Registro público: nome, alteração, possibilidade, motivos justificáveis, permissão legal

EMENTA

REGISTRO PÚBLICO. NOME. ALTERAÇÃO. POSSIBILIDADE. MOTIVOS JUSTIFICÁVEIS. PERMISSÃO LEGAL.
I – Para se conhecer do recurso especial, pela letra “c” do permissivo constitucional, é imperioso que a base fática do acórdão recorrido se identifique com aquela na qual se basearam os paradigmas.
II – A alteração do nome encontra amparo legal, desde que ocorram motivos suficientes para tanto, devidamente acolhidos pelo judiciário.
III ¿ In casu, justifica-se a alteração do nome dos requerentes, diante dos relevantes motivos sociais e familiares invocados. Não teria sentido, agora, já idosos, serem os autores obrigados a alterar toda a sua documentação, bem como todos os assentos de nascimento dos filhos e dos prováveis netos. Isso, sim, implicaria, realmente, em mudança de nome.
Recurso especial a que se nega conhecimento, ressalvado o entendimento do relator, no tocante à terminologia.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos, acordam os Srs. Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, prosseguindo o julgamento, após o voto-vista da Sra. Ministra Nancy Andrighi, a Turma, por unanimidade, não conhecer do recurso especial.
Os Srs. Ministros Antônio de Pádua Ribeiro, Carlos Alberto Menezes Direito e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator.
Não participou do julgamento o Sr. Ministro Ari Pargendler (§ 2º, art. 162, RISTJ).

Brasília (DF), 19 de novembro de 2002(Data do Julgamento).

MINISTRO CASTRO FILHO
Relator

RECURSO ESPECIAL Nº 146.558 – PR (1997/0061392-5)
RELATOR : MINISTRO CASTRO FILHO
RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ
RECORRIDO : JOÃO RIBEIRO MIRA E CÔNJUGE
ADVOGADO : LAÉRCIO ADEMIR DOS SANTOS

O EXMO. SR. MINISTRO CASTRO FILHO(Relator): JOÃO RIBEIRO MIRA e ANA CARLOS VIEIRA ajuizaram ação objetivando a retificação de seus nomes para fins de aposentadoria.

Dizem que, equivocadamente, no assento de casamento constam seus nomes como JOÃO LUIZ RIBEIRO e ANA DA CONCEIÇÃO RIBEIRO. Todavia, tornaram-se conhecidos no meio social pelos nomes trazidos na inicial, que são os constantes em seus demais documentos, dos documentos de seus sete filhos e de suas aquisições imobiliárias.

A sentença julgou improcedente o pedido, asseverando ser juridicamente impossível a alteração do patronímico.

O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, analisando todas as provas trazidas aos autos, deu provimento ao apelo dos autores em acórdão assim ementado:

“RETIFICAÇÃO DO REGISTRO CIVIL. NOME CONSIGNADO NO ASSENTO DE CASAMENTO EM DESARMONIA COM AQUELE QUE A PESSOA SE TORNOU CONHECIDA NO MEIO SOCIAL. POSTULAÇÃO JUSTIFICADA QUE NÃO ESBARRA COM O PRINCÍPIO DA IMUTABILIDADE DO PRENOME. OCORRÊNCIA DE RAZÕES RESPEITÁVEIS PARA A ACOLHIDA DO PLEITO, CONTRIBUINDO TAMBÉM PARA AJUSTE DE SITUAÇÕES REFLEXAS ENCADEADAS.
SENTENÇA INDEFERITÓRIA REFORMADA. APELO PROVIDO.”

Inconformado, o Ministério Público local apresenta recurso especial, com amparo nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional.

Alega o recorrente, além de dissídio jurisprudencial, que o aresto hostilizado contrariou o disposto no artigo 56 da Lei 6.015/73.

Quanto ao pedido formulado por João Ribeiro Mira, sustenta inexistir embasamento legal para retificação, pois “o interesse da lei reside na conservação dos apelidos de família, reveladores que são, da procedência dos indivíduos e que os identificam como membros de um determinado clã”.

Em relação à Ana Carlos Vieira, argumenta que “poderia haver, no máximo, um acréscimo dos nomes de família do pai, e não a supressão dos apelidos havidos da mãe quando do registro”.

Remetidos os autos ao Ministério Público Federal, opinou seu ilustre representante pelo não conhecimento do recurso.

