O nome do nascituro como direito da personalidade

*Letícia Franco Maculan Assumpção.

O “DNA” é o nome biológico do indivíduo, é o que a torna única, mas é preciso um exame médico para conhecê-lo, razão pela qual pode ser considerado o nome oculto da pessoa. Já o prenome e o apelido, ou sobrenome, constituem o nome civil das pessoas: o nome civil é o aparente, o evidente, o que é conhecido mesmo antes de vermos a pessoa ou sermos a ela apresentados formalmente. Tanto o “DNA” quanto o nome civil são igualmente importantes, pois constituem direitos da personalidade.

A Constituição de Portugal, em seu artigo 1.º, estabelece que o país é uma República Soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular, empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária. A Constituição enfatiza a legalidade democrática ao prever que todos os cidadãos têm direito ao gozo dos direitos e também têm a obrigação de se sujeitarem aos deveres previstos em lei. O Estado Democrático de Direito está assente não apenas na legalidade, mas principalmente na legitimidade democrática, exigindo respeito aos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, como leciona Jorge Miranda[1]. Somente existe justiça na presença de igualdade entre as pessoas.

O conceito de justiça permeia a ordem jurídica enquanto fundamento do pressuposto ético[2]. O legislador, no seu tempo e no seu espaço, capta os valores da justiça no momento da elaboração da norma jurídica. A Constituição exerce controle formal e também substancial das demais leis, garantindo os direitos individuais, conservando em si a fonte de legitimação das políticas públicas e de validade para as normas jurídicas, bem como de garantia de acesso às liberdades fundamentais[3].

O objetivo deste trabalho é analisar se o nascituro tem ou não direitos da personalidade e, em consequência, direito a um nome. Para compreensão do tema, será necessário trazer o conceito de “nascituro”, conforme doutrina do Brasil e de Portugal. Em seguida, buscaremos responder as perguntas a seguir: o que são direitos da personalidade? O nascituro, também chamado de feto ou de embrião, é uma pessoa humana e tem direitos da personalidade, entre os quais o nome? Qual a posição da jurisprudência em Portugal e no Brasil sobre os direitos do nascituro? Em caso de óbito fetal, pode ser atribuído um nome ao nascituro?

1 Os direitos da personalidade

O “DNA” é o nome biológico do indivíduo, é o que a torna única, mas é preciso um exame médico para conhecê-lo, razão pela qual pode ser considerado o nome oculto da pessoa.  Já o prenome e o apelido, ou sobrenome, constituem o nome civil das pessoas. O nome civil é o aparente, o evidente, o que é conhecido mesmo antes de vermos a pessoal ou sermos a ela apresentados formalmente. Tanto o “DNA” quanto o nome civil constituem direitos da personalidade.

Pontes de Miranda define direitos da personalidade como todos os direitos necessários à realização da personalidade e à inserção da pessoa nas relações jurídicas. Para ele, o primeiro dos direitos da personalidade é o da personalidade em si mesma, que não se trata de direito sobre a pessoa. O direito de personalidade é o direito que se irradia do fato jurídico da personalidade[4]. Para Carlos Alberto Bittar são “direitos inatos (originários), absolutos, extrapatrimoniais, intransmissíveis, imprescritíveis, impenhoráveis, vitalícios, necessários e oponíveis erga omnes”.[5] A intransmissibilidade dos direitos da personalidade resulta da infungibilidade da pessoa, ou seja, do fato de ser a pessoa insubstituível e única[6].

A pessoa é “célula originária, realidade estruturante do direito”[7]. Os direitos da personalidade asseguram a dignidade da pessoa humana, que é o alicerce sobre o qual se edifica o ordenamento jurídico, segundo o qual a pessoa é o pressuposto e o fim do direito: é a sua realidade primeira e básica. A personalidade jurídica é a suscetibilidade de ser sujeito das relações jurídicas, portanto, possuem personalidade jurídica os indivíduos humanos. Outras entidades, por analogia e de maneira derivada, receberam também da ordem jurídica a personalidade, mas não há dúvida de que os bens e interesses dos homens concretos são os que estão na raiz da ordem jurídica.

É preciso distinguir personalidade jurídica de capacidade jurídica. A personalidade jurídica designa a suscetibilidade de ser sujeito de relações jurídicas. Não há meio termo quanto à personalidade jurídica, a pessoa é ou não é. A capacidade jurídica, por outro lado, é uma medida variável, abrangendo os direitos e as vinculações de que a pessoa pode ser titular ou destinatária, denominada capacidade de gozo, ou o poder de exercer por si mesma e livremente os direitos, chamada de capacidade de exercício ou capacidade de agir. A personalidade jurídica é um pressuposto da capacidade, não havendo dúvida de que a toda pessoa pertence a capacidade de gozo de direitos, mas a capacidade de exercício não é genérica, de modo que certas pessoas não a possuem[8].

Questão de importância crucial é a relativa ao momento de aquisição da personalidade pelos indivíduos humanos. Há duas teses sobre o tema: a natalista, baseada no nascimento, e a concepcionista, com fundamento na concepção.

Para prosseguirmos na análise do tema, devemos estabelecer o conceito de nascituro. A palavra nascituro deriva do latim “nasciturus”, ou seja, aquele que há de nascer. Em Portugal, Mário Bigotte Chorão defende um conceito amplo de nascituro, designando o “fruto da geração humana desde a fecundação ao nascimento.”[9]

No Brasil, De Plácido e Silva assim conceitua o termo nascituro: “designa, assim, o ente que está gerado ou concebido, tem existência no ventre materno: está em vida intra-uterina. Mas, não nasceu ainda, não ocorreu o nascimento dêle, pelo que não se iniciou sua vida como pessoa”.[10] Para Maria Helena Diniz, o conceito de nascituro é: “Aquele que há de nascer, cujos direitos a lei põe a salvo”.[11] Já para Flávio Tartuce, o nascituro é “aquele que foi concebido e ainda não nasceu”.[12]

Silmara Juny Chinellato, referência brasileira sobre tutela civil do nascituro, afirma que “nascituro é aquele que está por nascer, já concebido”. Melhor explicando, complementa: “o conceito amplo de nascituro – o que há de nascer – pode abarcar tanto o implantado como o embrião pré-implantatório”.[13]

O nascituro titula ou não os direitos da personalidade?  Para dar resposta a essa questão, deve-se considerar que não é possível que exista um indivíduo humano dotado de personalidade jurídica e desprovido de direitos, também não sendo concebível que existam direitos sem sujeito[14]. O direito é sempre algo de alguém. Assim, ou não se reconhecem direitos ao nascituro, ou não podem ser a ele negados esses direitos. Trata-se de uma indagação com enorme alcance ético-jurídico, refletindo “o abismo ontológico existente entre o ser da pessoa, como sujeito e fim-em-si-mesma, e a realidade das coisas, enquanto instrumentos e meios ao seu serviço”.[15]

O doutrinador Mário Emílio Bigotte Chorão defende o personalismo autêntico ou realista[16], apontando que, para essa corrente, existem as seguintes implicações jurídicas fundamentais: “a) a centralidade da pessoa na ordem jurídica; b) o reconhecimento da personalidade jurídica de todos os seres humanos enquanto pessoas em sentido natural; c) a aplicação a todos os indivíduos humanos do princípio da capacidade genérica de gozo de direitos; d) a garantia da efectividade dos direitos.”[17]

Em Portugal, o artigo 66.º, 2, do Código Civil, não reconhece a personalidade jurídica do nascituro, adotando a teoria natalista ao afirmar: “Os direitos que a lei reconhece aos nascituros dependem do seu nascimento”[18]. Entretanto, para Stela Barbas, existe doutrina significativa que se inclina no sentido de que há vida e personalidade a partir da concepção[19].

Também no Brasil, o Código Civil adotou a teoria natalista, somente reconhecendo personalidade jurídica à criança após o nascimento com vida[20]. No entanto, o Brasil é signatário do Pacto de San José da Costa Rica, o qual afirma que a vida deve ser protegida a partir da concepção[21]. E deve ser verificado que o Supremo Tribunal Federal já definiu que tratados e convenções acerca de direitos humanos são recepcionadas com “status” de norma supralegal[22]. Logo, no Brasil, os tratados e convenções acerca de direitos humanos prevalecem sobre as leis e produzem diretamente direitos e deveres para os habitantes do território nacional.

A proteção da pessoa humana é o tema do momento do Direito Civil de Portugal e também do Brasil. Para Flávio Tartuce, é preciso reconhecer a prevalência de um Direito Civil amparado na proteção da pessoa, distanciado de uma visão anterior, que era essencialmente patrimonialista, sendo que a visão personalista tem grande relevo no estudo das questões atinentes ao nascituro[23].

O estudo da personalidade jurídica ganha importância com a revolução biotecnológica e com a discussão do estatuto jurídico do embrião, sendo questão fundamental de direito constitucional, não apenas do biodireito ou do direito civil. O direito é uno, é um sistema, e a definição da personalidade jurídica do nascituro tem repercussão em todas as áreas, inclusive no que se refere ao nome civil do nascituro.

2 O nascituro é pessoa humana e tem personalidade?

A necessidade de repersonalização do direito, para proteger a dignidade da pessoa humana e a sua identidade única e irrepetível, é defendida por Stela Barbas. Por isso a importância de ser estudado o conceito de pessoa humana, buscando a filosofia[24], estando atento para o fato de que não é possível “isolar a filosofia da ciência nem a ciência da filosofia”. É certo que a “filosofia que deve compreender o que é a pessoa”, mas a filosofia não é capaz de determinar “qual é ou deve ser o substrato jurídico da pessoa”. A filosofia, pois, limita-se a “integrar o facto de que pessoa não é possível sem este substrato biológico”.[25]

A ideia de pessoa como hoje entendemos começou com o Cristianismo, que acolheu a teoria de que todos os seres humanos possuem igual dignidade, por terem sido concebidos à imagem e semelhança de Deus. Para S. Tomás de Aquino, a “pessoa é o que há de mais perfeito em todo o universo”, é um ser dotado de racionalidade, de espiritualidade e de liberdade[26]. Antes do Cristianismo, não havia universalidade do conceito de pessoa, apenas alguns possuíam este “status”, de modo que, na Grécia de Aristóteles, escravos e mulheres não eram pessoas, eram seres intermediários entre os homens e os animais[27].

