Ministério Público deve atuar nas ações de interdição em que não é o requerente

Em recurso relatado pela ministra Isabel Gallotti, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reiterou que, nas ações de interdição não requeridas pelo Ministério Público, a função de defensor do interditando deverá ser exercida pelo próprio Ministério Público, conforme estabelecem os artigos 1.179 e 1.182, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil (CPC) e 1.770 do Código Civil de 2002.

 

Por unanimidade, a Turma acompanhou o voto da relatora e manteve acórdão do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) que considerou dispensável a nomeação de curador especial nas ações de interdição em que o Ministério Público não é o autor, porque sua atuação como fiscal da lei resguarda os direitos da interditanda.

 

O procedimento de interdição tem por pressuposto a suposta redução ou perda do discernimento para a prática dos atos da vida civil por pessoa maior e capaz, decorrente do comprometimento de sua saúde mental, o que, caso comprovado, ensejará a declaração judicial da relativa ou absoluta incapacidade do interditando, sujeitando-o à assistência ou representação.

 

O caso

 

No caso julgado, o pedido de interdição foi ajuizado pelo tio da interditanda. O Juízo de Direito da Comarca de Assis Chateubriand (PR) nomeou um curador que participou da audiência de interrogatório da interditanda, mas, mesmo intimado, ele não apresentou contestação.

 

Convocado para atuar como representante judicial da parte, o MP do Paraná requereu a renovação da intimação do curador para apresentação de contestação ou, no caso de pedido de desistência do encargo, a nomeação de outro curador para promover a defesa da interditanda. A pretensão foi negada pelo Tribunal estadual.

 

O Ministério Público recorreu ao STJ sustentando que o ordenamento jurídico não mais admite que o MP atue como representante judicial da parte e que a ampla defesa dos direitos do interditando exige a nomeação de curador especial, já que sua atuação como fiscal da lei não é suficiente para essa finalidade.

 

Legitimados

 

Em seu voto, a relatora enfatizou que estão legitimados para requerer a interdição somente os pais ou tutor, o cônjuge ou parentes próximos do interditando ou, ainda, em caráter subsidiário, o Ministério Público, sendo essa a única hipótese em que se exige a nomeação de curador à lide, a fim de ensejar o contraditório.

 

Isso porque, explicou a ministra Gallotti, na hipótese do Ministério Público e o suposto incapaz estarem em polos opostos da ação, há intrínseco conflito de interesses a exigir a nomeação ao interditando de curador à lide, nos termos do artigo 1.179 do CPC, que se reporta ao artigo 9º do mesmo código.

 

Segundo a relatora, nos casos em que a ação é proposta pelos demais legitimados, caberá ao Ministério Público a defesa dos interesses do interditando, seja fiscalizando a regularidade do processo, requerendo provas e outras diligências que entender pertinentes ao esclarecimento da incapacidade, seja impugnando ou não o pedido de interdição.

 

Esse é o motivo pelo qual não se faz cabível a nomeação de curador especial para defender, exatamente, os mesmos interesses pelos quais zela o Ministério Público, enfatizou em seu voto.

 

Citando precedentes, a ministra reiterou que a nomeação de curador especial – figura de direito processual, e não de direito material – justifica-se quando há possibilidade de conflito de interesses entre o incapaz e o responsável pela defesa de seus interesses no processo judicial.

 

Doutrina

 

Isabel Gallotti rechaçou a tese sustentada pelo Ministério Público paranaense, segundo a qual a representação judicial do interditando pelo MP, expressamente determinada pelo parágrafo 1º do artigo 1.182 do CPC, não mais subsiste em face da regra do artigo 129, inciso IX da Constituição Federal.

 

Segundo a ministra, o inciso IX do artigo 129 determina, entre as funções institucionais do Ministério Público, "exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedadas a representação judicial e a consultoria jurídica das entidades públicas". Ao mesmo tempo, o caput do artigo 127 da Constituição estabelece como incumbência do Ministério Público "a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis".

 

Ademais, afirmou em seu voto, a atuação do Ministério Público em defesa de pessoas em situação de vulnerabilidade é atribuída sem questionamento em diversas outras hipóteses, como na proteção dos direitos de crianças e adolescentes, idosos e consumidores, prevista em suas respectivas legislações.

 

Para Isabel Gallotti, o acórdão recorrido deu fiel cumprimento aos dispositivos legais impugnados no recurso especial, cabendo ao Ministério Público exercer a defesa da interditanda em processo movido por seu tio.

 

“A competência atribuída ao Ministério Público pelo Código de Processo Civil e pelo Código Civil de defender os interesses do interditando (salvo quando o próprio MP é o autor da ação) não somente é compatível, mas encontra-se textualmente inserida em finalidade institucional, prevista na Constituição, de defesa de interesse individual indisponível”, concluiu a relatora.

 

 

Fonte: STJ