É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 146.558 – PR (1997/0061392-5)
RELATOR : MINISTRO CASTRO FILHO
RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ
RECORRIDO : JOÃO RIBEIRO MIRA E CÔNJUGE
ADVOGADO : LAÉRCIO ADEMIR DOS SANTOS

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO CASTRO FILHO(Relator): Cumpre ressaltar, em primeiro lugar, que o presente recurso não pode ser conhecido pela alínea ‘c’ do permissivo constitucional.

A divergência não se encontra configurada, já que diferentes são os aspectos fáticos existentes entre o acórdão recorrido e o paradigma.

O aresto trazido à colação trata de hipótese em que o pedido de alteração de nome foi indeferido por se entender que o simples fato de o pai ter abandonado a criação do requerente não seria motivo suficiente para a pretendida alteração.

No caso dos autos, pretende-se a alteração de nome em virtude da diferença entre o constante do assento de casamento e aquele pelo qual se tornaram os autores conhecidos no meio social.

Trata-se, pois, de situações bem distintas.

No que toca à alegada violação ao artigo 56 da Lei 6.015/73, discute-se, no presente especial, se possível a alteração dos nomes dos recorridos.

Com efeito, a Lei de Registros Públicos, ao cuidar da disciplina relativa ao nome civil, assim dispõe, nos artigos 56 e 57:

“Art. 56. O interessado, no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil, poderá, pessoalmente ou por procurador bastante, alterar o nome, desde que não prejudique os apelidos de família, averbando-se a alteração que será publicada pela imprensa.”

“Art. 57. Qualquer alteração posterior de nome, somente por exceção e motivadamente, após audiência do Ministério Público, será permitida por sentença do juiz a que estiver sujeito o registro, arquivando-se o mandado e publicando-se a alteração pela imprensa.”

Como se vê, a alteração do nome encontra amparo legal, desde que ocorram motivos suficientes para tanto, devidamente acolhidos pelo judiciário.

Em que pesem os argumentos expendidos pelo ilustre representante do Ministério Público do Estado do Paraná, creio que, diante das peculiaridades do caso, adequada a solução adotada pelo tribunal a quo.

Vale reproduzir o que consta do voto do ilustre Relator, Juiz de Alçada convocado, Dr. Sérgio Arenhart:

“Com a devida venia do ilustrado parecer da Procuradoria Geral de Justiça, tenho que o apelo mereça ser provido. O que pediram os apelantes não estava vedado em lei, antes havendo encontrado largo apoio até pela pesquisa sobre o imóvel da intenção gizada, na demorada investigação probatória para instrução do feito, de sorte a justificar plenamente a alteração do registro civil: não dos prenomes, mas sim pela composição do nome agregado e que se constitui em providência para harmonizar a situação desajustada que constou na certidão de casamento do casal, postada em flagrante conflito com o nome pelo qual se tornaram socialmente conhecidos.
A imutabilidade dos prenomes, como se disse, fica preservada: nada muda do ‘João’ e da ‘Ana’. Mas se quisesse ter a vulneração pelo que é suprimido ao primeiro ¿ o ‘Luiz’ -, haveria que ponderar com o que consagra a jurisprudência pelo excerto do acórdão reporduzido na prefacial:

‘A regra da imutabilidade do prenome tem por escopo GARANTIR A PERMANÊNCIA DAQUELE COM QUE A PESSOA SE TORNOU CONHECIDA NO MEIO SOCIAL. Se o prenome lançado no registro, por razões respeitáveis e não por mero capricho, jamais representou a individualidade de seu portador, a retificação é de ser admitida, sobrepujando as realidades da vida o simples apego às exigências formais’ (TJSP ¿ 5ª CC. in ADCOAS 66.181)

Ainda,

‘Prenome imutável é aquele QUE FOI POSTO EM USO, EMBORA NÃO CONSTE DO REGISTRO; e não o constante do registro e nunca usado. O QUE A LEI QUER, ou melhor, NÃO QUER, É QUE HAJA ALTERAÇÃO DO PRENOME NO MEIO SOCIAL E NÃO NO LIVRO DE REGISTRO’ (RT 185/424)