Kant destaca o aspecto ético na constituição de pessoa, definindo-a como centro de liberdade e independência perante o mecanismo da natureza. A pessoa é um fim em si mesma e não pode ser tratada como coisa ou ser substituída por outrem. O caráter transcendental do homem, ser capaz de autodeterminação, demonstra-se na capacidade de superar as limitações físicas e sociais específicas do homem enquanto indivíduo[28].

Max Scheler, filósofo alemão, no Séc. XX, afirmou que o Direito deve estar a serviço da pessoa[29], o que está de acordo com a posição adotada por Stela Barbas, para a qual o homem é o macrocosmo em relação ao microcosmo, pois a pessoa é um “ser corpóreo, racional e espiritual”, superando o mundo material. O homem, por ser homem, está dotado de dignidade. Por conseqüência, a dignidade é própria de todos os homens e todos os homens são iguais em dignidade, além disso, a dignidade é exclusiva do ser humano: as coisas e os animais não possuem dignidade.[30] Concordamos com Stela Barbas, para quem “A pessoa é um todo, uma unidade e não apenas uma parte. É o ponto de referência, o valor, o fim e não o meio para atingir o fim, é a realidade transcendente para o Direito, a Economia, a Política, a Ciência, a História.”[31]

Para o doutrinador brasileiro Gustavo Tepedino, há dois aspectos da personalidade. Considerando o ponto de vista estrutural, ou seja, os atributos da pessoa humana, que a habilitam a ser sujeito de direito, tem-se a personalidade como capacidade, indicando a titularidade das relações jurídicas. Por outro ponto de vista, a personalidade é “o conjunto de características e atributos da pessoa humana, considerada como objeto de proteção por parte do ordenamento jurídico”.[32] Em linha do que foi apresentado por Tepedino, Flávio Tartuce defende que personalidade não se confunde com a capacidade de direito, prevista no art. 1º do atual Código Civil do Brasil, que vem a ser a condição que a pessoa tem de ser sujeito de direitos e deveres, na ordem privada.[33]

Considerando o segundo aspecto mencionado por Gustavo Tepedino, por que razão o nascimento completo e com vida é requisito para a obtenção da personalidade? Há alguns posicionamentos que consideramos absurdos, mas aos quais devemos nos referir para questionar os limites hoje existentes para que um ser humano seja considerado pessoa. Hugo Tristan Engelhardt, professor de filosofia e médico, afirma que alguns indivíduos não são considerados pessoas, como os fetos, os bebês, os débeis mentais e os indivíduos em coma. Para ele, falta-lhes a autoconsciência, razão pela qual não têm o “status” de pessoa[34]. Não sendo pessoas, falta a eles o reconhecimento dos direitos da personalidade, inclusive o direito à vida. Soa totalmente absurdo, mas não será igualmente absurdo tentar colocar limites para considerar que um ser humano seja uma pessoa?

Para o realismo jurídico ou personalismo jusnaturalista, não há dúvida de que o nascituro possui personalidade jurídica. Trata-se de uma pessoa com capacidade de gozo de direitos, sofrendo, no entanto, de absoluta incapacidade de exercício dos referidos direitos[35], razão pela qual seus interesses devem ser protegidos. No entanto, a leitura do artigo 66.º, 1, do Código Civil de Portugal ou do art. 2.º, do Código Civil brasileiro[36], pode levar à interpretação de que a personalidade jurídica, enquanto suscetibilidade para os direitos e deveres, começa com o nascimento com vida. Se o nascituro é titular de direitos, porque tem suscetibilidade para o ser, por que a personalidade só tem início com o nascimento com vida?

Menezes Cordeiro, já em 1987, alertava sobre a urgência de repensar o conceito jurídico da personalidade, considerando as técnicas de reprodução assistida[37]. Mais recentemente, os Professores Diogo Leite de Campos e Stela Barbas fazem referência à biologia e à moderna embriologia para afirmar que a partir do momento da concepção já surge a vida humana, não havendo dúvida de que é sempre o mesmo indivíduo, único e insubstituível, que se desenvolve, amadurece e morre, de modo que o nascimento é apenas uma nova etapa de uma vida que já teve início com a fecundação. Como o ser humano é uma entidade pré-jurídica, impõe-se reconhecer a sua personalidade jurídica, que não é construída pelo ordenamento jurídico, consistindo um direito inato que caracteriza todas as pessoas. A proposta dos doutrinadores Diogo Leite de Campos e Stela Barbas é o fim do “instituto jurídico do nascimento” e a sua conclusão é de que começam com a concepção tanto a vida humana quanto a pessoa humana e a personalidade jurídica.[38]

Stela Barbas ensina que, a partir do momento em que as modernas técnicas da reprodução assistida tornaram viável a criação e desenvolvimento da vida humana em um ventre artificial, sem o ato natural de nascer, a tese de que a personalidade jurídica surge apenas com o nascimento ficou desvalorizada. Para ela, está perdida no tempo a norma constante do art. 66.º do Código Civil, que determina que a personalidade jurídica tem início com o nascimento, pois existe a vida desde a concepção. “O nascimento não produz o milagre de converter em humano algo que não o era”. Qual seria o tratamento jurídico para aqueles que não têm nascimento propriamente dito, porque provêm de ventre artificial? Não teriam eles personalidade jurídica porque não nasceram, já que o nascimento é condição essencial de atribuição de personalidade jurídica? Trata-se de um absurdo lógico-jurídico.[39] Stela Barbas ressalta que o embrião já é uma nova entidade única e irrepetível[40]. O embrião é aquilo que eu já fui[41], o nascituro “não é um nada humano”[42].

Juristas franceses, como Jean-Louis Baudouin e Catherine Labrusse Riou, defendem a personalidade desde a concepção, fazendo mesmo oposição à inseminação artificial, para que a “criança da ciência” não seja tratada como um objeto[43]. Essa também é a posição oficial do Vaticano, contestada por setores católicos, inclusive por Stela Barbas, para quem a inseminação homóloga, respeitadas certas condições, não viola valores essenciais e reforça o direito à procriação[44].

Em Portugal é reconhecida a dignidade do embrião. Analisando a atual jurisprudência, que vem admitindo indenização por dano sofrido pelo nascituro, Manuel Carneiro da Frada defende que, se são tutelados os interesses do nascituro, e não interesses singulares de outrem, “então forçoso se torna aceitar a personalidade jurídica do nascituro titular de tais interesses”. Mas o próprio doutrinador reconhece que a questão do estatuto jurídico do embrião representa um tema multifacetado e complexo, importante cada vez mais tendo em vista o avanço da ciência médica[45].

No Brasil, Carmen Lúcia Antunes Rocha ensina que, se a Constituição protege o direito à vida do ser humano, do “humanum genus”, não há dúvida de que o embrião está incluído na sua proteção jurídica, pois o “embrião é ser e é humano”.[46] Mas Mário Luiz Delgado adverte que existem posições em sentido contrário, que afirmam não haver o constituinte se manifestado sobre o termo “a quo” dos direitos da personalidade, dentre eles o direito à vida.[47]

Para Flávio Tartuce, o nascituro é pessoa humana, gozando de ampla proteção legal, sendo necessário virar as páginas bibliográficas que defendem as outras teses relativas ao nascituro e que não lhe atribuem personalidade jurídica o que, para um Direito Civil Personalizado, é inadmissível. Também pelo surgimento da quarta geração ou dimensão de direitos, aqueles relacionados com a proteção do patrimônio genético da pessoa humana, as teses que negam personalidade ao nascituro estão totalmente ultrapassadas[48].

Outra questão é se o Código Civil de Portugal e a Lei Civil do Brasil, ao tratar do nascituro, englobam ou não o embrião. Tartuce explica que, para Maria Helena Diniz, nascituro e embrião não se confundem, sendo o embrião o produto da fecundação do óvulo pelo espermatozóide, tendo vida extra-uterina.[49] Por isso, a doutrinadora elaborou proposta legislativa pela qual se alteraria o Código Civil do Brasil para prever que a personalidade civil da pessoa começa com o nascimento com vida, mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do embrião e do nascituro. Tartuce também menciona entendimento da Professora Heloísa Helena Barboza de que a figura do nascituro não se confunde com o embrião, defendendo ela que nascituro e embrião têm tratamento diferenciado, principalmente no tocante aos direitos sucessórios.[50]

Já para Silmara Juny CHINELLATO, também citada por Tartuce, a expressão nascituro engloba o embrião. Tendo em vista os avanços das técnicas de reprodução assistida, trazendo a necessidade de ser considerado o embrião pré-implantatório, CHINELLATO defende que não é a melhor tese a que faz coincidir a personalidade com a implantação do ovo ou do embrião “in anima nobile”. Para a doutrinadora, garantir a viabilidade de desenvolvimento da gravidez não coincide com negar a natureza ontológica e biológica do ser humano. “É preciso que os juristas se preocupem com a tutela civil e penal, a ser definida expressamente pela legislação do embrião pré-implantatório, impropriamente denominado pré-embrião, enquanto ainda in vitro ou crioconservado”. [51]    

Tartuce traz o posicionamento de Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, para quem “o conceito tradicional de nascituro – ser concebido e ainda não nascido – ampliou-se para além dos limites da concepção in vivo (no ventre feminino), compreendendo também a concepção in vitro (ou crioconservação)”. Para a doutrinadora, a ampliação no conceito se deu por causa das inovações biotecnológicas que possibilitam a fertilização fora do corpo humano. O nascituro permanece sendo o ser concebido embora ainda não nascido, mas sem que faça qualquer diferença o lugar da concepção.” [52]

