Trabalho e Família levam mais conflitos à Justiça

As áreas do Direito do Trabalho e da Família lideram as situações de conflito na Justiça no país. É o que aponta o suplemento “Características da Vitimização e do Acesso à Justiça no Brasil” da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2009. O estudo, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na última quarta-feira (15/12), identificou que, dos conflitos apontados pelos 12,6 milhões de entrevistados, 23,3% são da área trabalhista e 22% da área de família. Os problemas relacionados à área criminal ficaram em terceiro lugar, com 12,6% dos conflitos.

A análise de acesso à Justiça foi elaborada pelo IBGE a pedido do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e investigou as características da situação de conflito considerada mais grave pelos envolvidos, entre pessoas de 18 anos ou mais, nos cinco anos anteriores à coleta dos dados. Praticamente a metade das pessoas (49%) que disseram ter recorrido à Justiça disseram que tiveram o seu problema resolvido em prazo inferior a cinco anos. A outra metade ainda aguarda uma solução.

Segundo a pesquisa, os conflitos trabalhistas tiveram o maior registro na Região Sudeste, com 24,8%. Já os de família e os criminais foram mais apontados no Norte, com 29,9% e 15,8%, respectivamente.

Em relação à faixa etária, 27% das pessoas de 18 a 24 anos de idade tiveram os maiores percentuais de situação de conflito na área de família, e 23% da mesma faixa, na área criminal. Na faixa dos 50 anos ou mais, os conflitos na área trabalhista tiveram o maior percentual, com 21,2%, seguidos pelos que envolviam benefícios do INSS e ou Previdência, com 19%.

Demanda trabalhista
Tradicionalmente, a Justiça do Trabalho é uma das áreas com maior demanda processual no Judiciário. Na avaliação da desembargadora do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região Ana Paula Pellegrina Lockmann, os motivos para a grande procura são bons: credibilidade e valorização da decisão judicial. “O cidadão acredita na Justiça do Trabalho, tanto que não existe uma cultura de se solucionar os conflitos trabalhistas nos tribunais arbitrais”, considera a desembargadora. “Essa questão também está relacionada com o fato de o trabalhador dar mais valor às decisões judiciais do que aos contratos de natureza privada.”

Já o advogado Claudio Peron Ferraz, presidente da Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo (AATSP) e vice-presidente da Comissão de Direito Trabalhista da OAB-SP, a principal causa para o grande número de conflitos trabalhistas é o alto número de tributos que envolvem a relação de trabalho. “Ao empregador, cabe o risco da atividade econômica. Por isso, ele não se arrisca em contratar mais, ou até mesmo em dar melhores condições de trabalho, devido ao alto custo. Além do salário, a contratação de um empregado envolve encargos sociais”, diz.

Outro fator é que não há custo para o ingresso da ação, tanto para a distribuição quanto para a contratação de advogado, que, via de regra, recebe seus honorários no fim do processo. “Na maioria das vezes, o empregado, que nada recebeu do seu empregador, entra com a ação, e o advogado não é pago inicialmente. O outro advogado trabalhista, que defenderá a empresa, também enfrenta dificuldades porque o empregador, que já não pagou o empregado, muitas vezes está em dificuldades financeiras”.

Demandas domésticas
A área do Direito da Família vem enfrentando uma série de modificações devido aos novos tipos de grupos familiares. Essas mudanças, de acordo com o advogado especialista em Direito de Família e sucessões Luiz Kignel, sócio do escritório Pompeu, Longo, Kignel & Cipullo Advogados, podem ser um indicativo do número de conflitos na área da família apontado pela pesquisa do IBGE.

“Hoje não há mais a figura da família tradicional. Temos novas gerações advindas do divórcio, da união estável e mesmo da união homoafetiva. Por isso, temos um leque maior de possibilidades de conflitos nessa área, o que gera novas demandas”, avalia.

Outra questão apontada pelo advogado é que, com a ascendência da classe média, muitos casais que se divorciam possuem um patrimônio difícil de ser dividido. “É menos difícil chegar a um consenso quando o casal mora de aluguel, por exemplo, do que quando ele possui uma casa própria. E essa é a realidade de muitas famílias atualmente”.

Para a advogada Gladys Maluf Chamma, especialista em Direito de Família e sucessões, e sócia-titular do escritório Chamma Advogados Associados, o Direito de Família se destacou na pesquisa do IBGE, pois, diferentemente dos prejuízos econômicos que muitas vezes são absorvidos ou aceitos pelos envolvidos, no Direito de Família, muitos litígios familiares não discutem valores.

