anebrionária, na qual o embrião não se desenvolve. Passado o processo de superação desse momento difícil, ela tentou de novo e em 2020 ela engravidou mais uma vez.

“A gente pensa, na minha idade, já estava passando dos 35 e eu fiquei, meu Deus eu não posso deixar que a pandemia me pare agora. Eu preciso começar a tentar novamente, porque eu não sei daqui pra frente como que vai ser, se eu vou conseguir engravidar rápido. A gente não sabia quando essa pandemia ia acabar. Eu falei, vou tomar meus cuidados e não vou deixar de tentar por causa disso.”

Apesar de vivenciar muitos medos e dúvidas, Fabíola seguiu em frente, com acompanhamento médico. Ainda assim, em março de 2021 ela pegou Covid-19, quando ainda não havia vacinas. Após 10 dias apreensiva, ela se recuperou e a gravidez continuou até o nascimento. O sentimento, atual, é de gratidão, apesar dos desafios provocados pelo isolamento e medos durante o processo.

“Peguei Covid em março. Eu acho que eu estava com seis meses mais ou menos de gestação. Mas, foi muito tranquilo graças a Deus. Mas, hoje, a gente olhando pra trás a gente fala ‘pôxa que risco né’. Com ele completando quase dois anos, olho tudo que a gente passou e eu tenho muita gratidão por estar aqui, saudáveis. Ele não tem nenhuma sequela da minha Covid.”

Superação, sem dúvidas, é um dos grandes trunfos das mães da pandemia, como é o caso da Elisa Pimenta Pinheiro, 42 anos, que engravidou do Nicolas em julho de 2020. O filho nasceu em março de 2021, “mais ou menos uns quinze dias após de estourada a pandemia”, relembra Elisa.

Com a proximidade do parto, a mãe relata que viveu angustiada, frente à incerteza do futuro e precisou refazer planejamentos já que os partos não podiam ser acompanhados.

“Eu já tinha pedido aquele quarto que tem um vidro para que as pessoas pudessem ver o momento do nascimento. A fotógrafa, por exemplo, que eu havia contratado para fazer o parto, caiu por terra. Enfim, nada do que eu tinha planejado durante o parto eu poderia ter. Além disso, tinha que ficar com a minha filhinha de três anos em casa, 24 horas, porque ela não iria mais para escolinha.”

Ao escolher uma palavra, para descrever o turbilhão de gerir, dar à luz e criar um recém-nascido na pandemia, Elisa disse readaptação.

“A gente teve que se readaptar. Porque a pandemia não teve simplesmente um fim brusco. Ela foi aos poucos, a gente foi ganhando. Primeiro, os meninos voltaram à escola, com máscara, para poder tirar e depois a gente foi liberando, foram voltando as atividades. “

Medo do futuro
O Brasil, seguindo uma tendência mundial, vem apresentando uma queda da taxa de natalidade e de fecundidade, segundo dados do IBGE ao longo dos anos. “Desde as décadas de 70/80, a taxa de fecundidade vem caindo de forma significativa. Na década de 60, por exemplo, essa taxa estava em torno de seis filhos por mulher; na década de 80, eram quatro filhos por mulher; no ano de 2000, essa taxa de fecundidade era de 2,2 e, em 2020, uma média de 1,65 filhos”, conforme o Instituto.

O médico William Pereira Alves, 32 anos, residente de psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), explica que essa queda no número de nascimentos durante a pandemia, a menor desde 1974, é acrescida por uma série de outros fatores, como sociais, culturais e econômicos. Contudo, o medo em relação ao futuro causou um impacto negativo no número total de nascimentos.

“Ao longo do período da pandemia, a apreensão que o brasileiro viveu frente à incerteza sobre o futuro, especialmente durante o pior momento, fez com que em um curto espaço de tempo nós mudássemos a rotina completamente. Vale ressaltar, também, que durante a pandemia os serviços de saúde estavam sobrecarregados. Então, aquele casal que planejava ter um filho precisou refletir e recalcular a rota.”

Outro fator que pode ter sido decisivo na avaliação do médico, para muitos casais, é atribuído ao fato de que durante a gestação havia o risco de uma séria de complicações, tanto para o bebê quanto para a mãe, como a possibilidade de um parto prematuro.

“A infecção por Covid durante a gestação aumenta o risco de uma série de complicações, tanto para o bebê e também para a mãe. Pensando do ponto de vista da gestante, se a gente compara mulheres grávidas com mulheres não grávidas e ambas tendo infecções por Covid, a gente sabe que as mulheres grávidas têm um maior risco de desenvolver complicações. Então, todos os fatores somados levaram certamente o brasileiro, durante o período da pandemia, a ser desestimulado a pensar numa gestação.”

A expectativa para os próximos anos é de mudança, principalmente após a descoberta das vacinas contra a Covid-19.

“Passada a pior fase da pandemia com a retomada progressiva da rotina, o esvaziamento dos serviços de saúde e a maior segurança pela cobertura vacinal, esperamos retomar a taxa de natalidade pelo menos num patamar próximo do que tínhamos num período pré-pandemia. Mas, ainda, seguindo aquela tendência que a gente já vem acompanhando há várias décadas com uma redução progressiva do número de nascimentos.”

Nascimentos durante a pandemia
Nascimentos em Minas – 2020

248.627

Nascimentos em Minas – 2021

244.897

Nascimentos em Minas – 2022

238.542

*Dados são de março de 2023 I Recivil de Minas Gerais

Dados no Brasil
No Brasil, os dados levantados pelos cartórios e divulgados em 2022, pelo Recivil, apontam que, nos quase dois anos completos de pandemia, mais de 320 mil crianças foram registradas somente com o nome da mãe na certidão de nascimento. O número, que representa 6% dos recém-nascidos brasileiros, ganha ainda mais relevância quando os últimos dois anos apontaram a menor quantidade de nascimentos no país.

Além disso, os reconhecimentos de paternidade caíram mais de 30% quando comparados a 2019, último ano antes da chegada da COVID-19. Em números absolutos, 327.806 recém-nascidos em 2020 e 2021 foram registrados com apenas o nome da mãe em sua certidão de nascimento, sendo 160.407 no primeiro ano de pandemia, e 167.399 mil no segundo ano.

Os dados nacionais também mostram queda no número de nascimentos na pandemia: em 2020, foram 2.644.562 registros; já em 2021, foram 2.642.261.

Autora: Clarissa Guimarães

Fonte: Rádio Itatiaia