Apesar de toda a argumentação acima, no Brasil, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento de ação direta de inconstitucionalidade (ADI) proposta pelo Procurador-Geral da República em face do artigo 5.º da Lei de Biossegurança, declarou, em maio de 2008, que nem todo embrião humano desencadeia uma gestação humana, em se tratando de experimento “in vitro”, condicionando a introdução do óvulo já fecundado no colo do útero feminino para que seja ele considerado um ser humano.” Em virtude disso, foi autorizada pesquisa com células-tronco embrionárias. Para o Tribunal Constitucional do Brasil, portanto, “um embrião congelado, que jamais será gerado, não pode gozar dos direitos de proteção da vida e da dignidade da pessoa humana.”[53]

O Supremo Tribunal Federal trata o embrião que não foi ainda implantado no útero como coisa e não como pessoa, como se pode observar do seguinte extrato: “O embrião pré-implanto é um bem a ser protegido, mas não uma pessoa no sentido biográfico a que se refere a Constituição.”[54]

Em razão da importância do referido acórdão para compreensão do posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal, abaixo reproduzimos as partes mais relevantes da sua ementa:

Ementa: CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DE BIOSSEGURANÇA. IMPUGNAÇÃO EM BLOCO DO ART. 5º DA LEI Nº 11.105, DE 24 DE MARÇO DE 2005 (LEI DE BIOSSEGURANÇA). PESQUISAS COM CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO DIREITO À VIDA. CONSITUCIONALIDADE DO USO DE CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS EM PESQUISAS CIENTÍFICAS PARA FINS TERAPÊUTICOS. DESCARACTERIZAÇÃO DO ABORTO. NORMAS CONSTITUCIONAIS CONFORMADORAS DO DIREITO FUNDAMENTAL A UMA VIDA DIGNA, QUE PASSA PELO DIREITO À SAÚDE E AO PLANEJAMENTO FAMILIAR. DESCABIMENTO DE UTILIZAÇÃO DA TÉCNICA DE INTERPRETAÇÃO CONFORME PARA ADITAR À LEI DE BIOSSEGURANÇA CONTROLES DESNECESSÁRIOS QUE IMPLICAM RESTRIÇÕES ÀS PESQUISAS E TERAPIAS POR ELA VISADAS. IMPROCEDÊNCIA TOTAL DA AÇÃO.

I – O CONHECIMENTO CIENTÍFICO, A CONCEITUAÇÃO JURÍDICA DE CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS E SEUS REFLEXOS NO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DA LEI DE BIOSSEGURANÇA. As “células-tronco embrionárias” são células contidas num agrupamento de outras, encontradiças em cada embrião humano de até 14 dias (outros cientistas reduzem esse tempo para a fase de blastocisto, ocorrente em torno de 5 dias depois da fecundação de um óvulo feminino por um espermatozóide masculino). Embriões a que se chega por efeito de manipulação humana em ambiente extracorpóreo, porquanto produzidos laboratorialmente ou “in vitro”, e não espontaneamente ou “in vida”. Não cabe ao Supremo Tribunal Federal decidir sobre qual das duas formas de pesquisa básica é a mais promissora: a pesquisa com células-tronco adultas e aquela incidente sobre células-tronco embrionárias. A certeza científico-tecnológica está em que um tipo de pesquisa não invalida o outro, pois ambos são mutuamente complementares.

II – LEGITIMIDADE DAS PESQUISAS COM CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS PARA FINS TERAPÊUTICOS E O CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. […] A escolha feita pela Lei de Biossegurança não significou um desprezo ou desapreço pelo embrião “in vitro”, porém u’a mais firme disposição para encurtar caminhos que possam levar à superação do infortúnio alheio. […].

III – A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DO DIREITO À VIDA E OS DIREITOS INFRACONSTITUCIONAIS DO EMBRIÃO PRÉ-IMPLANTO. O Magno Texto Federal não dispõe sobre o início da vida humana ou o preciso instante em que ela começa. Não faz de todo e qualquer estádio da vida humana um autonomizado bem jurídico, mas da vida que já é própria de uma concreta pessoa, porque nativiva (teoria “natalista”, em contraposição às teorias “concepcionista” ou da “personalidade condicional”). E quando se reporta a “direitos da pessoa humana” e até dos “direitos e garantias individuais” como cláusula pétrea está falando de direitos e garantias do indivíduo-pessoa, que se faz destinatário dos direitos fundamentais “à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”, entre outros direitos e garantias igualmente distinguidos com o timbre da fundamentalidade (como direito à saúde e ao planejamento familiar). Mutismo constitucional hermeneuticamente significante de transpasse de poder normativo para a legislação ordinária. A potencialidade de algo para se tornar pessoa humana já é meritória o bastante para acobertá-la, infraconstitucionalmente, contra tentativas levianas ou frívolas de obstar sua natural continuidade fisiológica. Mas as três realidades não se confundem: o embrião é o embrião, o feto é o feto e a pessoa humana é a pessoa humana. Donde não existir pessoa humana embrionária, mas embrião de pessoa humana. O embrião referido na Lei de Biossegurança (“in vitro” apenas) não é uma vida a caminho de outra vida virginalmente nova, porquanto lhe faltam possibilidades de ganhar as primeiras terminações nervosas, sem as quais o ser humano não tem factibilidade como projeto de vida autônoma e irrepetível. O Direito infraconstitucional protege por modo variado cada etapa do desenvolvimento biológico do ser humano. Os momentos da vida humana anteriores ao nascimento devem ser objeto de proteção pelo direito comum. O embrião pré-implanto é um bem a ser protegido, mas não uma pessoa no sentido biográfico a que se refere a Constituição.

IV – AS PESQUISAS COM CÉLULAS-TRONCO NÃO CARACTERIZAM ABORTO. MATÉRIA ESTRANHA À PRESENTE AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. É constitucional a proposição de que toda gestação humana principia com um embrião igualmente humano, claro, mas nem todo embrião humano desencadeia uma gestação igualmente humana, em se tratando de experimento “in vitro”. Situação em que deixam de coincidir concepção e nascituro, pelo menos enquanto o ovócito (óvulo já fecundado) não for introduzido no colo do útero feminino. O modo de irromper em laboratório e permanecer confinado “in vitro” é, para o embrião, insuscetível de progressão reprodutiva. Isto sem prejuízo do reconhecimento de que o zigoto assim extra-corporalmente produzido e também extra-corporalmente cultivado e armazenado é entidade embrionária do ser humano. Não, porém, ser humano em estado de embrião. A Lei de Biossegurança não veicula autorização para extirpar do corpo feminino esse ou aquele embrião. Eliminar ou desentranhar esse ou aquele zigoto a caminho do endométrio, ou nele já fixado. Não se cuida de interromper gravidez humana, pois dela aqui não se pode cogitar. A “controvérsia constitucional em exame não guarda qualquer vinculação com o problema do aborto.” (Ministro Celso de Mello).

V – OS DIREITOS FUNDAMENTAIS À AUTONOMIA DA VONTADE, AO PLANEJAMENTO FAMILIAR E À MATERNIDADE. A decisão por uma descendência ou filiação exprime um tipo de autonomia de vontade individual que a própria Constituição rotula como “direito ao planejamento familiar”, fundamentado este nos princípios igualmente constitucionais da “dignidade da pessoa humana” e da “paternidade responsável”. A conjugação constitucional da laicidade do Estado e do primado da autonomia da vontade privada, nas palavras do Ministro Joaquim Barbosa. A opção do casal por um processo “in vitro” de fecundação artificial de óvulos é implícito direito de idêntica matriz constitucional, sem acarretar para esse casal o dever jurídico do aproveitamento reprodutivo de todos os embriões eventualmente formados e que se revelem geneticamente viáveis. O princípio fundamental da dignidade da pessoa humana opera por modo binário, o que propicia a base constitucional para um casal de adultos recorrer a técnicas de reprodução assistida que incluam a fertilização artificial ou “in vitro”. De uma parte, para aquinhoar o casal com o direito público subjetivo à “liberdade” (preâmbulo da Constituição e seu art. 5º), aqui entendida como autonomia de vontade. De outra banda, para contemplar os porvindouros componentes da unidade familiar, se por eles optar o casal, com planejadas condições de bem-estar e assistência físico-afetiva (art. 226 da CF). Mais exatamente, planejamento familiar que, “fruto da livre decisão do casal”, é “fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável” (§ 7º desse emblemático artigo constitucional de nº 226). O recurso a processos de fertilização artificial não implica o dever da tentativa de nidação no corpo da mulher de todos os óvulos afinal fecundados. Não existe tal dever (inciso II do art. 5º da CF), porque incompatível com o próprio instituto do “planejamento familiar” na citada perspectiva da “paternidade responsável”. Imposição, além do mais, que implicaria tratar o gênero feminino por modo desumano ou degradante, em contrapasso ao direito fundamental que se lê no inciso II do art. 5º da Constituição. Para que ao embrião “in vitro” fosse reconhecido o pleno direito à vida, necessário seria reconhecer a ele o direito a um útero. Proposição não autorizada pela Constituição.

[…]

VIII – SUFICIÊNCIA DAS CAUTELAS E RESTRIÇÕES IMPOSTAS PELA LEI DE BIOSSEGURANÇA NA CONDUÇÃO DAS PESQUISAS COM CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS. A Lei de Biossegurança caracteriza-se como regração legal a salvo da mácula do açodamento, da insuficiência protetiva ou do vício da arbitrariedade em matéria tão religiosa, filosófica e eticamente sensível como a da biotecnologia na área da medicina e da genética humana. Trata-se de um conjunto normativo que parte do pressuposto da intrínseca dignidade de toda forma de vida humana, ou que tenha potencialidade para tanto. A Lei de Biossegurança não conceitua as categorias mentais ou entidades biomédicas a que se refere, mas nem por isso impede a facilitada exegese dos seus textos, pois é de se presumir que recepcionou tais categorias e as que lhe são correlatas com o significado que elas portam no âmbito das ciências médicas e biológicas. I

X – IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. Afasta-se o uso da técnica de “interpretação conforme” para a feitura de sentença de caráter aditivo que tencione conferir à Lei de Biossegurança exuberância regratória, ou restrições tendentes a inviabilizar as pesquisas com células-tronco embrionárias. Inexistência dos pressupostos para a aplicação da técnica da “interpretação conforme a Constituição”, porquanto a norma impugnada não padece de polissemia ou de plurissignificatidade. Ação direta de inconstitucionalidade julgada totalmente improcedente. (sem grifos no original)

Discordamos da posição firmada no Brasil pelo Supremo Tribunal Federal, que entendemos ser extremamente perigosa para a pessoa humana[55]. Para nós, o termo “nascituro”deve ser lido em sentido amplo, incluindo o embrião que se encontra crioconservado. É importante ressaltar que a todos os seres humanos é reconhecida a personalidade jurídica e a titularidade de direitos. Todos os seres humanos são pessoas[56]. Com o avanço científico, já é possível o desenvolvimento de um embrião em um útero artificial, o que já afasta a argumentação defendida no acórdão acima mencionado. A autonomia, a consciência, a visão, a capacidade de experimentar prazer ou dor, não podem ser requisitos para diferenciar o ser humano da pessoa. Assim, tanto o nascituro quanto o recém-nascido, o alienado mental e o indivíduo em coma são pessoas e possuem direitos. A personalidade é atributo inseparável do homem dentro da ordem jurídica, qualidade que não decorre do preenchimento de qualquer requisito[57].

