União estável – Reconhecimento e dissolução de sociedade de fato

Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP.

VOTO Nº: 9136

APELAÇÃO Nº: 356.838-4/0-00
COMARCA: JAÚ
APELANTE: A.F.(AJ)
APELADO: O.C.S (AJ)

Reconhecimento e dissolução de sociedade de fato – União estável – Lei nº 9278/96, no seu artigo 5º, com todas as letras, estabelece que: “Os bens móveis e imóveis adquiridos por um ou por ambos os coniventes, na constância da união estável e a título oneroso, são considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, passando a pertencer a ambos, em condomínio e em partes iguais, salvo estipulação contrária em contrato escrito”.

– A atual Carta Magna estatuiu a perfeita igualdade jurídica entre marido e mulher, artigo 226, parágrafo quinto, e os deveres conjugais podem ser exercidos da mesma forma pelo homem e pela mulher – Ausência de prova concreta da necessidade da apelada receber alimentos – Mulher em condições de manter o próprio sustento – Recurso provido em parte.

Trata-se de ação de reconhecimento e dissolução de sociedade de fato julgada procedente em parte pela r. sentença de folhas, de relatório adotado.

Apela o requerido alegando, em resumo, que o imóvel conforme consta da matrícula de fls 22, não foi adquirido na constância da união estável e que a autora não faz jus a receber alimentos. Pede a reforma da decisão.

Recurso recebido e respondido.

Isento de preparo.

É o relatório.

A apelada ajuizou ação de reconhecimento e dissolução de sociedade de fato contra o apelante sob a alegação de que conviveram maritalmente por aproximadamente 24 anos, desde abril de 1977, dessa união nasceram três filhos e que houve colaboração comum na formação do patrimônio.

A prova dos autos deixou clara a existência de relacionamento entre as partes. Ambos se apresentavam socialmente como conviventes e moraram juntos (fls. 86/88).

A lei nº 9.278/96 reconhece como entidade familiar a união pública e notória de um homem e uma mulher, sem reclamar que os convincentes sejam desimpedidos ou que a ligação tenha prazo mínimo de duração. Abrange tanto ligações com menos de cinco anos como as caracterizadas na lei de 94.

Dessa maneira, Lei nº 9278/96, no seu artigo 5º, com todas as letras, estabelece que: “Os bens móveis e imóveis adquiridos por um ou por ambos os conviventes, na constância da união estável e a título oneroso, são considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, passando a pertencer a ambos, em condomínio e em partes iguais, salvo estipulação contrária em contrato escrito”.

Reconhecida e cessada a união estável na vigência da Lei nº 9.278/96, incide o artigo 5º e presumem-se fruto do esforço comum todos os bens adquiridos na constância do relacionamento.

A r. sentença de fls. 101/103, condenou o réu apelante a pagar para a ré apelada alimentos no valor equivalente a 1/3 do seu rendimento líquido, deduzidos em folha e entregues a autora, bem como a partilha dos bens comuns prescritos na exordial, exceto o terreno objeto da matrícula 87.087 (fls.46).

Quanto ao terreno mencionado as fls. 22, ora reclamado, não assiste razão ao apelante, muito embora o requerido tenha declarado haver adquirido o imóvel em 23.03.1973, antes da união estável com a apelada, foi na constância dessa união que quitou o imóvel, tendo a requerente contribuído no pagamento das prestações, bem como as casas ali edificadas.

Mas, com relação aos alimentos, diz o artigo 7º da Lei 9.278/96 que, dissolvida a união estável, a assistência material será prestada por um dos conviventes ao que dela necessitar, a título de alimentos, podendo valer-se do disposto na Lei 5.478, de 25 de julho de 1968, enquanto não constituir nova união e desde que prove a necessidade.

A Constituição de 1988 provocou profundas alterações no âmbito do direito de família. Agora, homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações (artigo 5, I) e os direitos e deveres referentes a sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher (artigo 226, parágrafo quinto). O reconhecimento da igualdade entre os sexos importa no desaparecimento da obrigação alimentar exclusiva a cargo de um dos cônjuges. Observado, contudo, obrigatoriamente o dever de mútua assistência (artigo 231, inciso III do Código Civil/1916 e artigo 1566 do CC/2002), fundamento legal da obrigação entre marido e mulher. Assim diante do dever de mútua assistência de ambos os cônjuges, sempre haverá sustentação material à pretensão alimentar.

Mesmo antes da Constituição Federal, desapareceu do campo normativo o dever de o marido sustentar esposa que possa prover sua própria manutenção, em face não só da independência econômica e jurídica das mulheres casadas, que se operou por força da lei 4.121, de 1962, cômodas modificações introduzidas à Lei 883 e do adendo da lei 6.515.

A atual Carta Magna estatuiu a perfeita igualdade jurídica entre marido e mulher, artigo 226, parágrafo quinto, e os deveres conjugais podem ser exercidos da mesma forma pelo homem e pela mulher.

No caso, a autora mora na residência que albergava o casal e está de posse de todos os bens móveis que guarnecem a residência. Consta dos autos que labora há mais de 15 (quinze) anos como diarista em São Paulo, auferindo renda mensal.

Ensina o prof. Washington de Barros Monteiro, in Curso de Direito Civil, 2º Volume, Direito de Família, Saraiva, 27º ed., pág, 293:

“Em regra, todo indivíduo adulto e são deve trabalhar para o próprio sustento. Como diz Clóvis, com toda a propriedade, o instituto dos alimentos foi criado para socorrer necessitados, não para fomentar a ociosidade ou favorecer o parasitismo”.

Ainda sobre o tema, Yussef Cahali doutrina:

“O trabalho é obrigação social, a mulher, sendo válida, pode concorrer para própria subsistência com o produto de seu esforço” (Yussef Said Cahali, Dos Alimentos, 2ª ed. Pág. 380).

A igualdade estabelecida na Constituição Federal extirpa a imagem da mulher inerte, embora jovem e preparada para a própria manutenção. É claro que não se pode olvidar casos específicos de senhoras que passaram toda uma existência na companhia do varão, dele recebendo não só alimentos, mas promessas de cuidados duradouros e, até mesmo, a veemente repulsa aos desejos manifestados pela mulher de exercer profissões remuneradas. Essas posições estão, hoje, superadas, permanecendo a obrigação alimentar somente nos casos previstos de absoluta necessidade e impossibilidade do exercício laboral.

Traga-se à colação o seguinte posicionamento do E. Tribunal de Justiça de São Paulo:

“Ainda que em igualdade de condições financeiras, não se deve mais verberar o homem, por uma espécie de automatismo, impingindo-lhe, porque é homem, o dever de prestar alimentos. A igualdade de tratamento tem de imperar, em obediência aos princípios constitucionais. Ademais, no contexto sócio-político do momento, onde as forças femininas, com muita propriedade, manifestam-se em pleito de tratamento igualitário, não há mais lugar para o culto do protecionismo exacerbado da mulher, sobretudo se exerce ou pode exercer algum trabalho para o próprio sustento. Hoje, as mulheres, como os homens, exercem, em igualdade de condições, as mais variadas profissões de tal sorte que, para que receba pensão alimentícia do ex-marido, a prova da necessidade há de ser robusta, assim como a do homem que, em caso de necessidade, devesse a ela se dirigir. São iguais” (Apel. ns.º 179.954-1 e 181.926-1).

Portanto, não há prova de uma necessidade absoluta de a autora receber pensão alimentícia do apelante.

Ante o exposto, dá-se provimento em parte ao recurso nos termos acima.

BERETTA DA SILVEIRA
Relator

Fonte: TJ-SP