As alterações ocorrem em essência com o sobrenome, vez mais dizendo-se para pôr em harmonia com a realidade fática constatada, segundo o reconhecimento social que se fez demonstrado; e ainda, sem desvio do sobrenome como ostentado pelo lado paterno ou materno caracterizando também proveito que não se limita aos próprios apelantes, mas expande os efeitos para a numerosa prole do casal (sete filhos, alguns já casados) e que, na negativa da retificação, haveriam eles então de procedê-las em seus assentos de nascimento atrelados.
Confira-se, nas particularidades, o que foi procurado emendar ao registro de casamento.
Do varão: o constante ‘JOÃO LUIZ RIBEIRO’ para ‘JOÃO RIBEIRO MIRA’. Ribeiro é o nome de família advindo dos pais (José Luiz Ribeiro e Maria Antônia Ribeiro); Mira é o agnome buscado adicionar, com o qual se tornou conhecido e tem viso de origem por familiares do primeiro laço matrimonial com a finada Amélia Ribeiro Santos (filha de José Ribeiro dos Santos e Ana Balbina de Mira ¿ fls. 48 e 81).
Da virago: ‘ANA RIBEIRO DA CONCEIÇÃO’ para ‘ANA CARLOS VIEIRA’. Ribeiro da Conceição é o sobrenome do lado materno, enquanto Carlos Vieira o é pelo lado paterno (filha de Pedro Carlos Vieira e Francisca Ribeiro da Conceição ¿ fls. 07 e 82). A alteração aqui é puramente de inversão, conjugando o interesse que poderia ter sido exercitado de acordo com o previsto pelo artigo 56 da Lei 6.015/73).
Pelo visto, a retificação requerida é plenamente justificada. Outrossim, da intensa investigação que se fez para saber se o pleito não envolveria intento escuso ou até criminoso (foram requisitados os processos de habilitação de casamento e inúmeras informações de antecedentes pelas repartições policiais e judiciais), nada decorreu apontado que pudesse ao menos macular a sobredita postulação, o que deixa, com todas as venias, desviada a sentença pela boa e melhor aplicação do direito e da justiça ao caso.”

Conforme asseverou o acórdão recorrido, mesmo a supressão do prenome Luiz, in casu, é possível, vez que a regra da imutabilidade do prenome (art. 58 da Lei 6.015/73) destina-se a garantir a permanência daquele com que a pessoa tornou-se conhecida no meio social.

No que toca ao acréscimo do apelido Mira, em que pese o patronímico originar-se de familiares do primeiro matrimônio com a já falecida Amélia Ribeiro dos Santos, tenho que deve ele ser adicionado, pois, se por JOÃO RIBEIRO MIRA é conhecido o ora recorrido, hoje com 72 anos de idade, se todos os seus documentos e de seus filhos foram expedidos com o apelido Mira, assim seus conhecidos e amigos o chamam, então o objetivo da norma leva exatamente à alteração do assento de casamento, pois caso seja mantido o que ali consta, ninguém identificará o ora recorrido. Assim, o registro será posto em consonância com a verdade.

Tenho que a alteração do nome da autora, passando a adotar o patronímico de seu pai, também vai além de conveniências pessoais. Há motivos relevantes para a modificação reclamada: em todos os documentos de seus filhos consta como mãe Ana Carlos Vieira, e não Ana da Conceição Ribeiro, e assim é a requerente conhecida no meio social em que vive, estando hoje com 69 anos.

Diante de tal quadro fático, não se me afigura razoável criar obstáculos às pretendidas alterações, mesmo porque, como ficou expresso, não se constatou qualquer motivo subalterno para formulação do pedido.

Conforme salientou o ilustre representante do Parquet, Dr. Roberto Casali, “situações fáticas consolidadas devem ser juridicamente reconhecidas, como o registro de nascimento de filhos, escrituras de imóveis, e mesmo a identificação na sociedade a partir de nome diverso do original, desde que tal não se preste a acobertar ilícitos”.

Em situação assemelhada, em que também se discutia acerca da possibilidade de alteração de nome, assim se manifestou o ilustre Ministro Sálvio de Figueiredo:

“No campo do Direito Processual, há muito já se superou a idéia do rito pelo rito, da forma pela forma, estando voltado seu estudo para a instrumentalidade, para os seus escopos também políticos (na acepção pura do termo) e sociais, com vistas à realização efetiva da Justiça e do bem comum. O Direito material, por sua vez, caminha no mesmo trilho, principalmente pela abolição da interpretação gramatical da lei, procurando o máximo de integração sistemática e teleológica para substituir o já ultrapassado rigorismo legal. É, em última análise, a aplicação da doutrina da ‘lógica do razoável’, admiravelmente desenvolvida por Recasens Siches, que entre nós encontra ressonância na norma do art. 5º da Lei de Introdução.
Conforme anota Benedito Silvério Ribeiro, ‘a jurisprudência vem dando a correta interpretação ao art. 58 da LRP: o que se pretende com o nome civil é a real individualização da pessoa perante a família e a sociedade’ (Análise dos Casos que Implicam Alterações no Registro Civil, tese apresentada no 1º Simpósio Nacional de Serviços Notariais e Registrais, Revista Anoreg, 1996. p. 136).”

