Cartórios de Registro Civil na mídia

A diretora do Recivil, Soraia Boan, concedeu entrevista à Revista Piauí, abordando um tema de grande relevância social e que é realidade em todo Brasil: a ausência de maternidade nos municípios, inclusive em Sabará, e seus impactos na queda do número de nascimentos registrados na cidade.

Uma conversa que reforça a importância dos cartórios de registro civil na garantia do acesso à documentação civil básica .

Leia a reportagem completa abaixo:

A cegonha não pousa aqui

“Parabéns! O seu bebê nasce hoje”, – avisou o aplicativo para gestantes no celular de Danielle Oliveira, no dia 16 de setembro de 2015, quarta-feira. Ela estava na 40ª semana de gravidez, e de fato logo começou a sentir a dor das contrações. A cantineira escolar, então com 28 anos, zarpou com o marido rumo à Maternidade Sofia Feldman, em Belo Horizonte, apesar de morar em Sabará. A cidade histórica fica a cerca de 20 km da capital mineira. Num dia de trânsito bom, o percurso de carro até a capital leva em torno de 40 minutos.

Eram 17 horas quando o casal chegou à maternidade. Na triagem, a ginecologista constatou que a dilatação de Oliveira ainda não era suficiente para o parto normal. Às 23 horas, a gestante deixou o local, com a recomendação de retornar no dia seguinte. “Com uma dor insuportável, voltei para Sabará”, conta Oliveira.

Naquela mesma noite, depois de tomar banho, a bolsa amniótica se rompeu. “Corremos de novo para Belo Horizonte, meu marido avançando os sinais, eu com muitas dores”, lembra a cantineira.

Não deu tempo: na Avenida dos Andradas, uma das mais movimentadas da capital, Oliveira soltou um tremendo grito, e a pequena Isabela veio à luz no banco de passageiros. A pele da bebê estava com a coloração roxa, e a mãe rapidamente realizou uma massagem cardíaca. Então lsabela chorou pela primeira vez. Só nesse momento o pai, que estava tenso com o trânsito, se deu conta que a filha acabara de nascer.

A maneira dramática como Isabela Oliveira chegou ao mundo foi excepcional. Mas ela tem um ponto em comum com a maioria das crianças de Sabará: nasceu fora da cidade histórica de 134 mil habitantes. A única maternidade local, onde ocorriam cerca de mil nascimentos por ano, foi fechada em 2008, sob a alegação de que passava por problemas financeiros. Com exceção da minoria de pessoas que opta pelo parto domiciliar, as gestantes sabarenses precisam ir a Belo Horizonte para dar à luz.

Nesse tópico, Sabará nada tem de extraordinário. Dos 853 municípios de Minas Gerais, apenas 188 têm maternidades. E a realidade nacional é similar: somente 2 360 dos 5 569 municípios oferecem esse tipo de estabelecimento hospitalar. De acordo com o Conselho Federal de Medicina, o país vem fechando leitos obstétricos. Em 2010, o SUS contava com 46 mil leitos adequados ao parto, número que caiu para 38 mil em 2023.

Já os leitos de UTI neonatal são insuficientes em 17 das 27 unidades da Federação, estima a Associação de Medicina lntensiva Brasileira (Amib).

Um estudo da Fiocruz, publicado neste ano pela revista médica The Lancet, detalhou as consequências da falta de maternidades no período entre 2010 e 2019: 1 em cada 4 gestantes precisou viajar para parir – e do início ao fim do período em que foi feita a pesquisa o tempo médio da viagem aumentou de 63 para 84 minutos. Segundo o estudo, o pior cenário era das regiões Norte e Nordeste, onde a gestante às vezes precisava pegar até seis horas de estrada para chegar à maternidade mais próxima. Constatou-se também que o óbito materno e neonatal acometia mais as gestantes que viajavam maiores distâncias.

A construção de uma maternidade é reivindicação antiga das sabarenses, pois até para certos cuidados do pré-natal as gestantes são encaminhadas a Belo Horizonte. A manicure Marta Lima, de 30 anos, passou por uma gravidez de risco neste ano. Num dia em que se sentiu mal, recorreu à Unidade de Pronto Atendimento de Sabará, mas o local não oferecia medicamentos para gestantes. Ela chegou a buscar socorro na capital quatro vezes em uma semana. Em maio, nasceu sua filha Helena – em Belo Horizonte, claro. “Eu tinha esperança de que ela nascesse na nova maternidade, mas essa obra milionária nunca acabou”, lamenta.

Pois existe, afinal, uma obra. Em 2015, sete anos depois do fechamento da velha maternidade, iniciou-se a construção de uma nova. O custo foi calculado em 5 milhões de reais, e a conclusão estava prevista para dali a um ano. Passaram-se nove. No último dia de 2024, quando Wander Borges (PSB) concluía seu segundo mandato consecutivo como prefeito, a maternidade foi inaugurada. “Glória a Deus!”, comemorou uma sabarense, na postagem da prefeitura no Instagram. “Pelo menos no último dia”, comentou outro.

Mas o novo prefeito, Rodolfo Silva, do Republicanos (oposição à gestão anterior), resolveu visitar o local logo que tomou posse. E não demorou para dar a má notícia em um vídeo publicado nas redes sociais: “O prédio não está pronto para atender à população.” A maternidade, afirmou ele no vídeo, tinha infiltrações e fios elétricos expostos, e não contava com equipamentos hospitalares. A Prefeitura de Sabará disse à piauí que vem realizando estudos para possibilitar “a implantação da nova maternidade”. Mas não se sabe ainda quando isso acontecerá.

A ausência de leitos obstétricos gerou uma distorção demográfica no município. Em 2011, três anos depois do fechamento da velha maternidade, 1 703 sabarenses deram à luz, mas só 13 recém-nascidos foram registrados como naturais de Sabará. Soraia Souto, responsável pelo cartório da cidade, engajou-se numa campanha solitária para que mais mães registrassem os bebês na cidade, o que levou a um ligeiro aun1ento no número de sabarenses em 2023: quarenta crianças foram registradas no cartório local, apesar de terem nascido em Belo Horizonte. E.ssa circunstância fere o orgulho dos cidadãos do município, que foi um dos primeiros povoados de Minas Gerais e guarda um importante patrimônio artístico barroco.

Em 2018, a analista educacional Fernanda Morais ficou grávida pela segunda vez, aos 36 anos. Ela decidiu que o novo bebê nasceria em Sabará. A experiência de seu primeiro parto, em 2016, quando enfrentou dores e enjoos nas viagens semanais a Belo Horizonte, convenceu-a de que a melhor alternativa era ter seu filho em casa.

Morais contratou enfermeiros e alugou uma ambulância para o caso de alguma complicação. Na noite de 27 de setembro, olhou para a barriga proeminente e disse: “Na hora que você quiser, a mamãe está preparada.”

As 5h22 do dia seguinte, dentro de uma banheira, sua filha veio ao mundo.

A boa notícia ganhou a capa da Folha de Sabará. “Elisa é uma das poucas crianças que nasceu em solo sabarense no último ano”, informou o jornal. No total, foram cinco bebês: além da filha de Fernanda Morais, um veio à luz também em casa, e outros três nasceram em trânsito, quando seus pais se dirigiam às pressas para Belo Horizonte.

Por Leandro Aguiar

 

Fonte: revista piauí – Edição 225, Junho 2025