Apesar do entendimento do Supremo Tribunal Federal do Brasil, tanto o Superior Tribunal de Justiça brasileiro quanto o Supremo Tribunal de Justiça de Portugal têm reconhecido a personalidade jurídica do nascituro, para fins de indenização, inclusive equiparando os direitos dos filhos nascidos aos daqueles por nascer. É o que será demonstrado no tópico seguinte.

3 A jurisprudência portuguesa e a brasileira

Em Portugal, o Supremo Tribunal de Justiça já reconheceu a personalidade jurídica do nascituro no acórdão 436/07.6TBVRL.P1.S, de 03 de abril de 2014[58], declarando expressamente que o nascituro não consiste apenas em uma simples massa orgânica, não sendo parte do organismo da mãe, mas um ser humano, que possui dignidade, independentemente de as ordens jurídicas de cada Estado lhe reconhecerem ou não personificação jurídica[59].

            Do inteiro teor do mesmo acórdão é importante destacar o seguinte trecho, no qual o Supremo Tribunal de Justiça equipara os direitos do nascituro àqueles de uma criança já nascida, conforme o princípio da igualdade:

“3 – Acresce que o art. 26.° da Constituição, reconhecendo a todos o direito à identidade pessoal, não estaria a ser cumprido, se se interpretasse o artigo 496° do CC de uma forma discriminativa e limitativa, atribuindo o direito de indemnização por danos não patrimoniais aos filhos que já tenham nascido e não reconhecendo esse mesmo direito a quem esteja apenas concebido (nem que seja com um dia ou meras horas de diferença) ainda que comungando da mesma fonte de identidade ou genética da personalidade progenitora.

4 – Violaria, por outro lado, também, o direito constitucional da igualdade em que seriam colocados os descendentes no mesmo grau, do mesmo progenitor, relativamente ao enunciado direito, sendo certo que tanto um como outro provêm das mesmas pessoas e que a identidade física do filho nascido é a mesma do filho nascituro enquanto encerrado no ventre materno, e que se desenvolve ininterruptamente desde a concepção. De trazer à colação os artºs. 24.°, 25º e 13º da Constituição.”

No Brasil, assim como ocorre em Portugal, há acórdãos do Superior Tribunal de Justiça reconhecendo a personalidade jurídica do nascituro para fins de indenização. De fato, em 04 de setembro de 2014[60], o referido Tribunal proferiu acórdão reconhecendo a titularidade de direitos da personalidade ao nascituro, dentre eles o direito à vida. Em razão disso, foi julgado procedente o pedido de indenização referente ao seguro DPVAT, com base no preceito legal que garante indenização por morte, tendo em vista ter havido o perecimento de uma vida intrauterina.

Do inteiro teor do voto do Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO destaca-se a afirmação de que, “a despeito da literalidade do art. 2º do Código Civil – que condiciona a aquisição de personalidade jurídica ao nascimento –, […] não há essa indissolúvel vinculação entre o nascimento com vida e o conceito de pessoa, de personalidade jurídica e de titularização de direitos”[61]. Para o mencionado Ministro, “se toda pessoa é capaz de direitos, nem todo sujeito de direitos é pessoa, construção essa que pode, sem maior esforço, alcançar o nascituro como sujeito de direito, mesmo para aqueles que entendem não seja ele uma pessoa.”[62]

Outro aspecto observado pelo Relator é o de que o Código Civil brasileiro não confunde os conceitos de “existência da pessoa” e de “aquisição da personalidade jurídica”. Para ele, é apenas em um dado momento da existência da pessoa, o nascimento, que se tem por iniciada sua personalidade jurídica. “Donde se conclui que, antes disso, se não se pode falar em personalidade jurídica – segundo o rigor da literalidade do preceito legal –, é possível, sim, falar-se em pessoa.”[63]

A principal conclusão a que chega o Ministro é de que, se a existência da pessoa natural tem início antes do nascimento, nascituro deve ser considerado pessoa e sujeito de direito, pois, por força do art. 1.º do Código Civil brasileiro, “[t]oda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”. E, seguindo a mesma lógica de que o nascituro é uma pessoa, o art. 1.798 do Código Civil reconhece legitimação para suceder não só das “pessoas nascidas”, mas também das pessoas “já concebidas no momento da abertura da sucessão”. Reforça o entendimento a menção de que o nascituro tem o direito de receber doação (art. 542 do Código Civil), de ser curatelado (art. 1.779 do Código Civil), a especial proteção conferida à gestante, (art. 8.º do Estatuto da Criança e do Adolescente, que tem como objetivo garantir o direito à vida e à saúde do nascituro), e a Lei n. 11.804/2008, que tratou dos alimentos gravídicos, cuja titularidade é do nascituro. Por fim, no direito penal a condição de pessoa viva do nascituro é ainda mais evidente, posto que o crime de aborto (arts. 124 a 127 do CP) está previsto no título referente a “crimes contra a pessoa”, no capítulo “dos crimes contra a vida”.[64]

O voto arremata esclarecendo que o ordenamento jurídico brasileiro como um todo “alinhou-se mais à teoria concepcionista para a construção da situação jurídica do nascituro, conclusão enfaticamente sufragada pela majoritária doutrina contemporânea”. Ressalta, por fim, que “o fato de nem todos os direitos poderem ser titularizados ou exercidos pelo nascituro não é relevante para a constatação de que o nascituro pode ser considerado uma pessoa, haja vista que nem todas as pessoas exercem de forma plena todos os direitos, como é o caso dos incapazes e presos”.[65]

               No mesmo sentido já havia o Superior Tribunal de Justiça do Brasil se posicionado em 07/12/2010[66], devendo ser destacado, do inteiro teor do voto do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, a afirmação de que, no julgamento da constitucionalidade da lei da Biossegurança, Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 3.510/DF, o relator, Ministro Carlos Ayres Brito, apesar de ter manifestado adesão à teoria natalista, não deixou de registrar o transbordamento do princípio da dignidade da pessoa humana ao ser em formação. Portanto, “a questão não está em saber quando, como e de que forma a vida humana tem início ou fim, mas como o Estado deve atuar na proteção desse organismo pré-natal diante das novas tecnologias, cujos resultados o próprio homem não pode prever”. Em conclusão, o Ministro afirmou não ver espaço, para fins de indenização, para diferenciar o filho nascido daquele plenamente formado, mas ainda no útero da mãe.
 

            Apesar de a doutrina e a jurisprudência estarem evoluindo sobre a proteção ao nascituro, o Poder Legislativo, em Portugal e no Brasil, não tem legislado como deveria. Sabemos que as regras que disciplinam o Direito de Família são de ordem pública, de modo que o Estado deve interferir fixando e disciplinando tais questões[67]. O legislador deve assegurar que a lei preencha três requisitos: 1) responder a uma utilidade social, melhorando o bem estar do maior número possível de pessoas; 2) ter subjacente preocupações de Justiça; 3) não negligenciar considerações de natureza moral[68].

Há diversas leis que tratam da proteção ao Homem. A Convenção Europeia dos Direitos do Homem reconhece a todo indivíduo direitos essenciais, sendo que os mesmos princípios por ela enunciados encontram-se no Pacto das Nações Unidas. A Declaração Internacional dos direitos da Criança, aprovada pela ONU em 1959, refere-se à proteção da criança antes do nascimento e a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa pela Recomendação 874 (1979) declara que a criança tem direito à vida desde a concepção, o que deve ser reconhecido pelos governos nacionais[69]

Concordamos com Stela Barbas sobre não existir em Portugal legislação suficiente para a proteção do ser humano, envolvendo questões relativas à procriação assistida e às novas tecnologias[70].  No Brasil, também é escassa a legislação que trata da proteção ao nascituro, mas o Supremo Tribunal Federal, em 16 de junho de 2016, indeferiu mandado de injunção que tinha por objetivo o reconhecimento de imposição constitucional do dever de legislar sobre os direitos do nascituro[71], ao fundamento de que o mandado de injunção exige que seja demonstrado que a falta de norma regulamentadora torna inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.  Logo, para o Supremo Tribunal Federal do Brasil, não há norma constitucional que determine ao legislador que regulamente os direitos do nascituro, razão pela qual não há que se falar em omissão legislativa.

            Mesmo na falta de lei que proteja definitivamente o ser humano que ainda não nasceu, a doutrina e também a jurisprudência de Portugal e do Brasil têm avançado no sentido de reconhecer personalidade jurídica ao nascituro, que possui dignidade de pessoa humana. Passaremos a verificar, pois, se ao nascituro pode ser atribuído um nome.

4 O nome como direito da personalidade e o direito do nascituro ao nome

Stela Barbas ensina com extrema precisão que o ser humano é herdeiro da carga genética de seus pais, mas também do seu patrimônio social, já que fica inserido em um conjunto de relações sociais que não precisou escolher, e ainda herda o patrimônio cultural da sua família: fala sua língua, aprende seus modos e hábitos e recebe seu nome. Neste tópico trataremos especificamente do nome da pessoa[72].