No caso ora em exame, tenho que se trata de fato consumado, não irreversível, por certo, mas que não convém seja modificado.

Não terá sentido, agora, já idosos, serem os autores obrigados a alterar toda a sua documentação, bem como alterar todos os assentos de nascimento dos filhos e dos prováveis netos. Isso, sim, implicaria, realmente, mudança de nome.

Destarte, tenho como justificável a alteração do nome dos requerentes, diante dos relevantes motivos sociais e familiares invocados, razão pela qual, tecnicamente, seria de se negar provimento ao especial. Todavia, na esteira da dicção utilizada por este Tribunal, nego conhecimento ao recurso, ressalvado meu ponto de vista quanto à terminologia.

É como voto.

MINISTRO CASTRO FILHO
Relator

CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA
Número Registro: 1997/0061392-5 RESP 146558 / PR

Números Origem: 467741 5993

PAUTA: 05/02/2002 JULGADO: 21/02/2002

Relator
Exmo. Sr. Ministro CASTRO FILHO

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO

Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. HENRIQUE FAGUNDES

Secretária
Bela SOLANGE ROSA DOS SANTOS VELOSO

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ
RECORRIDO : JOÃO RIBEIRO MIRA E CÔNJUGE
ADVOGADO : LAÉRCIO ADEMIR DOS SANTOS

ASSUNTO: Civil – Registros Públicos

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

“Após o voto do Sr. Ministro Relator, não conhecendo do recurso especial, pediu vista, antecipadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi.”
Aguardam os Srs. Ministros Antônio de Pádua Ribeiro e Carlos Alberto Menezes Direito.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Ari Pargendler.

O referido é verdade. Dou fé.

Brasília, 21 de fevereiro de 2002

SOLANGE ROSA DOS SANTOS VELOSO
Secretária

RECURSO ESPECIAL Nº 146.558 – PR (1997/0061392-5)
VOTO-VISTA

MINISTRA NANCY ANDRIGHI :

Cuida-se de Recurso Especial interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, com fundamento no art. 105, III, letras “a” e “c”, da Constituição Federal, contra acórdão proferido em ação de conhecimento em que se pretende a alteração dos nomes constantes da certidão de casamento dos autores, ora recorridos, a fim de atender à exigência, em tal sentido, de órgão previdenciário para concessão de aposentadoria.
O acórdão recorrido está assim ementado:
“RETIFICAÇÃO DO REGISTRO CIVIL. NOME CONSIGNADO NO ASSENTO DE CASAMENTO EM DESARMONIA COM AQUELE QUE A PESSOA SE TORNOU CONHECIDA NO MEIO SOCIAL. POSTULAÇÃO JUSTIFICADA QUE NÃO ESBARRA COM O PRINCÍPIO DA IMUTABILIDADE DO PRENOME. OCORRÊNCIA DE RAZÕES RESPEITÁVEIS PARA A ACOLHIDA DO PLEITO, CONTRIBUINDO TAMBÉM PARA AJUSTE DE SITUAÇÕES REFLEXAS ENCADEADAS.
SENTENÇA INDEFERITÓRIA REFORMADA. APELO PROVIDO.”

Sustenta o Recurso Especial violação ao art. 56 da Lei nº 6.015/73, aduzindo que tal dispositivo ao afirmar “a possibilidade de alteração do nome, consigna expressamente a impossibilidade de prejuízo aos apelidos de família” e “no caso ora examinado é justamente o que se pretende”.
Alega, ainda, a existência de divergência jurisprudencial.
O em. Min. Castro Filho negou provimento ao Recurso Especial, consignando, que, ante as peculiaridades do caso concreto, faz-se possível a pretendida alteração dos nomes dos recorridos.

Repisados os fatos, decide-se.

