Rogério Portugal Bacellar, presidente da Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg-Brasil), esteve em Belém em outubro passado para participar do IV Congresso Estadual da Anoreg-PA.
Entre os temas discutidos no evento estavam “A Segurança do Serviço Notarial e de Registro Para as Organizações Públicas e Privadas” e “Direito Ambiental (Regularização Fundiária no Estado do Pará)”.
Nesta entrevistas aos jornalistas Luiz Flávio e Frank Siqueira, do DIÁRIO, Bacellar falou sobre a questão fundiária na Amazônia, a suposta participação de cartorários nos casos de grilagem de terras em Altamira e a ação do governo do Estado do Pará para cassar a titularidade dos cartorários sem concurso.
O dirigente da Anoreg também falou sobre novidades como o Cartório 24 horas e a certificação digital.
DIÁRIO – O senhor esteve em Belém participando de um congresso da Anoreg local. Quais os principais temas discutidos?
Rogério Portugal: Principalmente a regularização fundiária e os avanços conquistados nos serviços notariais e registrais no país. A Anoreg do Brasil possui convênio com o Ministério das Cidades, do Desenvolvimento Agrário e alguns Estados e municípios, onde os notários e registradores dão todas as condições necessárias, no caso a estrutura dos cartórios, para a regularização fundiária, desde que o município, o Estado e a União façam a sua parte.
DIÁRIO – A questão fundiária na Amazônia é delicada no que tange o aspecto social e a segurança pública. Como os cartórios podem contribuir para ajudar nessa situação?
Rogério Portugal: Primeiro o Pará precisa encarar essa situação sob outra perspectiva, não com bloqueio de registros e matrículas, mas sim com ações discriminatórias onde pode se trabalhar caso a caso. Hoje ocorre que no Pará os dirigentes públicos de todas as esferas querem culpar os cartórios por essa situação. O cartório só faz o registro desde que o terreno tenha origem, seja um título municipal, estadual ou federal ou uma ação de usucapião ou de retificação de área. Com base nesses títulos o oficial de registro é obrigado a registrá-lo. Agora, a ação discriminatória precisa ser feita para avaliar se a origem dessas áreas iniciou com título de propriedade desde o início do descobrimento do Brasil.
DIÁRIO – O georeferenciamento seria uma pré-condição para ajudar nesse processo?
Rogério Portugal: Sim, o georeferenciamento poderia regularizar todas essas áreas, mas para tê-lo o Incra precisa dar condições para os profissionais da área de topografia e engenharia para que possam fazer esse trabalho, e o Incra precisa de técnicos com graduação para ver se o trabalho foi bem feito ou não, o que não ocorre hoje.
DIÁRIO – Na região de Altamira há casos de áreas muito extensas griladas e, até onde se sabe, com a participação de cartórios da região. Como a Anoreg pode ajudar a evitar isso?
Rogério Portugal: Quando houve essa suposta participação dos cartórios nessa região, pedi para o oficial de registro de imóveis aqui do Pará analisar toda a documentação. Também coloquei a Anoreg à disposição do Ministério da Justiça para ajudar no que fosse preciso. Precisamos verificar se o registro que deu origem a esses imóveis teve a participação dos cartórios. Se isso ocorreu, o cartorário precisa ser punido. Agora se isso não ocorreu, quem tem que ser punido são os governos municipal, estadual ou federal. Muitas vezes acontece que a pessoa tem a posse de uma área, entra com uma ação de usucapião e, nesse caso, quem dá o mandado é o juiz, e não o cartorário.
DIÁRIO – Muitas vezes o cartorário é acusado de má-fé ou de despreparo. O cartorário está habilitado para analisar a documentação e perceber se ela é autêntica ou forjada?
Rogério Portugal: Claro. Todo notário e registrador são profissionais do Direito e, quando não são formados, possuem mais de 10 anos de prática, em média. Têm toda a condição sim. Tanto a Anoreg quanto seus institutos membros dão todas as condições para qualificação. Quando a Lei 11.441 entrou em vigor, colocamos no site do Colégio Notarial todos os modelos à disposição dos cartorários. Além disso promovemos cursos de extensão e de preparação no país inteiro. Fazemos ainda reuniões descentralizadas da Anoreg para conhecer a realidade de cada região, como fizemos agora no Pará.
DIÁRIO – Desde a década de 80 que o Incra deixou de fazer política fundiária para fazer assentamento agrário. Isso também prejudica a situação fundiária e dos cartórios no Estado?
Rogério Portugal: Claro que sim. O Incra deveria se preocupar em fazer o assentamento agrário, mas também a regularização fundiária. A pessoa hoje recebe um imóvel para a vida inteira. Se for vender esse imóvel, é para comprar outro, não para invadir uma propriedade. Teria que haver um cadastro nacional para coibir essa indústria da invasão. O que ocorre hoje no país é que uma pessoa recebe um imóvel no Paraná, passa dois anos, vende o imóvel e vai invadir uma área em São Paulo. Vende o de São Paulo e vai invadir outra área do Pará, e assim por diante. Esse cadastro nacional daria terras apenas para quem precisa, dentro de um contexto correto.
DIÁRIO – Em que pé está a ação impetrada pelo governo do Estado para anular a titularidade dos cartorários que exerciam a função sem concurso público?
