Clipping – O divórcio direto – Jornal O Estado de S. Paulo

08 de dezembro de 2009


Apesar da forte oposição de entidades evangélicas e católicas, o Senado aprovou em primeiro turno, por 54 votos contra apenas 3, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que cria a figura jurídica do divórcio “direto ou instantâneo”. Inspirada na legislação adotada nos Estados Unidos e na maioria dos países europeus, ela elimina os prazos e as exigências legais até agora necessários para a formalização da dissolução do vínculo conjugal. Há seis meses, quando a PEC foi aprovada pela Câmara dos Deputados, o vice-presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, dom Luiz Soares Vieira, afirmou que a medida “banaliza o casamento”.


Atualmente, marido e mulher precisam esperar pelo menos dois anos de separação de corpos ou um ano de separação formal, registrada em tabelionato ou reconhecida pela Justiça, antes de iniciar o processo de formalização da dissolução do vínculo matrimonial. Pela PEC, que ainda precisa ser votada em segundo turno no Senado, o casal poderá iniciar o processo judicial de divórcio quando bem entender.


A proposta de introdução do divórcio “direto ou instantâneo” foi patrocinada pelo Instituto Brasileiro de Direito da Família e encampada pelos deputados Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ) e Sérgio Carneiro (PT-BA). Para eles, a revogação de prazos mínimos e exigências legais reduz as despesas com custas processuais e gastos com advogados, além de propiciar uma “economia emocional” ao casal. Para as entidades religiosas, o prazo imposto pela legislação vigente visava a estimular marido e mulher a refletirem melhor sobre seu relacionamento, com vistas à reconciliação e à continuidade dos laços conjugais. Os advogados especializados em direito de família refutam esse argumento, alegando que o índice de reconciliação, depois do “tempo de reflexão, diálogo e aconselhamento” previsto pela legislação, é inferior a 0,5%. Para eles, a PEC chega com muito atraso.


A exemplo do que aconteceu nos Estados Unidos e na Europa, a institucionalização do divórcio “direto” é o desdobramento inevitável de um longo processo de mudanças comportamentais, culturais, éticas e morais causado pela urbanização do País. Em 1940, a população urbana representava cerca de 32% da sociedade brasileira. Com o advento da industrialização e as subsequentes mudanças no quadro geo-ocupacional do País, a população urbana foi crescendo em ritmo de progressão geométrica. E, ao permitir que as mulheres deixassem o lar para ingressar na economia formal, a urbanização acabou mudando o perfil da família brasileira.


A PEC aprovada no Senado torna ainda mais fácil que os casais se separem


Esse foi o período em que o direito de família teve de sofrer alterações radicais para acompanhar essas mudanças, apesar da resistência de entidades religiosas. Essas alterações começaram em 1962 com a entrada em vigor do Estatuto da Mulher Casada, que permitiu às mulheres, por exemplo, praticar o chamado “ato de comércio” sem depender de prévia autorização dos maridos, e culminou em 1977 com a aprovação do projeto de Lei do Divórcio do senador baiano Nelson Carneiro.


Desde então, segundo os indicadores do IBGE, o crescimento do número de divórcios vem acompanhando a expansão da urbanização do País. Em 2007, quando a população urbana ultrapassou a faixa dos 80% da população do País, a taxa de divórcio chegou a 1,49 por mil habitantes – um crescimento de cerca de 200% com relação a 1984, quando o IBGE começou a registrá-la (as estatísticas de registro civil começaram a ser divulgadas dez anos antes, com base em dados fornecidos por cartórios, tabelionatos e varas de família).


Em números absolutos, os divórcios passaram de 30.847, em 1984, para 179.342, em 2007. Somando separações e divórcios, houve 231.329 uniões desfeitas em 2007 – uma para cada quatro casamentos. Nesse ano, foram realizados 916 mil matrimônios. No que se refere à natureza das separações realizadas no Brasil nesse mesmo ano, 75,9% foram consensuais e apenas 24,1% foram não consensuais. Esses números mostram que a PEC aprovada pelo Senado nada mais faz do que adaptar o direito de família à realidade social e cultural do País.


 


Fonte: Jornal O Estado de S. Paulo