Mulher consegue alteração de registro civil por “posse prolongada de nome”

A Justiça do Paraná concedeu a uma mulher o direito à retificação de seu registro civil por posse prolongada de nome. Desde os primeiros anos de vida ela é reconhecida por todos por um prenome diferente daquele de seu registro, que agora deverá constar de seu assento de nascimento e demais documentos de identificação pertinentes.

Há 40 anos, cada genitor da autora havia escolhido um prenome para a filha que estava por nascer, mas não conseguiram chegar a um acordo sobre qual utilizar. Sozinho, o pai registrou a menina com os dois prenomes, o que aborreceu a mãe, já que um dos nomes era de uma antiga namorada do marido.

Já à época, a mãe decretou que a filha não seria chamada por nenhum dos prenomes e escolheu um terceiro, aquele ostentado pela mulher por mais de quatro décadas. A divergência entre os prenomes registral e o real sempre representou motivo de angústia e sofrimento na vida da mulher, a ponto de ninguém a conhecer ou lhe tratar pelo prenome dos registros.

No processo, foram apresentadas diversas declarações de amigos e parentes – incluindo irmã, marido e filha -, além de certificados de seminário da igreja em que a autora da ação frequenta, que dão conta da divergência entre o registro civil e sua realidade. Ela nunca foi chamada pelo nome registral, tanto que só veio a descobri-lo aos 7 anos, quando foi à escola.

Imutabilidade do prenome

Na decisão da Vara de Registros Públicos e Corregedoria do Foro Extrajudicial de Curitiba, o juiz lembrou que o artigo 58 da Lei 6.015/1973 trata da imutabilidade do prenome. Todavia, sendo o nome civil um direito da personalidade, por designar o indivíduo e o identificar perante a sociedade, revela-se possível a sua modificação em hipóteses previstas na mesma legislação, segundo o magistrado.

De acordo com a legislação, espera-se que alteração seja feita no primeiro ano após atingir a maioridade civil e, ultrapassado esse prazo, por exceção e justo motivo, o feito será possível mediante apreciação judicial e após audiência do Ministério Público. A autora da ação já estava com 38 anos à época do ajuizamento da demanda, contudo, o caso encontrou respaldo na segunda hipótese.

A posse prolongada do nome tem jurisprudência, ressaltada na sentença com determinações do Superior Tribunal de Justiça – STJ (REsp 1.217.166) e do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná – TJPR. Assim, o juiz entendeu pela procedência do pedido inicial. Ressaltou, na decisão, que se “um nome mais agradável aos ouvidos de sua detentora poderá lhe proporcionar maior inclusão social, emocional, escolar e profissional, entendo que não há óbice para a retificação pleiteada”.

Justo motivo

“O pleito da cliente era de que os seus documentos expressassem a sua vida”, sintetiza Viviane Vaz Vieira Kanayama, advogada que atuou no caso, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM. Ela opina que a decisão foi “uma verdadeira aula sobre a interpretação e a aplicação do artigo 57 da Lei dos Registros Públicos”.

“Garante um caro direito de personalidade – direito ao nome civil – pois a retificação do prenome expressa a sua verdadeira identificação perante a sociedade. Para a minha cliente, ter esse direito personalíssimo reconhecido representa uma adequação dos seus documentos que, quando forem alterados, vão passar a representar realmente a sua pessoa”, avalia Viviane.

Ela observa que a alteração registral pela posse prolongada do nome encontra fundamento nos artigos 56 e 57 da Lei de Registros Públicos. Os dispositivos demonstram, segundo a advogada, que a imutabilidade do nome não é absoluta, mas relativa. “A expressão ‘justo motivo’ permite a interpretação de acordo com o caso concreto e não com base em conceitos pré-definidos”, destaca.

“O prenome registral da autora a priori não fere a moral, nem os bons costumes do homem médio, mas era motivo de muito sofrimento, pois não a identificava perante a sociedade. Além disso, o princípio constitucional da dignidade humana (art. 1, III) orienta exatamente essa solução, já que permite que a pessoa seja verdadeiramente identificada perante os seus pares e tenha garantido o seu direito ao nome civil conforme o artigo 16 do Código Civil”, conclui Viviane.

 

Fonte: Ibdfam