Rogério Portugal: A Anoreg do Brasil sempre foi a favor do concurso público, mas defende que cada caso precisa ser analisado separadamente. A Constituição de 1988 privatizou os cartórios e só depois de seis anos foi regulamentado o artigo 236. Durante esse período não houve concurso e de 1994 em diante a maior parte dos Estados brasileiros também não o fizeram. Por essa razão há cartorários que atuam como substitutos há mais de 20, 30 anos e que não tiveram oportunidade de fazer concurso. Hoje talvez essas pessoas não tenham condições de competir com pessoas que acabaram de sair da faculdade, mas não por culpa delas, mas do poder público que não fez concurso… Por essa razão precisamos analisar caso a caso, de acordo com a realidade de cada Estado brasileiro. Hoje a questão está no Supremo Tribunal Federal (STF).
DIÁRIO – E se o STF julgar procedente a ação do governo do Estado, e tirar a titularidade desses cartorários (sem concurso)? Os atos feitos por eles serão nulos de pleno direito?
Rogério Portugal: Não podem ser nulos senão será criado um caos social sem precedentes. Seria a mesma coisa que ocorreu no Pará, com o ato da Corregedoria de Justiça que bloqueou todos os registros de matrículas de imóveis. Isso fez com que o Estado hoje sofra um grande problema não apenas social, mas econômico, de investimento, já que com tantos imóveis bloqueados o agricultor não consegue comprar um implemento agrícola, um trator, nada. Imagine se as designações ou nomeações feitas 30 anos atrás forem anuladas… Seria uma revolução ao contrário, um retrocesso.
DIÁRIO – A Anoreg lançou cartilha da lei 11.441, que autoriza cartórios a fazerem partilha de bens de heranças, separações e divórcios.
Rogério Portugal: Essa é uma das melhores coisas que conseguimos nos últimos anos, já que o inventário de uma separação ou um divórcio, demorava anos para sair. Hoje o prazo máximo em termos de Brasil é de 15 dias, ainda em razão da demora da Secretaria da Fazenda em avaliar os imóveis para pagamento dos tributos. Sem imóveis, esse inventário pode sair na hora ou em dois ou três dias. Essa cartilha foi elaborada pela Anoreg e pelo Colégio Notarial, com apoio do Ministério da Justiça. A cartilha se chama “A Vida do Brasileiro Mais Fácil”. A primeira tiragem, de dez mil exemplares, será distribuída em cartórios, instituições públicas e entidades a partir deste mês (outubro).
DIÁRIO – A Anoreg lançou ainda o Cartório 24 horas e a certificação digital. Como funcionam?
Rogério Portugal: O Cartório 24 horas veio para facilitar a vida do cidadão: a pessoa não precisa mais se deslocar ao cartório. Através da Internet ou Agência dos Correios, uma pessoa que nasceu no Pará e more hoje no Rio Grande do Sul, pode ter sua certidão de nascimento na mão em questão de minutos, desde que os cartórios dos dois Estados tenham certificação digital. Serve também para certidão de registro de imóveis, escritura, testamentos, etc. Hoje o Cartório 24 horas, que é integrado a esse sistema, já existe em 19 Estados. Se eu estou no Paraná, por exemplo, e há um cartorário aqui, eu mando a certidão a ele aqui no Pará e a pessoa recebe sua certidão no cartório daqui, autenticada. Há também um facilitador para os grandes usuários, onde os bancos, por exemplo, podem solicitar certidões no Amazonas, no Pará e no Rio Grande do Sul e o Cartório 24 horas reúne essas certidões e as entrega à instituição financeira. O pagamento das custas se dá através de boleto bancário ou de transferência bancária, de acordo com o regimento de custas do Estado. O acréscimo que há é a despesa do Correio somada às taxas bancárias. A Anoreg pretende colocar um posto de AR (Autoridade de Registro) em cada Anoreg do Brasil. O passo seguinte é colocar esses postos ramificados para cada cartório, onde a população possa adquirir seu certificado. O serviço funciona pelo www.cartorio24horas.com.br e conta com uma Central de Atendimento ao Usuário, pelo telefone 0800 707 1772, ou pelo e-mail faleconosco@cartorio24horas.com.br.
DIÁRIO – A realidade é que a sociedade brasileira, como um todo, ainda não tem acesso a um computador. Isso não cria dificuldades para essa rápida evolução dos serviços cartorários?
Rogério Portugal: Não, já que nossa preocupação com o Cartório 24 horas é para atender os cartórios altamente equipados, quanto aqueles lá dos rincões do interior, que ainda utilizam máquina de escrever. Quando fechamos o contrato com os Correios, ficou acertado que cada posto teria condições de ofertar ao cidadão a certidão que ele necessita.
DIÁRIO – A região Amazônica, dadas as suas proporções, representa tbalho cartorial?
Rogério Portugal: Não, nenhum. Em alguns lugares há problemas no que se refere à falta de energia elétrica, mas isso ocorre em outros Estados, como em Minas Gerais. Recentemente fizemos uma parceria com o Banco do Brasil, com juros subsidiados e financiamento a longo prazo, possibilitando a informatização de todos os cartórios do país.
DIÁRIO – Muitas vezes os cartorários reclamam do valor das custas cartorárias. Os valores no Brasil estão dentro de uma média mundial ou abaixo delas?
Rogério Portugal: As custas dependem da realidade de cada Estado. Os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário é que contemplam as custas e os cartorários não participam desse processo. Quem faz as custas geralmente é o Judiciário, que faz a tabela e encaminha para a Assembléia Legislativa para aprovação e, em seguida para sanção do governador. Em muitos Estados ocorre que as custas estão defasadas e, em outros, elevadas, mas que contemplam taxas que não são dos cartorários e que são repassadas para os governos dos Estados e para os Tribunais de Justiça para arcar com os fundos de reequipamento do Judiciário. Essas taxas são agrupadas nas tabelas de custas e a população pensa que vão para os cartorários, quando na realidade não vão. Cada Estado possui uma tabela de custas.
Fonte: Diário do Pará