I – Art. 56 da LRP

Na petição inicial, os recorridos aduzem que os seus nomes, na certidão de casamento de ambos, constam como sendo “João Luiz Ribeiro” e “Ana da Conceição Ribeiro”.
Afirmam, no entanto, que são conhecidos no seu meio social como “João Ribeiro Mira” e “Ana Carlos Vieira”, nomes estes que constam dos diversos documentos carreados aos autos, inclusive certidões de nascimento e de casamento de seus filhos e matrícula do imóvel de que são proprietários.
Tal discrepância de nomes se revelou um empecilho para a concessão de aposentaria pela previdência social, pelo que requerem a retificação dos nomes constantes da certidão de casamento.
A questão federal suscitada cinge a verificar se a pretendida alteração dos patronímicos é possível ante a imutabilidade dos apelidos de família positivada no art. 56 da LRP, dispositivo apontado como contrariado pelo recorrente.
Conforme escólio de Caio Mário da Silva Pereira, “elemento designativo do indivíduo e fator de sua identificação na sociedade, o nome integra a personalidade, individualiza a pessoa e indica a grosso modo a sua procedência familiar” (Instituições de Direito Civil, Vol. I, 6ª Ed., Rio de Janeiro, Forense, p. 155).
O patronímico, destarte, a par de indicar a origem familiar do indivíduo, é essencial à identificação social, civil e criminal do mesmo, pelo que o legislador, visando à segurança das relações jurídicas, erigiu em regra a sua imutabilidade.
Tal imutabilidade, no entanto, comporta exceções, conforme se dessume do art. 57 da LRP, o qual dispõe que qualquer alteração do nome após o transcurso do primeiro ano seguinte à maioridade civil do interessado (art. 56 da LRP), “somente por exceção e motivadamente, após a audiência do Ministério Público, será permitida por sentença do juiz que estiver sujeito o registro, arquivando-se o mandato e publicando-se a alteração pela imprensa”.
Assim, é admissível, “por exceção e motivadamente”, a alteração do patronímico, corroborando esse entendimento precedente desta col. Corte de Justiça (REsp 220.059/SP, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 12/02/2001), em que se decidiu que “o nome pode ser alterado mesmo depois de esgotado o prazo de um ano, contado da maioridade, desde que presente razão suficiente para excepcionar a regra temporal prevista no art. 56 da Lei 6.015/73, assim reconhecido em sentença (art. 57)”. Nesse mesmo sentido: REsp 66.643/SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 09/12/1997.
Cumpre, então, verificar se está configurada, na espécie, a excepcionalidade e o justo motivo ensejadores do acolhimento da pretensão manifestada pelos recorridos.
O acórdão recorrido destacou que a alteração de nome que se pretende é a seguinte:
“Do varão: o constante “JOÃO LUIZ RIBEIRO” para “JOÃO RIBEIRO MIRA”. Ribeiro é o nome de família advindo dos pais (José Luiz Ribeiro e Maria Antonia Ribeiro); Mira é o agnome buscado adicionar, como qual se tornou conhecido e tem viso de origem por familiares do primeiro laço matrimonial com a finada Amélia Ribeiro dos Santos (filha de José Ribeiro dos Santos e Ana Balbina de Mira – fls. 48 e 81).
Da virago: “ANA RIBEIRO DA CONCEIÇÃO” para “ANA CARLOS VIEIRA”. Ribeiro da Conceição é o sobrenome pelo lado materno, enquanto Carlos Vieira o é pelo lado paterno (filha de Pedro Carlos Vieira e Francisca Ribeiro da Conceição – fls. 07 e 82). (…)” (fls. 138-139).