Desde Sócrates é certo que o conhecimento dos nomes não é negócio de importância somenos.[73] A doutrina atual de Portugal reconhece que realmente é assim, pois o nome constitui a manifestação mais expressiva e sensível da personalidade. Para GOMES DA SILVA[74]: “Nada, na ordem jurídica como na construção científica do direito, pode partir de postulados formais, estranhos à personalidade, antes tudo tem de assentar no respeito do fim dignidade do homem”.

Os direitos de personalidade decorrem da dignidade humana[75], que é um princípio constitucional supremo, não apenas um entre vários outros princípios, mas a base sobre a qual se assenta todo o edifício constitucional, sendo a dignidade reconhecida como o “princípio dos princípios”[76]. CANOTILHO[77] esclarece que, dentre os direitos de personalidade, estão os direitos distintivos da pessoa, como o direito à identidade; os direitos de estado, como o direito de cidadania; os direitos sobre a própria pessoa, como o direito à vida; o direito à privacidade; os direitos de liberdade, como a liberdade de expressão.

A Constituição deve exercer um controle formal e substancial das leis, de forma a garantir os direitos individuais e a conservar em si a fonte de legitimação de validade para as normas jurídicas e também de garantia às liberdades fundamentais[78]. Em Portugal, os direitos da personalidade têm tratamento constitucional e são objeto de proteção pelo ordenamento jurídico. O Código Civil Português trata da proteção ao nome e ao pseudônimo[79]. Também no Brasil o nome é protegido pela Constituição e o Código Civil brasileiro declara que o nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou representações que a exponham ao desprezo público, ainda quando não haja intenção difamatória (art. 17), sendo vedado, sem autorização, o uso de nome alheio em propaganda comercial (art. 18). Da mesma forma que em Portugal, o “pseudônimo” adotado para atividades lícitas tem a mesma proteção que se dá ao nome (art. 19 do Código Civil Brasileiro).[80]

O nome é o primeiro e o fundamental elemento de identificação das pessoas. Para fins jurídicos, o conhecimento do nome é dado por meio de menção no ato de nascimento, feito nos serviços de Registo, em Portugal, ou Registro, no Brasil, responsáveis pelas Pessoas Naturais. Nesses assentos constam o nome atribuído à pessoa, bem como todas as suas alterações posteriores, razão pela qual há íntima conexão entre as normas materiais do direito ao nome e os preceitos registrais que as regulamentam[81]. Podemos afirmar que o direito ao nome deriva direta e imediatamente da personalidade, sendo seu eficaz complemento[82]. Em Portugal, o Supremo Tribunal de Justiça[83] afirmou que o nome é o cerne do direito à identidade pessoal das pessoas, perante os outros e por ela própria.[84] No Brasil, o Supremo Tribunal Federal, como ocorre em Portugal, reconhece que o “direito ao nome insere-se no conceito de dignidade da pessoa humana e traduz a sua identidade, a origem de sua ancestralidade, o reconhecimento da família”[85].

Em Portugal, o registro da morte fetal é disciplinado pelo artigo 209.º do Código do Registo Civil. O mencionado Código, entretanto, não esclarece sobre a atribuição de nome ao feto, restringindo-se a estabelecer que, no caso de um feto sem vida deixar o ventre materno com 22 semanas ou mais, deverá ser apresentado e depositado o respectivo certificado médico em qualquer conservatória do Registo Civil. Existe disposição no artigo 209.º, 3, de que são aplicáveis ao depósito do certificado médico de morte fetal os preceitos relativos ao assento de óbito, com as necessárias adaptações, mas permanece a dúvida: pode ser inserido nome para o nascituro?

O registo de óbito é regido pelo artigo 201.º do Código do Registo Civil, sendo requisitos especiais o nome completo, sexo, idade, estado, naturalidade e última residência habitual do falecido. O nome completo, pois, é elemento essencial do registo de óbito. Mas o nome do embrião que deixou o útero sem vida também deve ser considerado elemento do registo do óbito fetal, sendo colocada à disposição dos genitores a opção por atribuir um nome ao feto?

No Brasil, o registro do natimorto é objeto de tratamento na Lei de Registros Públicos, Lei 6.015/73, que, em seu art. 53, determina que, no caso de ter a criança nascido morta, será feito o registro feito em livro específico, denominado “C Auxiliar”, com os elementos que couberem. A lei não esclarece, de forma clara, sobre a possibilidade de dar ou não um nome à criança que, já sem vida, foi expulsa do ventre. Por outro lado, no caso de a criança morrer na ocasião do parto, tendo respirado, a lei estabelece que serão feitos os dois assentos, o de nascimento e o de óbito, não havendo dúvida, pois, sobre a necessidade de ser atribuído nome à criança.

Apesar de a lei ser omissa sobre a atribuição de nome ao natimorto, o Código de Normas do Extrajudicial de Minas Gerais, Provimento n.º 260 da Corregedoria-Geral de Justiça de Minas Gerais, publicado em 30 de outubro de 2013, autoriza que os genitores nomeiem a pessoa que nasceu sem vida. De fato, estabelece o art. 537 do referido Código, que: “O registro de natimortos será feito no Livro “C – Auxiliar” e conterá, no que couber, os elementos de registro do nascimento e do óbito, facultando-se aos pais dar nome ao natimorto”.[86]

Também a doutrina começa a tratar do tema, tendo o doutrinador Zeno Veloso afirmado que no assento do natimorto “devem ser inseridos o prenome e o sobrenome, em respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, numa compreensão abrangente, inclusiva, até em solidariedade com os pais que geraram o nascituro e merecem que seja lembrado o nome que escolheram para ele, minorando a dor e o sofrimento da família.”[87]

Concordamos com Zeno Veloso, pois, no atual estágio de tecnologia, a partir da décima terceira semana de idade gestacional, por meio de exame de ultrassom, já se pode identificar o sexo do bebê com grande precisão. O bebê dentro do útero, hoje, não é mais uma suposição ou um segredo, seus movimentos já podem ser observados, seu desenvolvimento pode ser acompanhado pelos genitores. É natural que lhe seja atribuído um nome.

Já existe uma nova perspectiva hermenêutica quanto à lei de Portugal e também quanto à lei do Brasil, no que tange ao reconhecimento da personalidade àquele que nasceu com vida, sob o enfoque dos princípios constitucionais: a lei de ambos os países refere-se à prova da existência da vida humana. Portanto, se for demonstrado que o nascituro existe, imediatamente deixa de existir obstáculo para a tutela dessa pessoa que ainda está no útero materno. Não há possibilidade ou necessidade de se atribuir capacidade jurídica de exercício de direitos ao nascituro, a capacidade de exercício pode ser condicionada ao nascimento. Trata-se de uma solução perante o método jurídico, qual seja a interpretação conforme a Constituição do art. 66.º do Código Civil de Portugal e também ao art. 2.º do Código Civil do Brasil para reconhecer os direitos da personalidade ao nascituro, inclusive o direito ao nome.

Na hipótese de o feto já sem vida deixar o útero, principalmente nas situações em que já ultrapassada a décima terceira semana de idade gestacional, caso os genitores queiram que o nome pelo qual vinham tratando seu bebê conste do registro de óbito fetal, qual seria o obstáculo? O nome é o primeiro e o fundamental elemento de identificação das pessoas e o nascituro é uma pessoa humana. Os genitores representam seus filhos enquanto menores. Defende-se, pois, que os genitores possam optar por dar nome ao seu bebê, no caso de óbito fetal.

Para a concretização desse direito do nascituro ao nome, é preciso que a lei o reconheça, pois o conceito de justiça deve permear a ordem jurídica enquanto fundamento do pressuposto ético[88]. Os valores da justiça devem ser captados pelo legislador no momento da elaboração da norma jurídica, no seu tempo e no seu espaço. Negar o direito do nascituro ao nome é fazer prevalecer uma desigualdade que é inconstitucional.

A Constituição exerce controle formal e também substancial das demais leis, garantindo os direitos individuais, conservando em si a fonte de legitimação das políticas públicas e de validade para as normas jurídicas, bem como de garantia de acesso às liberdades fundamentais[89]. Os princípios são vetores interpretativos para as regras jurídicas e princípio da igualdade entre os filhos não admite que haja qualquer prevalência dos direitos ou deveres de um em face do outro. Assim, levando em conta a importância da legalidade, mas como a legitimidade é essencial, é preciso que seja alterada a lei de Portugal e também a lei do Brasil para que elas reflitam o atual estágio tecnológico e os valores da sociedade, passando a permitir que os nascituros, no caso de óbito fetal, recebam um nome.

Conclusão

Neste trabalho foram respondidas as seguintes questões: o que são direitos da personalidade? O nascituro, também chamado de feto ou de embrião, é uma pessoa humana e tem direitos da personalidade, entre os quais o nome? Qual a posição da jurisprudência em Portugal e no Brasil sobre os direitos do nascituro? Em caso de óbito fetal, pode ser atribuído um nome ao nascituro?

Para que fosse possível a resposta às questões apresentadas, foi examinada a personalidade jurídica do nascituro e o reflexo do entendimento de que o nascituro é uma pessoa humana no que se refere ao seu nome civil. Foi apresentado o paralelo existente entre o “DNA”, que é o nome biológico do indivíduo e o nome civil das pessoas, sendo que ambos são igualmente importantes, pois constituem direitos da personalidade.

Foi examinada a Constituição de Portugal e também a Constituição do Brasil, pois ambos os países fundamentam a ordem jurídica na dignidade da pessoa humana. Foi observado que o Estado Democrático de Direito está assente não apenas na legalidade, mas principalmente na legitimidade democrática, exigindo respeito aos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

Foi demonstrado como o conceito de justiça permeia a ordem jurídica enquanto fundamento do pressuposto ético e como a Constituição exerce controle formal e também substancial das demais leis, garantindo os direitos individuais, conservando em si a fonte de legitimação das políticas públicas e de validade para as normas jurídicas, bem como de garantia de acesso às liberdades fundamentais. Assim, foi verificado que devem ser aperfeiçoadas as normas a fim de que demonstrem claramente que a aquisição da personalidade já se dá com a concepção, reconhecendo que o nascituro é sujeito de direitos, sendo-lhe garantida a tutela desses direitos conforme a sua natureza.

