Provimento do TJMS regulamenta união homoafetiva

A Corregedoria-Geral de Justiça alterou seu Código de Normas para, dentre outras matérias, regulamentar o  casamento homoafetivo no âmbito do Estado de Mato Grosso do Sul. No Provimento nº 80, publicado no Diário da Justiça de ontem (2), a Corregedoria tratou ainda do registro de nascimento de natimorto, de indígena e de filhos, biológicos ou adotivos, de relação homoafetiva


Para a edição da norma, foram levados em consideração fatores como a ocorrência de inúmeros pedidos perante os serviços de Registro Civil das Pessoas Naturais para a realização de casamento entre pessoas do mesmo sexo, além de que a duplicidade em relação às mães ou pais não constitui impedimento para o registro civil, visto que já há vários precedentes admitindo adoção ou reconhecimento de filiação homoparental por pessoas com orientação homoafetiva.

Na visão do juiz da Vara de Família de Campo Grande, David de Oliveira Gomes Filho, o provimento traz para a formalidade aqueles que ainda estavam na informalidade. “Os homossexuais (ou homoafetivos) poderão formalizar sua união nos cartórios de registro civil e, com isto, obter todos os direitos que uma pessoa casada tem”, explica.

A habilitação direta para o casamento entre pessoas do mesmo sexo, sem a necessidade do prévio reconhecimento da união estável por meio de processo, foi admitida no ordenamento jurídico brasileiro com a decisão da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4277/DF pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em 2011. A união estável homoafetiva pode converter-se em casamento mediante pedido dos companheiros ao juiz, conforme dispõe o Código Civil.

A ADI 4277 teve como pedido a interpretação, conforme a Constituição Federal, do artigo 1.723 do Código Civil, para que se reconheça sua incidência também sobre a união entre pessoas do mesmo sexo, de natureza pública, contínua e duradoura, formada com o objetivo de constituição de família.

Assim, explica o juiz David Gomes Filho, pessoas do mesmo sexo poderão se casar nos mesmos moldes de um casal heterossexual. “O casamento confere o direito de regular o regime de bens do casal, de acrescer o sobrenome do outro ao seu, gera direitos sucessórios (herança), de adoção”.

Agora, no registro de nascimento dos filhos constarão os nomes dos dois pais ou das duas mães, salienta o magistrado. “Havendo divórcio, as discussões sobre guarda, visitas, alimentos, divisão do patrimônio ocorrerá da mesma forma como ocorre com os casais heterossexuais”, contextualiza.

Questionado se a edição do provimento representa um avanço para a sociedade, David Gomes Filho defende a política da igualdade e da tolerância, pois acredita que ao se tirar alguém da “informalidade”, que garante um tratamento igualitário entre pessoas que estão em situações semelhantes, “as pessoas tem o direito de buscar a felicidade, estamos fazendo um bem à sociedade”.

“Naturalmente que a polêmica existe, pois vivemos numa sociedade com forte influência judaico-cristã. A regularização de uniões entre pessoas do mesmo sexo causa um compreensível conflito com a religiosidade das pessoas, com os seus conceitos a respeito do que se conhece por natural e por normal. É necessário, entretanto, que haja tolerância de ambos os lados, pois aceitar o diferente é difícil e ser o diferente também o é. Quando todos compreenderem isto, a sociedade estará avançando”, conclui o magistrado.

Outras disposições – O Provimento nº 80 trata ainda dos procedimentos para registro de natimorto, de nascimento homoparental e de indígena.
O registro de nascimento decorrente da homoparentalidade, de acordo com o texto do Provimento nº 80, atende aos princípios da dignidade da pessoa humana, da cidadania, dos direitos fundamentais à igualdade, da liberdade, da intimidade, da proibição de discriminação, do direito de se ter filhos e planejá-los de maneira responsável.

Para o natimorto, levou-se em consideração a intenção de alguns pais em dar nome à criança, inclusive para fins de sepultamento; e ao indígena, a necessidade de se resguardar sua condição no momento em que efetiva o registro civil.

Agora é obrigatória a menção da etnia e da aldeia de origem dos pais do registrando, sendo facultativo constar no registro seu nome indígena.

O Provimento está em vigor desde sua publicação.

PROVIMENTO N.º 80, DE 25 DE MARÇO DE 2013
 
Altera a redação dos artigos 624, 624-A e 635 e acrescenta os artigos 624-B, 654-A e 670-D, no Provimento nº 1, de 27 de janeiro de 2003 – Código de Normas da Corregedoria Geral de Justiça.
 
