JURISPRUDÊNCIA CÍVEL
REGISTRO CIVIL – ANULAÇÃO – FALSIDADE IDEOLÓGICA – PATERNIDADE – VERDADE REAL – AGRAVO RETIDO – EXAME DE DNA – DESNECESSIDADE – CONFISSÃO
Ementa: Paternidade. Anulação de registro civil de nascimento do menor. Hipóteses. Acolhimento.
– A anulação de registro civil por pessoa (que não é o pai biológico) merece exame pelo que se chama de ato consciente e livre.
Apelação Cível ndeg. 1.0313.05.158855-3/001 – Comarca de Ipatinga – Apelante: A.V.M. – Apelado: T.A.V.M. representado pela mãe T.V. – Relator: Des. Francisco Figueiredo
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em dar provimento.
Belo Horizonte, 18 de setembro de 2007. – Francisco Figueiredo – Relator.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
DES. FRANCISCO FIGUEIREDO – Conheço da apelação por própria e regularmente processada.
O cenário demonstra-nos que um cidadão se enamorou de uma mulher grávida (de outro homem) e, ainda nessa fase de gestação, passou a viver com ela.
Sabia do fato de que o pai biológico é outro, visto que o nome e o endereço, nos autos, não são novidade para ninguém. Por essa questão, não se está discutindo a paternidade, mas a anulação do registro civil, razão pela qual não se há de acolher o pedido de exame de DNA proposto pela douta Procuradoria de Justiça. A própria contestação – f. 17 – exclui o autor da paternidade biológica.
Esta questão – o fato de um cidadão reconhecer como seu um filho civilmente, quando biologicamente não o é – restou tormentosa, e a jurisprudência está dividida nos pretórios do País, inclusive no nosso.
Sempre entendi que ato voluntário de reconhecimento deveria ser mantido. É a decorrência de suportar a irresponsabilidade do ato, por vezes, impensado.
Mas, três condições, salvo melhor juízo, devem ser analisadas.
A primeira é a questão volitiva e emocional do ato tido por consciente.
Nunca se viu fato como esse acontecer sem que exista um fato antecedente primário, ou seja, a relação do homem com uma mulher (mãe de um filho de outra relação).
A condição volitiva da conquista do homem para uma mulher é a transcendência do espírito de querer, de possuir, de “buscar a lua” para dar-lhe de presente. A conquista determinada e apaixonada não tem peias.
É o mesmo processo psíquico do ato da sedução.
Assim, declarar, como seu, um filho dessa mulher com outro homem é a extensão da conquista e do espírito de proteção, vejam bem, à mulher que se quer. A criança é apêndice, e não causa primeira do ato de reconhecimento. A causa primeira é o agrado, a conquista da mulher amada. Tanto isso é verdade que não se tem notícia do reconhecimento e fato inverso: a mulher conquistada registrar como seu filho do conquistador com outra mulher. Esse poderia até ter adotado a criança e por que não o fez? Porque a criança é fato congênito de um fato maior, que, na realidade, é a paixão que levou o homem a unir-se a uma mulher com filho.
É o primado da corte e da conquista, ato muito mais sentimental que racional.
A segunda é a questão do menor. Questiona-se que não se pode anular o registro, pois o menor terá direito a pensão e até a benefício patrimonial sucessório, pois o ato foi volitivo e sem vício, como se a obliteração emocional e sentimental também não fosse um vício.
Que agasalho e receptividade teria um filho civil na família do pai não biológico que, em sã consciência, não quer assumir mais esse ato? Seria de carinho e aconchego? Não acredito!…
Todos responderíamos: merece arcar com os ônus de seu ato irresponsável. E questiono-me: se assim for, que castigo merece a mãe do menor co-participante de tal irresponsabilidade ao concordar com tal ato?
Na prática: nenhum! Conseguir um beócio para carregar sua carga, filho que tivera, antes, com um homem que não assumiu a paternidade e nem, para tanto, a Justiça foi acionada. Agora, quer a Justiça para referendar tal ato.
Se a mulher não concordasse com essa falsidade ideológica, tal fato não existiria; se persistir, os comparsas do ato devem ser igualmente responsabilizados, e não somente o seduzido.
A terceira é a questão jurídica do ato volitivo, tido, com a vênia devida, como isento de vício. Quanto ao vício, nós acima já abordamos seu mecanismo.
O que nos interessa é o seguinte: onde foi parar o culto à verdade real, que domina e rege a espécie? É certo o entendimento do registro de paternidade de um nascimento tido como imutável sobre a alegação de ausência de vício ser protegido por flagrante falsidade ideológica?
Onde está, enfim, a verdade real?
Um filho ter um pai ausente e irresponsável é lamentável! Diria até que é um sofrimento.
Mas um filho ter como pai um homem que não é verdadeiramente seu pai, fato inclusive declarado pela mãe, é gravíssimo, em razão da relação decorrente da anulação do registro. Será um órfão de pai civil vivo.
À criança é mais útil não ter pai do quer ter um cidadão que é tido como seu pai e que o renega. Nenhuma criança merece isso. A verdade é a base de qualquer justiça, inclusive a justiça interior. Assim, dou provimento à apelação para o cancelamento do registro paterno.
DES. NILSON REIS – O apelante requereu realização de exame de DNA, em sua petição inicial, tendo seu pedido indeferido à f. 36. Interpôs agravo retido (f. 37/39).
Em suas razões recursais (f. 124/127), requereu a análise do referido agravo.
Em que pesem as argumentações do recorrente, acompanho o entendimento do eminente Relator, Des. Francisco Figueiredo, porquanto não existe imprescindibilidade na realização do referido exame.
O apelado, em sua contestação, f. 15/21, confessa que não é filho biológico do recorrente, o que torna desnecessária a prova pericial. Além da alegação do próprio recorrente nesse sentido.
Dessa forma, sou pelo não-provimento do agravo retido.
DES. JARBAS LADEIRA – De acordo.
Súmula – DERAM PROVIMENTO.
Fonte: Imprensa Oficial de Minas Gerais