Essa alteração normativa deve abarcar também o nome do nascituro, pois, existindo a vontade dos genitores de fazer constar do registro de morte fetal o nome pelo qual seu bebê vinha sendo chamado dentro do útero, não há obstáculo para tanto.      O nome é o primeiro e o fundamental elemento de identificação das pessoas e o nascituro é uma pessoa humana. Os genitores representam seus filhos enquanto menores.  Assim, os genitores podem optar por dar nome ao seu bebê, na hipótese de óbito fetal.

Foi provado que a questão na atualidade é demonstrar que o nascituro existe. Existindo essa prova, imediatamente deixa de existir obstáculo para a tutela dessa pessoa que ainda está no útero materno. Não há possibilidade ou necessidade de se atribuir capacidade jurídica de exercício de direitos ao nascituro, a capacidade de exercício pode ser condicionada ao nascimento. Trata-se de uma solução perante o método jurídico, que é a interpretação conforme a Constituição do Código Civil para reconhecer os direitos da personalidade ao nascituro.

Trouxemos a doutrina de Zeno Veloso, segundo o qual, no assento do natimorto, deve ser inserido o seu nome, o que está de acordo com o princípio da dignidade da pessoa humana, numa compreensão inclusiva, e até mesmo em solidariedade com os genitores, que merecem que seja lembrado o nome que escolheram para seu filho.

Foi apresentado o ensinamento de Stela Barbas no sentido de que o ser humano é herdeiro da carga genética de seus pais, mas também do seu patrimônio social e ainda herda o patrimônio cultural da sua família: fala sua língua, aprende seus modos e hábitos e recebe seu nome. O nome é direito da personalidade e o nascituro, representado por seus genitores, também tem esse direito.

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*Letícia Franco Maculan Assumpção é Oficial do Cartório do Registro Civil e Notas do Distrito do Barreiro, em Belo Horizonte – MG, graduada na UFMG, pós-graduada, mestre e doutoranda em Direito. Diretora do Instituto Nacional de Direito e Cultura – INDIC. Vice-Presidente do Colégio Registral de Minas Gerais, Diretora do CNB/MG e do RECIVIL. Autora de diversos artigos jurídicos e dos livros “Casamento e Divórcio em Cartórios Extrajudiciais do Brasil”, “Notas e Registros” e “Usucapião Extrajudicial”.


[1] MIRANDA apud PIRES, Alex Sander Xavier; TRINDADE, Carla Dolezel; AZNAR FILHO, Simão – Constitucionalismo luso-brasileiro: leitura normativa no âmbito do domínio da lei e da humanização das relações. Rio de Janeiro: [sn], 2017. ISBN 978-85-909488-4-1, p. 128.

[2] BASTOS, Aurélio Wander – Prefácio. In:PIRES, Alex Sander Xavier – Justiça na perspectiva kelseniana. Rio de Janeiro: Freitas Bastos Editora, 2013. ISBN 978-85-7987-167-2, p. X-XI.

[3] PIRES, Alex Sander Xavier – Súmula vinculante e liberdades fundamentais. Rio de Janeiro: [sn], 2016. ISBN 978-85-909488-2-7, p. 194-195.

[4] MIRANDA, Pontes de – Tratado de Direito Privado. Campinas: Brookseller, 2000. ISBN 8574680052, p. 39.

[5] BITTAR, Carlos Alberto – Os Direitos da Personalidade. 2.ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995, p. 11.

[6] MIRANDA, Pontes de – Tratado de Direito Privado. Campinas: Brookseller, 2000. ISBN 8574680052, p. 32.

[7] CHORÃO, Mário Emílio Bigotte – Concepção realista da personalidade jurídica e estatuto do nascituro. [Em linha]. Revista n.º 17 do Instituto de Direito Comparado Luso-Brasileiro – IDCLB. Rio de Janeiro, 2.º semestre de 1999. [Consult. 02 jun. 2018]. Disponível em: http://www.idclb.com.br/revistas/17/revista17%20(24).pdf, p. 261-262.

[8]  Idem, p. 262.

[9] CHORÃO, Mário Bigotte – Pessoa humana, direito e política. Lisboa: Imprensa Nacional. Casa da Moeda, 2006, p. 421.

[10] SILVA, De Plácido e – Vocabulário jurídico. 3.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1973, v. III, p. 1051.

[11] DINIZ, Maria Helena – Dicionário jurídico. 2.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005, v. 3, p. 378.

[12] TARTUCE, Flávio – A SITUAÇÃO JURÍDICA DO NASCITURO: UMA PÁGINA A SER VIRADA NO DIREITO BRASILEIRO. [Em linha]. [sl]. [sd]. [Consult. 06 out. 2018]. Disponível em https://www.conpedi.org.br/publicacoes/y0ii48h0/vgn7y7g7/UFWX54d4dYXhMU71.pdf.

[13] CHINELLATO, Silmara Juny – Estatuto jurídico do nascituro: o direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1999. In DELGADO, Mario Luiz, ALVES, Jonas Figueirêdo (Coord.). Questões controvertidas no Novo Código Civil. V. 6. São Paulo: Método, 2007, p. 51.

[14]  Para Pontes de Miranda, é uma contradição a ideia do direito sem sujeito, não podendo ser aceita nem no terreno jurídico positivo, nem no lógico. MIRANDA, Pontes de – Tratado de Direito Privado. Parte Geral. Tomo I. Introdução. Pessoas Físicas e Jurídicas. 3.ª ed. Rio de Janeiro: Borsoi. 1970, p. 149-150.

[15]  CHORÃO, Mário Emílio Bigotte – Concepção realista da personalidade jurídica e estatuto do nascituro. [Em linha]. Revista n.º 17 do Instituto de Direito Comparado Luso-Brasileiro – IDCLB. Rio de Janeiro, 2.º semestre de 1999. [Consult. 02 jun. 2018]. Disponível em: http://www.idclb.com.br/revistas/17/revista17%20(24).pdf, p. 263-265.

[16] Que se contrapõe ao personalismo idealista, que desloca a sede do direito para o pensamento e a vontade, transferindo para a lei a causa da personalidade jurídica, que passa a ser um produto racional, de caráter mais ou menos formal ou abstrato, explicável como fenômeno cultural.

[17] CHORÃO, Mário Emílio Bigotte – Concepção realista da personalidade jurídica e estatuto do nascituro. [Em linha]. Revista n.º 17 do Instituto de Direito Comparado Luso-Brasileiro – IDCLB. Rio de Janeiro, 2.º semestre de 1999. [Consult. 02 jun. 2018]. Disponível em: http://www.idclb.com.br/revistas/17/revista17%20(24).pdf, p. 279.

[18] CÓDIGO Civil. 8.ª ed. Coimbra: Almedina, 2017. ISBN 978-972-40-6639-4, p. 23.

[19] BARBAS, Stela Marcos de Almeida Neves – Direito ao Património Genético. Coimbra:Almedina, 2006. ISBN 972-40-1113-5, p. 71-73. 

[20] BRASIL. Código Civil. LEI N.º 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002. Brasília: Diário Oficial da União. 11.1.2002. Estabelece o artigo 2o do Código Civil: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.”

[21] BRASIL. DECRETO N.º 678, DE 6 DE NOVEMBRO DE 1992. Promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969. Brasília: Diário Oficial da União. 9.11.1992. Estabelece o art. 4.º, 1, da referida Convenção: “ARTIGO 4    Direito à Vida    1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente.”

[22] PELUSO, Cesar relat. – Acórdão do Supremo Tribunal Federal com o número Recurso Extraordinário 466343-1/SP, de 03/12/2008. [Em linha].  [Consult. 21 set. 2018]. Disponível em http://stf.jus.br.

[23] TARTUCE, Flávio – A SITUAÇÃO JURÍDICA DO NASCITURO: UMA PÁGINA A SER VIRADA NO DIREITO BRASILEIRO. [Em linha]. [sl]. [sd]. [Consult. 06 out. 2018]. Disponível em https://www.conpedi.org.br/publicacoes/y0ii48h0/vgn7y7g7/UFWX54d4dYXhMU71.pdf.

[24] BARBAS, Stela Marcos de Almeida Neves – Direito ao Património Genético. Coimbra:Almedina, 2006. ISBN 972-40-1113-5, p. 197. 

[25] RENAUD apud BARBAS, Stela Marcos de Almeida Neves – Direito do Genoma Humano. Coimbra:Almedina, 2016. ISBN 978-972-40-3250-4, p. 167-168. 

[26] TOMÁS DE AQUINO, apud BARBAS, Stela Marcos de Almeida Neves – Direito do Genoma Humano. Coimbra:Almedina, 2016. ISBN 978-972-40-3250-4, p. 169. 

[27] BARBAS, Stela Marcos de Almeida Neves – Direito do Genoma Humano. Coimbra:Almedina, 2016. ISBN 978-972-40-3250-4, p. 169. 

[28] KANT apud BARBAS, Stela Marcos de Almeida Neves – Direito do Genoma Humano. Coimbra:Almedina, 2016. ISBN 978-972-40-3250-4, p. 171. 

[29] SCHELER apud BARBAS, Stela Marcos de Almeida Neves – Direito do Genoma Humano. Coimbra:Almedina, 2016. ISBN 978-972-40-3250-4, p. 172. 

[30] BARBAS, Stela Marcos de Almeida Neves – Direito do Genoma Humano. Coimbra:Almedina, 2016. ISBN 978-972-40-3250-4, p. 174.

[31] Idem.

[32] TEPEDINO, Gustavo – Temas de direito civil. 3.ª ed. atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, ISBN: 8571474273, p.27.

[33] O art. 1.º, do Código Civil do Brasil, determina que “Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”.

[34] ENGELHARDT apud BARBAS, Stela Marcos de Almeida Neves – Direito do Genoma Humano. Coimbra:Almedina, 2016, ISBN 978-972-40-3250-4, p. 179-180. 