A Corregedora Geral de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, no  uso da atribuição conferida no inciso XXIX do artigo 169 da Resolução n. 237, de 21 de setembro de 1995 e no inciso I do art. 58 da Lei n. 1.511, de 05 de julho de 1994;
 
Considerando que a Corregedoria Geral de Justiça é órgão de orientação e fiscalização do foro extrajudicial do Estado de Mato Grosso do Sul;
 
Considerando que o provimento é ato de caráter normativo e tem a finalidade de regulamentar, esclarecer ou interpretar a aplicação de dispositivos gerais;
 
Considerando que o arcabouço legislativo vigente, relacionado às pessoas naturais, tem dado ênfase aos direitos de todos os seres humanos, de forma a garantir o dispositivo constitucional de que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza;
 
Considerando, ainda, que a Constituição Cidadã preconiza que a República Federativa do Brasil tem como fundamento a dignidade da pessoa humana;
 
Considerando a intenção de alguns pais em nominar e individuar o natimorto, inclusive para fins de sepultamento;
 
Considerando a necessidade de resguardar a condição de indígena no momento da efetivação do registro civil;
 
Considerando que a duplicidade em relação às mães ou pais não constitui óbice registrário, tanto que vários são os precedentes admitindo adoção ou reconhecimento de filiação homoparental por pessoas com orientação homoafetiva;
 
Considerando o acórdão prolatado pelo Supremo Tribunal Federal – STF em sede de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 132 – Rio de Janeiro, convertida na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4.277 – Distrito Federal;
 
Considerando a edição do Decreto nº 6.828, de 27 de abril de 2009, revogado pelo Decreto nº 7.231, de 14 de julho de 2010, bem como dos Provimentos nº 2 e 3 do Conselho Nacional de Justiça, que regulamentaram o modelo padronizado de certidão de nascimento;
 
Considerando que o registro de nascimento decorrente da homoparentalidade atende aos princípios da dignidade da pessoa humana; da cidadania; dos direitos fundamentais à igualdade; da liberdade; da intimidade; da proibição de discriminação, do direito de se ter filhos e planejá-los de maneira responsável;
 
Considerando o princípio advindo da decisão do Supremo Tribunal Federal, na ADI 4277/DF, que passou a admitir a habilitação direta para o casamento entre pessoas do mesmo sexo sem a necessidade do prévio reconhecimento da união estável;
 
Considerando que a união estável poderá converter-se em casamento mediante pedido dos companheiros ao juiz, na forma do art. 1726 do Código Civil;
 
Considerando a ocorrência de inúmeros pedidos perante os Serviços de Registro Civil das Pessoas Naturais para a realização de casamento entre pessoas do mesmo sexo;
 
Considerando a normativa que dispõe sobre a lavratura de escritura pública de declaração de convivência de união homoafetiva perante os cartórios de serviços de notas;
 
Considerando a necessidade de uniformizar os procedimentos do registro de natimorto, do registro de nascimento homoparental, do registro de indígena e do registro de casamento homoafetivo no âmbito do Estado de Mato Grosso do Sul.
 
Resolve:
 
Art. 1.º Os artigos 624, 624-A e 635 do Provimento nº 1, de 27 de janeiro de 2003 – Código de Normas da Corregedoria Geral de Justiça, passam a vigorar com a seguinte redação:
 
“Art. 624.
 
VI – (revogado pelo art. 5º da Lei nº 8.560, de 29 de dezembro de 1992);
 
VII – os nomes dos pais/mães, a naturalidade devidamente comprovada por documento oficial e o domicílio e o endereço residencial dos pais/mães, com endereço discriminado;
 
VIII – o nome dos avós (sem distinção se paternos ou maternos).”
 
“Art. 624-A. O assento de nascimento de indígena no Registro Civil é facultativo, e sua inscrição se fará no Livro “A” com os requisitos do artigo anterior, podendo ser lançado o nome indígena do registrando, de livre escolha do apresentante, contudo, é obrigatória a menção acerca da etnia e da aldeia de origem de seus pais.”
 
“Art. 635. Quando se tratar de natimorto, facultado o direito de escolha do nome do registrando, o registro será efetuado no Livro “C – Auxiliar”, com índice em nome do pai ou da mãe, dispensado o assento de nascimento.”
 
Art. 2.º O Provimento nº 1, de 27 de janeiro de 2003, Código de Normas da Corregedoria Geral de Justiça, passa a vigorar acrescido dos artigos 624-B, 654-A e 670-D:
 
“Art. 624-B. O assento de nascimento decorrente da homoparentalidade, biológica ou por adoção, será inscrito no Livro “A”, observada a legislação vigente, no que for pertinente, com a adequação para que constem os nomes dos pais ou das mães, bem como de seus respectivos avós (sem distinção se paternos ou maternos), sem descurar dos seguintes documentos fundamentais:
 
I – declaração de nascido vivo – DNV;
 
II – certidão de casamento, de conversão de união estável em casamento, ou escritura pública de união estável;
 
III – termo de consentimento, por instrumento público ou particular com firma reconhecida; e,
 
IV – declaração do centro de reprodução humana.”
 
“Art. 654-A. O casamento homoafetivo obedecerá às regras estabelecidas no Código de Normas da Corregedoria Geral de Justiça, registrado no Livro “B”.”
 
“Art. 670-D. A conversão da união estável em casamento de pessoas do mesmo sexo obedecerá às regras estabelecidas no Código de Normas da Corregedoria Geral de Justiça, registrado no Livro “B-Auxiliar”.”
 
Art. 3º. Este provimento entrará em vigor a partir de sua publicação.
 
Campo Grande – MS, 25 de março de 2013.
 
Des.ª Tânia Garcia de Freitas Borges
Corregedora Geral de Justiça
 
Azenaide Rosselli Alencar
Diretora da Corregedoria-Geral de Justiça


Fonte: TJMS