Verifica-se que o recorrido, hoje com 73 anos de idade, e a recorrida, com 70 anos, não são conhecidos socialmente pelo nome constante da certidão de casamento, conforme conclusão do acórdão recorrido amparada na prova testemunhal (fls. 35 e 36).
Por outro lado, nas certidões de nascimento dos sete filhos do casal (fls. 06-19), com idade hoje entre 29 e 48 anos, o nome dos pais foi indicado como sendo “João Ribeiro Mira” e “Ana Carlos Vieira”. Nesses mesmos nomes está registrado o imóvel de propriedade do casal recorrido (fl. 20).
Evidencia-se, no caso concreto, que a pretensão manifestada pelos recorridos não se calca em mero capricho pessoal, devendo-se destacar que, a par de abarcar interesse dos recorridos de lograr a concessão da aposentadoria pela previdência social, alcança igualmente os seus descendentes e todas as relações jurídicas por estes estabelecidas.
Não se consente com a afirmativa da sentença, ao julgar improcedente o pedido dos recorridos, no sentido de que “na realidade todos os assentos de nascimento dos filhos dos requerentes é que devem ser modificados, adequando-se à realidade”. Tal orientação deixa de considerar que os numerosos descendentes dos recorridos constituíram uma família identificada pelo patronímico “Mira”, cuja alteração contrariaria o escopo perseguido pela regra da imutabilidade do nome, consubstanciado em assegurar a identificação do indivíduo e a segurança jurídica dos atos por este praticados.
Assim, não se pode ignorar, por apego ao registro e à imutabilidade do nome, uma situação fático-jurídico consolidada, pelo que resta caracterizada a excepcionalidade autorizadora da pretendida retificação da certidão de casamento.
Com relação à recorrida, considerando que a pretendida alteração do nome consiste na substituição do apelido de família materno pelo paterno e que este é o reconhecido socialmente, tampouco se vislumbra a contrariedade ao apontado dispositivo federal, porquanto “o que se pretende com o nome civil é a real individualização da pessoa perante a família e a sociedade” (Benedito Silvério Ribeiro, in REsp 66.643/SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 09/12/1997).
Cumpre consignar, ademais, que a pretensão dos recorridos não tem a finalidade de prejudicar terceiros nem de obstar a sua identificação pessoal, sendo que o acórdão recorrido, soberano no exame do conjunto fático-probatório carreados aos autos, concluiu que “da intensa investigação que se fez para saber se o pleito não envolveria intento escuso ou até criminoso (foram requisitados os processos de habilitação de casamento e inúmeras informações de antecedentes pelas repartições policiais e judiciais), nada decorreu apontado que pudesse ao menos macular a sobredita postulação”.
Dessa forma, comunga-se com o entendimento manifestado pelo em. Min. Relator no sentido de que “não terá sentido, agora, já idosos, serem os autores obrigados a alterar toda a sua documentação, bem como alterar todos os assentos de nascimento dos filhos e dos prováveis netos. Isto, sim, implicaria, realmente, mudança de nome”.
Inexiste, destarte, a alegada contrariedade ao art. 56 da LRP.

II – Divergência jurisprudencial

A divergência jurisprudencial não está devidamente demonstrada, porquanto ausente a confrontação analítica dos julgados, exigida nos termos dos arts. 541, parágrafo único, do CPC, e 255, §2º, do RISTJ.
Por outro lado, ante o entendimento firmado nesta Col. Corte de Justiça nos referidos precedentes, incide o óbice do enunciado da Súmula 83 do STJ.

Forte em tais razões, acompanho o em. Min Relator, e NÃO CONHEÇO do Recurso Especial.

É o voto.


RECURSO ESPECIAL Nº 146.558 – PR (1997/0061392-5)
VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO:
Senhor Presidente, acompanho o voto do Senhor Ministro Relator, considerando que Sua Excelência demonstrou que o registro originário, constante da certidão de nascimento, assim como o registro dos filhos e dos netos, estão conformes, havendo, apenas, um erro no registro do casamento. Trata-se, portanto, considerando as peculiaridades do caso concreto, de uma retificação de registro para torná-lo compatível com o registro originário.
Com essas razões, não conheço do recurso especial.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA
Número Registro: 1997/0061392-5 RESP 146558 / PR

Números Origem: 467741 5993

PAUTA: 05/02/2002 JULGADO: 19/11/2002

Relator
Exmo. Sr. Ministro CASTRO FILHO

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO

Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. HENRIQUE FAGUNDES

Secretária
Bela. SOLANGE ROSA DOS SANTOS VELOSO

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ
RECORRIDO : JOÃO RIBEIRO MIRA E CÔNJUGE
ADVOGADO : LAÉRCIO ADEMIR DOS SANTOS

ASSUNTO: Civil – Registros Públicos

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

“Prosseguindo o julgamento, após o voto-vista da Sra. Ministra Nancy Andrighi, a Turma, por unanimidade, não conheceu do recurso especial.”
Os Srs. Ministros Antônio de Pádua Ribeiro, Carlos Alberto Menezes Direito e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator.
Não participou do julgamento o Sr. Ministro Ari Pargendler (§ 2º, art. 162, RISTJ).

O referido é verdade. Dou fé.

Brasília, 19 de novembro de 2002

SOLANGE ROSA DOS SANTOS VELOSO
Secretária

Documento: 106797 Inteiro Teor do Acórdão – DJ: 24/02/2003



Fonte: Site do STJ