Proposta de Estatuto da Família preocupa especialistas em audiência pública na ALMG

Representantes de instituições ligadas aos direitos humanos; Poder Judiciário; associações de lésbicas, gays, bissexuais e transexuais (LGBT); academia; e deputados debateram, em audiência pública realizada na manhã desta quinta-feira (9/4/15), o conceito contemporâneo de família. A preocupação com a aprovação do Projeto de Lei Federal 6.583/13, que dispõe sobre Estatuto da Família, e restringe a entidade familiar à união entre um homem e uma mulher, direcionou os debates da reunião conjunta das Comissões de Participação Popular e de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). A atividade foi solicitada pela deputada Marília Campos (PT).

 

De acordo com a parlamentar, a proposição de autoria do deputado Anderson Ferreira (PR-PE), define entidade familiar como o núcleo social formado a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou união estável, ou ainda por comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. Para ela, a proposição é um retrocesso provocado por um grupo conservador da Câmara dos Deputados, e vai contra uma pesquisa do IBGE que identificou pelo menos 16 tipos de arranjos familiares no Brasil. “Dizer que, num universo de 57 milhões de famílias, apenas uma forma é a certa, é excludente e preconceituoso”, lamentou.

 

O coordenador do Núcleo dos Direitos Humanos e Cidadania LGBT da UFMG, professor Marco Aurélio Máximo Prado, mostrou sua indignação com a proposta de criação do Estatuto da Família. Para ele, trata-se de uma violência contra a sociedade. Ele defendeu que, ao longo dos tempos, as famílias nunca tiveram um só formato, pois estão em constante transformação. Além de excludente, o professor apontou que a proposta fere todas as formas de amor e carinho entre as pessoas. “A família mítica que esse estatuto defende é a que mais viola os direitos dos LGBTs. O Estado deve atuar para incluir direitos, e não retirá-los”, salientou.

 

O ex-deputado federal e ex-secretário de Direitos Humanos da Presidência da República, Nilmário Miranda, também mostrou-se indignado com o texto do projeto. Para ele, é um desrespeito à Declaração Universal dos Direitos Humanos, que define que as pessoas nascem iguais e livres, com dignidade e direitos. Segundo ele, não basta o Estado dar garantias legais às famílias, pois é preciso defender principalmente o respeito cotidiano e a não discriminação. “É preciso garantir as diferenças e a diversidade. As famílias se transformaram e as pessoas devem olhar o lado das crianças, que merecem uma família, não importa a forma em que elas se estabelecerem”, alertou.

 

Atual projeto seria distorção de proposição arquivada

 

O presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família, Rodrigo da Cunha Pereira, lembrou que o PL 6.583/13 estaria alterando um antigo projeto, chamado de Estatuto das Famílias, que propunha exatamente o contrário do texto em tramitação. De acordo com ele, o antigo texto, que teria sido barrado pela chamada bancada religiosa na Câmara dos Deputados, defendia a pluralidade familiar, e não a restrição de direitos. “Esse projeto é conservador e excludente. Se prosperar, vai nascer inconstitucional, uma vez que promove um atentado contra os direitos humanos”, disse. Para ele, é preciso defender um estado laico, com igualdade de tratamento a todos.

 

A coordenadora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa dos Direitos Humanos, Nivia Mônica da Silva, lamentou o fato de o Poder Judiciário ainda precisar intervir em temas de foro íntimo das pessoas, como a opção sexual. Para ela, o Estado não pode escolher a quem proteger, uma vez que a Constituição estabelece que todos têm direitos iguais. “No momento em que deveríamos estar postulando a liberdade, as escolhas têm sido questionadas pelo poder constituído”, afirmou.

 

A defensora pública Júnia Roman Carvalho também alertou para a ameaça de retrocesso. Ela explicou que as ações judiciais relativas a gênero, por exemplo, são mais lentas, o que refletiria um sistema judicial conservador. Ela acrescentou que o ideal seria que Justiça não precisasse ser procurada para solucionar esse tipo de questão. E alertou que as famílias consideradas no projeto do deputado federal Anderson Ferreira são as que mais violam os direitos humanos.

 

Atenção aos direitos das crianças também foi destacada

 

A professora associada da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG, Regina Helena Alves da Silva, cobrou das autoridades a oportunidade de dar voz às crianças. Ela relatou como se deu o processo de adoção movido por ela e sua companheira. “Nosso dois filhos vieram de uma família formada por um homem e uma mulher, que perderam sua guarda por maus-tratos, e hoje eles têm um lar onde se sentem amados e respeitados. Eu gostaria de ouvir das pessoas que ousam falar em nome do que chamam de 'família' se o que temos não é uma família”, questionou. Para ela, o estatuto desprotege a maioria dos cidadãos e crianças brasileiras.

 

O representante da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABLGT), professor Anderson Cunha, lamentou o que chamou de tentativa de cristalização de um modelo de família no ensino regular. “Os LGBTs não são contra a família, mas a favor da diversidade do conceito de família”, finalizou.

 

Deputados preocupados com conservadorismo do Congresso

 

Os parlamentares que participaram da reunião foram unânimes ao afirmar que o pensamento conservador vem ganhando força no Congresso Nacional. Para o deputado Cristiano Silveira (PT), o Estatuto da Família é um retrocesso, até porque não se baseia em nenhum estudo sociológico ou antropológico.

 

O deputado Fábio Cherem (PSD) também mostrou-se preocupado com essa tendência observada em Brasília. Ele defendeu que a família é a materialização do amor e que é opção de qualquer cidadão enriquecer sua vida na companhia do outro, independentemente da sua opção sexual.

 

A deputada Geisa Teixeira e o deputado Doutor Jean Freire (ambos do PT) reforçaram a transformação das famílias ao longo dos tempos e a necessidade de garantir os direitos desses novos núcleos familiares.

 

Ao final, a deputada Marília Campos apresentou um requerimento, a ser aprovado na próxima reunião, para que seja enviado ao presidente da ALMG, deputado Adalclever Lopes (PMDB), pedido de inclusão, na grade de programação da TV Assembleia, de um programa que trate dos conceitos modernos de família.

 

Consulte o resultado da reunião.

 

 

Fonte: ALMG