[35] CHORÃO, Mário Emílio Bigotte  – Concepção realista da personalidade jurídica e estatuto do nascituro. [Em linha]. Revista n.º 17 do Instituto de Direito Comparado Luso-Brasileiro – IDCLB. Rio de Janeiro, 2.º semestre de 1999. [Consult. 02 jun. 2018]. Disponível em: http://www.idclb.com.br/revistas/17/revista17%20(24).pdf, p. 280-281.

[36] BRASIL. Código Civil. LEI N.º 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002. Brasília: Diário Oficial da União. 11.1.2002.

[37] CORDEIRO apud BARBAS, Stela Marcos de Almeida Neves – Direito ao Património Genético. Coimbra:Almedina, 2006. ISBN 972-40-1113-5, p. 78. 

[38] CAMPOS, Diogo Leite de; BARBAS, Stela –  O início da pessoa humana e da pessoa jurídica. [Em linha]. Revista da Ordem dos Advogados. 2001. Ano 61 – vol. 3, p. 1257-1268. [Consult. 13 mai. 2018]. Disponível em: https://portal.oa.pt.

[39] BARBAS, Stela Marcos de Almeida Neves – Direito ao Património Genético. Coimbra:Almedina, 2006. ISBN 972-40-1113-5, p. 71-73. 

[40] Idem, p. 178.

[41]  BARBAS, Stela Marcos de Almeida Neves – Direito ao Património Genético. Coimbra:Almedina, 2006. ISBN 972-40-1113-5, p. 84. 

[42]  CARVALHO apud BARBAS, Stela Marcos de Almeida Neves – Direito ao Património Genético. Coimbra:Almedina, 2006. ISBN 972-40-1113-5, p. 84. 

[43] BAUDOUIN e RIOU apud BARBAS, Stela Marcos de Almeida Neves – Direito ao Património Genético. Coimbra:Almedina, 2006. ISBN 972-40-1113-5, p. 213. 

[44] BARBAS, Stela Marcos de Almeida Neves – Direito ao Património Genético. Coimbra:Almedina, 2006. ISBN 972-40-1113-5, p. 213.

[45] DA FRADA, Manuel Carneiro –  Sobre o Estatuto Jurídico do Embrião. [Em linha]. Revista da Ordem dos Advogados. 2010. Ano 70 – vol. I/IV. [Consult. 13 mai. 2018]. Disponível em: https://portal.oa.pt.

[46] ROCHA, Cármen Lúcia Antunes (Coord.) – O direito à vida digna. Belo Horizonte: Fórum, 2004, ISBN 858914836X, p.47.

[47] DELGADO, Mário Luiz. Direitos da personalidade nas relações de família.  [Em linha]. [Consult. 06 out. 2018]. Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/_img/congressos/anais/34.pdf.

[48] TARTUCE, Flávio – A SITUAÇÃO JURÍDICA DO NASCITURO: UMA PÁGINA A SER VIRADA NO DIREITO BRASILEIRO. [Em linha]. [sl]. [sd]. [Consult. 06 out. 2018]. Disponível em https://www.conpedi.org.br/publicacoes/y0ii48h0/vgn7y7g7/UFWX54d4dYXhMU71.pdf.

[49] DINIZ, Maria Helena apud TARTUCE, Flávio – A SITUAÇÃO JURÍDICA DO NASCITURO: UMA PÁGINA A SER VIRADA NO DIREITO BRASILEIRO. [Em linha]. [sl]. [sd]. [Consult. 06 out. 2018]. Disponível em https://www.conpedi.org.br/publicacoes/y0ii48h0/vgn7y7g7/UFWX54d4dYXhMU71.pdf.

[50] BARBOZA, Heloísa Helena apud TARTUCE, Flávio – A SITUAÇÃO JURÍDICA DO NASCITURO: UMA PÁGINA A SER VIRADA NO DIREITO BRASILEIRO. [Em linha]. [sl]. [sd]. [Consult. 06 out. 2018]. Disponível em https://www.conpedi.org.br/publicacoes/y0ii48h0/vgn7y7g7/UFWX54d4dYXhMU71.pdf.

[51] CHINELLATO apud TARTUCE, Flávio – A SITUAÇÃO JURÍDICA DO NASCITURO: UMA PÁGINA A SER VIRADA NO DIREITO BRASILEIRO. [Em linha]. [sl]. [sd]. [Consult. 06 out. 2018]. Disponível em https://www.conpedi.org.br/publicacoes/y0ii48h0/vgn7y7g7/UFWX54d4dYXhMU71.pdf.

[52] HIRONAKA apud TARTUCE, Flávio – A SITUAÇÃO JURÍDICA DO NASCITURO: UMA PÁGINA A SER VIRADA NO DIREITO BRASILEIRO. [Em linha]. [sl]. [sd]. [Consult. 06 out. 2018]. Disponível em https://www.conpedi.org.br/publicacoes/y0ii48h0/vgn7y7g7/UFWX54d4dYXhMU71.pdf.

[53] BRITTO, Carlos Ayres relat. – Acórdão do Supremo Tribunal Federal com o número ADI 3510, de 29/05/2008. [Em linha].  [Consult. 09 out. 2018]. Disponível em http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia.

[54] Idem.

[56] Afirma Carmen Lúcia Antunes Rocha que há que os direitos humanos e a dignidade não dependem do nascimento com vida: “Em geral, os sistemas jurídicos afirmam que ser considerado pessoa em direito, vale dizer, dotar-se de personalidade para os fins de titularizar direitos, depende do nascimento com vida. Todavia, quanto aos direitos humanos, os direitos que cada ser humano titulariza, não se há fazê-los depender da personalidade. […] O embrião é, parece-me, inegável, ser humano, ser vivo, obviamente, que se dota da humanidade que o dota de essência integral, intangível e digno em sua condição existencial.” ROCHA, Cármen Lúcia Antunes (Coord.) – O direito à vida digna. Belo Horizonte: Fórum, 2004, ISBN 858914836X, p.47.

[57] BARBAS, Stela Marcos de Almeida Neves – Direito do Genoma Humano. Coimbra:Almedina, 2016. ISBN 978-972-40-3250-4, p. 183-184. 

[58] RODRIGUES, Álvaro relat. – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça com o número 436/07.6TBVRL.P1.S1, de 03/04/2014. [Em linha].  [Consult. 14 jun. 2018]. Disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf.

[59] O sumário do mencionado acórdão, por sua importância, abaixo se reproduz:

“I – Repugna ao mais elementar sentido de justiça – e viola o direito constitucional da igualdade – que dois irmãos, que sofrem a perda do mesmo progenitor, tenham tratamento jurídico diferenciado pela circunstância de um deles já ter nascido à data do falecimento do pai (tendo 16 meses de idade) e o outro ter nascido apenas 18 dias depois de tal acontecimento fatídico, reconhecendo-se a um e negando-se a outro, respectivamente, a compensação por danos não patrimoniais próprios decorrentes da morte do seu pai.

II – Seguindo o entendimento magistral do Prof. Pedro Pais de Vasconcelos, o art. 66.º, n.º 1, do CC, deve ser entendido como referindo-se à capacidade de gozo, e não propriamente à personalidade jurídica – como aliás sucedia com o art. 6.º do Código de Seabra e com o §1 do BGB -, uma vez que o reconhecimento da personalidade de seres humanos está fora do alcance e da competência da lei, seja ela ordinária ou constitucional.

III – O nascituro não é uma simples massa orgânica, uma parte do organismo da mãe, ou, na clássica expressão latina, uma portio viscerum matris, mas um ser humano, com dignidade de pessoa humana, independentemente de as ordens jurídicas de cada Estado lhe reconhecerem ou não personificação jurídica.

IV – Ainda na fase intra-uterina os efeitos da supressão da vida paterna fazem-se sentir no ser humano, sendo os danos não patrimoniais daí decorrentes – traduzidos na falta desta figura, quer durante o período de gestação, quer depois do nascimento, com o vazio que tal ausência provoca– merecedores de compensação.
V – No momento do nascimento, completo e com vida, as lesões sofridas pelo nascituro tornam-se lesões da própria criança, ou seja, de um ser com personalidade (Heinrich Ewald Hörster, in «A Parte Geral do Código Civil Português», Almedina, 1992).

VI – Não constitui óbice ao reconhecimento de tal direito o argumento da exigência da contemporaneidade da personalidade com a lesão uma vez que: (i) nos Estados de Direito contemporâneos é cada vez mais frequente a demanda cível e a responsabilização de agentes cujos actos se produzem a longo prazo (de que são exemplo transmissão de doenças cujos efeitos se manifestam anos depois, catástrofes cujos efeitos se revelam a posteriori e traumatismos causados por acidentes cuja evolução para neoplasias malignas acontece a considerável distância cronológica); (ii) a relação entre a causa e o efeito não implica necessariamente que os danos ocorram imediatamente, apenas se exigindo o «nexo umbilical» que determine que o efeito ocorreu devido ao evento causado por terceiro (cf. voto de vencido do Exmo. Sr. Conselheiro Mário Cruz no Acórdão do STJ de 17-02-2009, proc. n.º 08A2124).

VII – Considera-se justa e adequada a quantia pedida pela Autora (filha da vítima) de € 20 000,00, a título de danos não patrimoniais próprios decorrentes da perda do seu pai.

VIII – Na fixação do quantum indemnizatório por danos patrimoniais futuros, a utilização de critérios matemáticos contidos em diplomas legais não se mostra proibida – desde que se mostrem facilitadores do cálculo para a determinação da pensão justa –, mas não substitui a devida ponderação judicial com base na equidade.

IX – Os arts. 805.º e 566.º do CC, ao estatuírem sobre o cálculo da indemnização e efeitos da mora, não fazem qualquer destrinça entre danos patrimoniais e não patrimoniais, razão pela qual os juros serão devidos desde a sentença ou desde a citação apenas e tão somente com base na existência, ou não, na sentença de um raciocínio actualizador.”

