Oficiais de registro civil fazem campanha para conscientizar pais sobre nome de filhos no Rio

RIO – Vitória Hexa, Arquiteclínio Petrocoquínio de Andrade, Ava Gina (em homenagem a Ava Gardner e Gina Lolobrigida), Kaylonny, Chevrolet da Silva Ford e Renaut Megane. A criatividade na hora da escolha do nome de recém-nascidos tem sido uma dor de cabeça para oficiais de registro civil. No Rio, a categoria está unida numa campanha informal para conscientizar os pais, no momento de registrarem seus filhos, das consequências futuras na vida das crianças que recebem nomes inusitados. Por exemplo, casos como os de Vitória Hexa (uma homenagem à Seleção Brasileira) e Messalina (mulher do Império Romano cujo nome virou símbolo de promiscuidade) não foram à frente.

 

Os oficiais de cartório têm a prerrogativa de intervir e orientar os pais. Caso haja insistência, eles consultam o juiz da Vara de Registros Civis sugerindo a troca do nome em casos que possam expor ao ridículo, futuramente, o recém-nascido.

 

Na quinta-feira da semana passada, um estudante de 7 anos da rede municipal de ensino começou uma nova vida: foi a um cartório da Zona Sul da cidade e recebeu a senha que poderá livrá-lo de um tormento que o fazia corar de tanto constrangimento em sua rotina escolar. Ele ganhou uma nova certidão de nascimento e um novo nome. Saiu Anicéto e entrou David Luís, seu ídolo da seleção brasileira, como informou Ancelmo Gois em sua coluna no GLOBO.

 

Na hora do recreio na Escola Municipal Sérgio Vieira de Mello, no Leblon, as “alfinetadas” eram constantes: “Lá vem o inseto”, zombavam os colegas. Anicéto — nome do décimo primeiro papa, entre os anos 154 e 166 d.c. — foi dado ao menino pelo pai, que se chama Anicéto Júnior, como homenagem ao avô do garoto, homônimo.

 

— Mas é um nome muito antigo. As crianças não conhecem. E aí veio a zombaria. Meu filho estava muito triste. Ele quer levar para a escola todos os dias uma cópia da nova certidão. Diz que vai mostrar para quem tentar zombar dele. Vai dizer que agora seu nome é David Luís. Vamos ver se vai dar certo — torce a costureira Maria Aparecida Vicente, de 47 anos, mãe do garoto, que mora na Rocinha e é separada. — Felizmente, o pai aceitou e providenciamos a mudança de nome.

 

A história do menino ganhou novos ares no Cartório do Catete, onde a tabeliã Priscilla Milhomem, presidente da Associação de Registradores Civis de Pessoas Naturais do Estado do Rio (Arpen – RJ), intercedeu em favor da criança junto à Vara de Registros Públicos da Capital. Então juiz da vara, o hoje desembargador Luiz Henrique de Oliveira Marques analisou o caso e autorizou a troca de nome.

 

— O papel do oficial de registro civil, que registra o nascimento da criança e o nome que seus pais lhe escolheram, é o de fazer um filtro de nomes que tenham um potencial de gerar situações constrangedoras para aquela pessoa, futuro cidadão, em situações da sua vida. Muitas vezes os pais não conseguem perceber este possível prejuízo futuro, mas o oficial, por sua experiência e posição neutra, consegue perceber uma situação potencialmente prejudicial àquela criança — observou Priscilla.

 

Ela lembrou de um caso ocorrido no início dos anos 2000 no interior do estado, onde um casal quis registrar a filha com o nome Renaut Megane, marca de um carro popular.

 

— O registrador ponderou que era um nome bonito, mas informou tratar-se do nome de um carro. Os pais desistiram e mudaram o nome da menina — contou.

 

A Lei 6015/73, que regula os registros públicos, diz em artigo 56 que "os oficiais do registro civil não registrarão prenomes suscetíveis de expor ao ridículo os seus portadores. Quando os pais não se conformarem com a recusa do oficial, este submeterá por escrito o caso, independente da cobrança de quaisquer emolumentos, à decisão do juiz competente".

 

O desembargador Luiz Henrique de Oliveira Marques considera de muita importância a intervenção dos registradores públicos.

 

— O caso do menino Anicéto é exemplar. A oficial relatou a angústia da criança. Isso acontece às vezes. Lembro de uma mulher que se chamava Josefa e queria mudar para Gilvaneide. Achei estranho, mas ela foi convincente. Todos os seus dez irmãos tinham nomes parecidos, iniciados com a letra G. Ela queria sentir-se pertencente à família. Considerei aceitável o pedido — contou o desembargador.

 

Outro caso lembrado pelo magistrado aconteceu em junho de 2013, quando uma mulher chamada Valdecir foi pedir ajuda.

 

— Hoje, ela se chama Cecília — disse.

 

No fim do ano passado, a jornalista Cláudia Carvalho teve um acesso de riso quando ouviu o nome do funcionário de um serviço de teleatendimento.

 

— Calígula, em que posso ajudar? — disse o atendente, que prosseguiu. — Dona Cláudia, pode rir, já estou acostumado.

 

A psiquiatra Julieta Guevara tem interesse pelo assunto e analisa as consequências de um nome improvisado.

 

— Nome é uma denominação. Funciona por convenção. Assim vão se criando nomes comuns em cada língua de acordo com a cultura. Convencionamos representações de força ou profissões aos homens (Bruno: escuro; ou Felipe: cuida dos cavalos) e delicadeza ou beleza para as mulheres (Clara, Linda). Na infância estreiam emoções boas ou ruins. Quando as crianças conhecem a linguagem, começam a brincar com os sinônimos ou os significados. Ser popular significa ser aceito e qualquer coisa serve para brincadeira. Pronto está feito o caldo da cultura do bullying com nomes que se prestam para isto — comentou.

 

Ana Paula Caldeira, oficial do Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais da 3ª Zona Judiciária de Niterói, foi responsável por impedir o registro de nomes como Vitória Hexa, Messalina, Ana Praia e Kaylonni. Mas disse não ter interferido na escolha de nomes como Dionique (misturo no nome do pai, Diogo, e da mãe, Monique). Pecerson e Dinamarca, por exemplo.

 

— É uma situação muito tênue. Por que o titular do cartório não pode substituir a vontade dos pais. Os pais têm, em princípio, liberdade para escolher o nome de seus filhos. E o Brasil não estabelece um critério preciso do que seria permitido ou negado. Então, via de regra é possível o registro de qualquer nome da vontade dos pais. Pode-se escolher um nome estrangeiro, exótico, diferente. Os pais podem homenagear pessoas, lugares, entidades, personagens históricos, bíblicos, religiosos de um modo geral, homenagear artistas etc. Os pais podem também criar um nome, juntando parte do nome do pai e outra parte do nome da mãe, dando origem a um terceiro nome. Mas essa liberdade é limitada e deve ser confrontada com o interesse do próprio menor que está tendo seu nascimento registrado.

 

 

Fonte: O Globo