“O Direito de Família envolve a própria pessoa, suas emoções, seus sentimentos e toda sua vida. Por isso, quando ocorre algum problema no seio da família, os envolvidos costumam se desestruturar emocionalmente e recorrem ao advogado e à Justiça. Neles as pessoas encontram alguma esperança de reconstruir sua vida, ainda que não venham a reconstruir a família”. Segundo a advogada, os principais conflitos na área são travados em ações de divórcio e alimentos, nas quais as partes envolvidas tentam apenas se resguardar patrimonialmente.

Pesquisa nacional
O levantamento do IBGE foi feito de 7 de outubro a dia 15 de dezembro de 2009. Os pesquisados percorreram 150 mil domicílios nos 26 estados e no Distrito Federal, e ouviram 400 mil pessoas para identificar por que elas deixam de procurar a Justiça quando estão diante de situações de conflito, e quais são os principais obstáculos para o acesso ao Poder Judiciário.

A pesquisa também quis identificar as áreas que representaram os maiores conflitos para a população brasileira nos últimos cinco anos, e a quem as pessoas recorrem quando estão diante de situações de conflito: se à Justiça, a instituições como polícia, igreja, Procon, sindicatos e associações, ou a familiares e amigos.

Além dos maiores conflitos, o estudo apontou que, nos últimos cinco anos, das 11,7 milhões de pessoas que buscaram uma solução para seus problemas, 30% delas, ou 3,8 milhões de pessoas, optaram por métodos extrajudiciais de resolução de demandas, com a mediação e a conciliação. O incentivo aos métodos consensuais é uma das ações estratégicas do Conselho Nacional de Justiça. “Isso demonstra que a sociedade já está madura o suficiente para procurar uma solução além da Justiça”, destacou o juiz auxiliar da presidência do CNJ, José Guilherme Vasi Werner.

Já das pessoas que buscaram a solução na Justiça ou nos Juizados Especiais, a Região Sudeste teve o maior percentual, onde 63% dos entrevistados recorreram à Justiça comum, e 10,4%, aos juizados. Outro dado de destaque é que, quanto maior o nível de instrução da pessoa, maior a probabilidade de ela ter uma situação de conflito e tentar resolvê-la no Judiciário.

Das pessoas que não buscaram a solução de seus problemas no Judiciário, apenas 1,4% não o fez pelo motivo de que “era muito longe”, o que demonstra um aumento da capilaridade das varas de Justiça no país.

Compilação dos dados
O juiz José Guilherme Werner explicou que os dados do IBGE serão analisados pelo Departamento de Pesquisa Judiciária do CNJ e comparados com as informações do Sistema de Estatística do Judiciário, também conhecido como Justiça em Números, para que o órgão possa identificar os motivos das demandas apontadas pelos entrevistados, e apresentar possíveis soluções.

“Nós já temos algumas informações que serão confrontadas com essa pesquisa. Por exemplo, sabemos que as grandes demandas do Judiciário estão no âmbito da Justiça estadual, que representa quase 80%. Já na área do trabalho, as demandas são de 13% em todo o país”.

O juiz auxiliar acredita que os maiores percentuais em relação ao Direito do Trabalho e de Família foram apontados devido ao método aplicado pelo IBGE. Os pesquisadores do instituto perguntaram qual foi o conflito mais grave que o entrevistado enfrentou nos últimos anos. “Nós identificamos uma demanda, falta identificar por que ela existe. Para isso, vamos reunir os outros itens analisados pelo IBGE, no que diz respeito ao tipo de conflito, e reuni-los por ramos da Justiça”. A previsão do juiz auxiliar é que até o início do próximo ano o CNJ apresente um relatório sobre a pesquisa.

“Uma das preocupações do CNJ é identificar os problemas, e por isso estamos realizando uma série de pesquisas. Só assim poderemos propor soluções que atendam às necessidades dos jurisdicionados. Sem as estatísticas, não podemos reconhecer nossas falhas e nossos pontos fortes”. Segundo ele, uma das primeiras medidas foi a implementação do Justiça em Números, que auxiliou na fixação das metas do CNJ para os tribunais do país.

Atualmente, O CNJ prepara uma nova pesquisa que pretende identificar os cem maiores litigantes do Poder Judiciário, tanto no polo ativo quanto no polo passivo. O levantamento das informações está sendo feito nos tribunais de todo o país. Após o término do estudo, será realizado um seminário até março de 2011.

 

Fonte: Site Conjur