[60] SALOMÃO, Luis Felipe relat. – Acórdão do Superior Tribunal de Justiça com o número Recurso Especial 2013/0360491-3, de 04 de setembro de 2014. [Em linha].  [Consult. 6 out. 2018]. Disponível em http://www.stj.jus.br. Tendo em vista sua clareza, abaixo reproduz-se a ementa do referido acórdão: “CÓDIGO CIVIL. ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO. ABORTO. AÇÃO DE COBRANÇA. SEGURO OBRIGATÓRIO. DPVAT. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. ENQUADRAMENTO JURÍDICO DO NASCITURO. ART. 2º DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. EXEGESE SISTEMÁTICA. ORDENAMENTO JURÍDICO QUE ACENTUA A CONDIÇÃO DE PESSOA DO NASCITURO. VIDA INTRAUTERINA. PERECIMENTO. INDENIZAÇÃO DEVIDA. ART. 3º, INCISO I, DA LEI N. 6.194/1974. INCIDÊNCIA.

1. A despeito da literalidade do art. 2º do Código Civil – que condiciona a aquisição de personalidade jurídica ao nascimento -, o ordenamento jurídico pátrio aponta sinais de que não há essa indissolúvel vinculação entre o nascimento com vida e o conceito de pessoa, de personalidade jurídica e de titularização de direitos, como pode aparentar a leitura mais simplificada da lei.

2. Entre outros, registram-se como indicativos de que o direito brasileiro confere ao nascituro a condição de pessoa, titular de direitos: exegese sistemática dos arts. 1º, 2º, 6º e 45, caput, do Código Civil; direito do nascituro de receber doação, herança e de ser curatelado (arts. 542, 1.779 e 1.798 do Código Civil); a especial proteção conferida à gestante, assegurando-se-lhe atendimento pré-natal (art. 8º do ECA, o qual, ao fim e ao cabo, visa a garantir o direito à vida e à saúde do nascituro); alimentos gravídicos, cuja titularidade é, na verdade, do nascituro e não da mãe (Lei n. 11.804/2008); no direito penal a condição de pessoa viva do nascituro – embora não nascida – é afirmada sem a menor cerimônia, pois o crime de aborto (arts. 124 a 127 do CP) sempre esteve alocado no título referente a “crimes contra a pessoa” e especificamente no capítulo “dos crimes contra a vida” – tutela da vida humana em formação, a chamada vida intrauterina (MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal, volume II. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 62-63; NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal. 8 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 658).

3. As teorias mais restritivas dos direitos do nascituro – natalista e da personalidade condicional – fincam raízes na ordem jurídica superada pela Constituição Federal de 1988 e pelo Código Civil de 2002. O paradigma no qual foram edificadas transitava, essencialmente, dentro da órbita dos direitos patrimoniais. Porém, atualmente isso não mais se sustenta. Reconhecem-se, corriqueiramente, amplos catálogos de direitos não patrimoniais ou de bens imateriais da pessoa – como a honra, o nome, imagem, integridade moral e psíquica, entre outros.

4. Ademais, hoje, mesmo que se adote qualquer das outras duas teorias restritivas, há de se reconhecer a titularidade de direitos da personalidade ao nascituro, dos quais o direito à vida é o mais importante. Garantir ao nascituro expectativas de direitos, ou mesmo direitos condicionados ao nascimento, só faz sentido se lhe for garantido também o direito de nascer, o direito à vida, que é direito pressuposto a todos os demais.

5. Portanto, é procedente o pedido de indenização referente ao seguro DPVAT, com base no que dispõe o art. 3º da Lei n. 6.194/1974. Se o preceito legal garante indenização por morte, o aborto causado pelo acidente subsume-se à perfeição ao comando normativo, haja vista que outra coisa não ocorreu, senão a morte do nascituro, ou o perecimento de uma vida intrauterina.

6. Recurso especial provido.”

[61] Idem.

[62] Idem.

[63] Idem.

[64] Idem.

[65] Idem.

[66] SANSEVERINO, Paulo de Tarso relat. para Acórdão – Acórdão do Superior Tribunal de Justiça com o número Recurso Especial 2009/0017595-0, de 07 de dezembro de 2010. [Em linha].  [Consult. 6 out. 2018]. Disponível em http://www.stj.jus.br. Reproduzimos a seguir a ementa do referido acórdão: “RECURSO ESPECIAL. DIREITO SECURITÁRIO. SEGURO DPVAT. ATROPELAMENTO DE MULHER GRÁVIDA. MORTE DO FETO. DIREITO À INDENIZAÇÃO. INTERPRETAÇÃO DA LEI Nº 6194/74.

1 - Atropelamento de mulher grávida, quando trafegava de bicicleta por via pública, acarretando a morte do feto quatro dias depois com trinta e cinco semanas de gestação. 
2 - Reconhecimento do direito dos pais de receberem a indenização por danos pessoais, prevista na legislação regulamentadora do seguro DPVAT, em face da morte do feto. 
3 - Proteção conferida pelo sistema jurídico à vida intra-uterina, desde a concepção, com fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana.
4 - Interpretação sistemático-teleológica do conceito de danos pessoais previsto na Lei nº 6.194/74 (arts. 3º e 4º). 
5 - Recurso especial provido, vencido o relator, julgando-se procedente o pedido.”

[67] BARBAS, Stela Marcos de Almeida Neves – Direito ao Património Genético. Coimbra:Almedina, 2006. ISBN 972-40-1113-5, p. 48. 

[68] JACQUES ROBERT, apud Stela Marcos de Almeida Neves – Direito ao Património Genético. Coimbra:Almedina, 2006. ISBN 972-40-1113-5, p. 50. 

[69] Stela Marcos de Almeida Neves – Direito ao Património Genético. Coimbra:Almedina, 2006. ISBN 972-40-1113-5, p. 50-51. 

[70] Idem, p. 61-62.

[71] FUX, Luiz relat. – Acórdão do Supremo Tribunal Federal com o número Agravo Regimental no Mandado de Injunção 6591-DF, de 16 de junho de 2016. [Em linha].  [Consult. 6 out. 2018]. Disponível em http://www.stf.jus.br.

[72] BARBAS, Stela Marcos de Almeida Neves – Direito ao Património Genético. Coimbra:Almedina, 2006. ISBN 972-40-1113-5, p. 166. 

[73] PLATÃO apud CABRAL, João de Pina; VIEGAS, Susana de Matos – Nomes e ética: uma introdução ao debate. In Nomes: Género, Etnicidade e FamíliaCoimbra: Almedina, 2007. ISBN 978-972-40-3060-9, p. 13.

[74] SILVA, Manuel Duarte Gomes da – Esboço de uma Concepção Personalista do Direito: reflexões em torno da utilização do cadáver humano para fins terapêuticos e científicos. Lisboa: Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 1965, p. 133.

[75] OLIVEIRA ASCENSÃO, José de – A dignidade da pessoa e o fundamento dos direitos humanos. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo  [Em linha]. São Paulo. V. 103. (jan./dez. 2008), p. 277-299 [Consult. 16 Mar. 2016]. Disponível em http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos, p. 281-82.

[76] NOVAIS, Jorge Reis – A dignidade da pessoa humana.  Vol I – Dignidade e Direitos Fundamentais.  Coimbra: Almedina, 2015. ISBN 9789724061573, p. 17-21.

[77] CANOTILHO, J.J. Gomes – Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7.ª ed. Coimbra: Almedina, 2003, ISBN 9789724021065. p. 396.

[78] PIRES, Alex Sander Xavier – Súmula vinculante e liberdades fundamentais. Rio de Janeiro: [sn], 2016. ISBN 978-85-909488-2-7, p. 194-195.

[79] CÓDIGO Civil. 8.ª ed. Coimbra: Almedina, 2017. ISBN 978-972-40-6639-4, p. 24-25.

[80] “Pseudônimo” é o chamado “nome artístico”. O termo “apelido”, no Brasil, é sinônimo de “hipocorístico”, que é o vocábulo familiar carinhoso. Em Portugal, no entanto, “apelido” é utilizado no sentido de “sobrenome”, razão pela qual algumas leis brasileiras adotam o termo “apelido” em lugar de “sobrenome”. São exemplos de “apelidos”, no sentido de “hipocorístico”, utilizado no Brasil: Zezinho, Bidu, Chico, Didi, Lula, Xuxa, entre outros. É o que esclarece Nélson Oliver. OLIVER, Nelson – Todos os nomes do mundo. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005, p. 36.

[81] CARVALHO, Manuel Vilhena de – O nome das pessoas e o direito.  Coimbra: Almedina, 1989, p. 17.

[82] PERREAU apud CARVALHO, Manuel Vilhena de – O nome das pessoas e o direito. p. 29.

[83] BAPTISTA, Eduardo relat. – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça com o número 02B1669, de 20/06/2002. [Em linha].  [Consult. 13 abr. 2017]. Disponível em http://www.stj.pt/index.php/jurisprudencia-42213/basedados.

[84] BERNARDINO, Santos relat. – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal com o número 03B3153, de 29 jan. 2004. [Em linha]. [Consult. em 13 abr. 2017]. Disponível em http://www.stj.pt/index.php/jurisprudencia-42213/basedados.

[85] CORRÊA, Maurício relat. – Acórdão do Supremo Tribunal Federal do Brasil com o número RE 248869, de 07 ago. 2003. [Em linha]. [Consult. em 10 out. 2017]. Disponível em http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia.

[86] MINAS GERAIS. Código de Normas do Extrajudicial. Provimento n.º 260 da Corregedoria-Geral de Justiça de Minas Gerais. Belo Horizonte. 30 de outubro de 2013. [Em linha]. [Consult. em 6 out. 2018]. Disponível em http://www8.tjmg.jus.br/institucional/at/pdf/cpr02602013.pdf.

[87] VELOSO, Zeno – Nome civil da pessoa natural. Tratado de direito das famílias. Belo Horizonte: IBDFAM Instituto Brasileiro de Direito de Família, 2.ª ed., 2016, ISBN 978-85-69632-01-6, p. 431.

[88] BASTOS, Aurélio Wander – Prefácio. In:PIRES, Alex Sander Xavier – Justiça na perspectiva kelseniana. Rio de Janeiro: Freitas Bastos Editora, 2013. ISBN 978-85-7987-167-2, p. X-XI.

[89] PIRES, Alex Sander Xavier – Súmula vinculante e liberdades fundamentais. Rio de Janeiro: [sn], 2016. ISBN 978-85-909488-2-7, p. 194-195.