Corte israelense pune americano por seu filho ter negado divórcio

JERUSALÉM — Em uma primeira decisão do tipo, autoridades rabínicas confiscaram o passaporte de um homem de negócios americano e o impediram de deixar Israel por mais de um ano — alegando que ele é responsável pela recusa do seu filho em conceder o divórcio a sua esposa.


Na secular lei judaica, uma mulher precisa da aprovação de seu marido para se divorciar. Em Israel, onde todos os matrimônios estão sujeitos à lei religiosa, esta regra deixa milhares de mulheres em um limbo legal por conta de homens que se recusam a conceder a separação.


Nas últimas décadas, as cortes rabínicas ganharam a autoridade para impor varias sanções contra maridos que resistem ao divórcio. Mas especialistas em direito dizem que nunca antes elas puniram o pai de um marido — no caso em questão, argumentando que o pai está ajudando o seu filho a ter uma vida de luxo nos Estados Unidos enquanto deixa sua esposa definhando em Israel.


— É realmente vergonhoso que esta seja a única forma de resolver esta terrível situação para esta mulher miserável, ao encarcerar ou confiscar o o passaporte de um sogro. Definitivamente, deveria haver alguma solução alternativa — opina Ruth Halperin-Kaddari, fundadora do Centro Rackman para o Avanço do Status da Mulher na Universidade Israelense de Bar-Ilan.


O poder rabínico, sancionado pelo Estado, monitora vários aspectos da vida cotidiana para a maioria judaica, incluindo o casamento e o divórcio. Não há casamentos civis, o que significa que casais devem se unir ou se separar de acordo com a lei religiosa — ou viajar para ter uma cerimônia civil. Organizações que representam os direitos das mulheres argumentam que as leis religiosas decorrem de uma tradição patriarcal que as coloca em desvantagem. Cristãos e muçulmanos se casam de acordo com seus próprios costumes religiosos.


Um dos ritos judaicos mais restritivos é aquele que concede ao homem um poder desproporcional no divórcio. As mulheres que têm a separação negada por seus maridos frequentemente são forçadas a abrir mão de seus direitos de custódia das crianças ou de pensões alimentícias como forma de convencê-los a mudar de ideia.


Juízes rabínicos têm o poder de usar sanções contra maridos que se recusam a conceder um “gett”, o termo judaico para divórcio. A corte rabínica já congelou contas bancárias e cancelou carteiras de motoristas como forma de pressionar os homens, mas aqueles fora dos país costumam estar bem fora de seu alcance.


Defensoras dos direitos das mulheres afirmam que as sanções são usadas apenas em uma pequena parcela dos casos, e que deveriam ser aplicadas mais vezes. Shai Daron, um representante das cortes rabínicas, afirma porém que os juízes usam “todas as ferramentas ao seu alcance” para resolver estes casos.


A corte afirma ainda que o caso em questão é “um dos mais difíceis” nos últimos tempos para uma mulher, que sofreu um Acidente Vascular Cerebral (AVC) e teve uma paralização parcial pouco tempo antes de requerir o divórcio, há dez anos.


Segundo documentos do processo, a esposa sofreu o AVC em uma visita a Israel com o marido em 2005. Pouco tempo depois, ele voltou aos Estados Unidos, onde permanece. Sua esposa e seus dois filhos permanecerem em Israel, e ela se tornou uma cidadã israelense. A corte afirma que ele descumpriu a determinação para conceder o divórcio e uma pensão alimentícia.


Ainda de acordo com os documentos, o pai punido tem idade na faixa de 60 anos e é um rico membro da comunidade hassídica de Nova York — um segmento do judaismo ortodoxo —, além de proprietário de uma empresa imobiliária. Ele estava em Israel em uma visita à família quando foi convocado ao tribunal e teve o seu passaporte, assim como o de sua esposa, confiscado. Além disso, ele ficou um mês na prisão.


A corte rabínica argumenta que, ao dar a seu filho um trabalho e uma mesada, o pai é responsável pela intransigência do marido. Seus advogados, no entanto, afirmam que vão apelar à suprema corte do país. “Um dos princípios mais básicos da Justiça é que uma pessoa carregue seus próprios pecados e não seja punida pelos pecados de outros. O pai não tem controle sobre o seu filho”, afirma uma declaração dos advogados. Ainda de acordo com a defesa do americano, o pai tem se esforçado para fazer o filho mudar de ideia, inclusive demitindo-o, mas os dois têm uma relação distante no momento.


Osnat Sharon, a advogada da esposa, afirmou que sua cliente passa por um intensivo processo de reabilitação que não será finalizado até que ela tenha a permissão para seguir em frente.


— Ela não tem ainda 40 anos, tem sua vida inteira pela frente. Parte de sua reabilitação inclui encontrar um novo relacionamento, mas ela não consegue fazer isso — afirma a advogada, que também é uma consultora legal do Yad L'Isha, um centro de assistência a mulheres que têm divórcios negados.


Apesar de não ter atendido a telefonemas da imprensa, o marido afirmou ao canal de televisão Channel 2 TV, em agosto, que ele concederia o divórcio se seus filhos voltassem para os Estados Unidos.


Em documentos obtidos pela Associated Press, a corte rejeitou um requerimento da Embaixada dos Estados Unidos para obter novamente os passaportes, afirmando que o envolvimento da embaixada no caso era “inaceitável e intolerável”. A embaixada afirmou que tem dado assistência ao pai punido, mas se recusou a fazer outros comentários.


A Organização para Resolução de Agunot, baseada em Nova York, que auxilia na resolução de disputas por divórcio judaicas, tem acompanhado o caso. O rabino Jeremy Stern, diretor executivo da organização, afirmou que o marido cujo pai foi punido tem uma namorada e divide seu tempo entre uma casa do Brooklyn e um “apartamento requintado” em uma residência de luxo em Miami — ambos de propriedade de seus pais.


— Tudo o que sabemos indica que seus pais estão diretamente apoiando e possibilitando a resistência do marido. Deixe-o [o pai] chutá-lo para a rua e faze-lo saber que ele não pode viver [em suas casas] até que ele tenha o “gett” — aponta Stern.

 

Fonte: O Globo