APELAÇÃO CÍVEL – UNIÃO ESTÁVEL C/C COBRANÇA – CONTROVÉRSIA QUANTO AO TERMO FINAL – NÃO COMPROVADO QUE A UNIÃO ESTÁVEL PERDUROU ATÉ O FALECIMENTO DO DE CUJUS – AUSÊNCIA DE DIREITO AO RECEBIMENTO DE METADE DA INDENIZAÇÃO DE SEGURO DPVAT
– A configuração da união estável está atrelada à existência de elementos subjetivos (vontade de constituir família e relacionamento recíproco) e objetivos (convivência que perdura no tempo e em caráter contínuo).
– Se, no caso dos autos, há fundada dúvida em relação ao termo final da união estável entre as partes, não se pode admitir que ela perdurou até o falecimento do de cujus, mormente porque compete à parte autora comprovar tal fato, por se tratar de ônus constitutivo de seu direito, nos termos do art. 373, I, do CPC, do qual não se desincumbiu.
– Assim, diante da inexistência de comprovação de que a união estável persistiu até a data do falecimento do de cujus, imperiosa a manutenção da sentença que julgou improcedente o pedido inicial ante a ausência de direito da parte autora ao recebimento de metade da indenização do seguro DPVAT recebida pelos réus, em decorrência da morte do de cujus.
Apelação Cível nº 1.0280.10.002147-4/001 – Comarca de Guanhães – Apelante: A.M.A. – Apelado: I.P.B. e outro, M.F.P.P. –
Relatora: Des.ª Yeda Athias
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em negar provimento ao recurso.
Belo Horizonte, 18 de outubro de 2016. – Yeda Athias – Relatora.
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
DESA. YEDA ATHIAS – Trata-se de recurso de apelação interposto contra a sentença de f. 159/161, proferida pelo MM. Juiz de Direito da 1ª Vara Cível, Criminal e de Execuções Penais da Comarca de Guanhães, que, nos autos da ação de reconhecimento de união estável post mortem c/c ação de cobrança ajuizada por A.M.A. em face de I.P.B. e outros, julgou improcedente o pedido inicial, entendendo que não foi comprovada a união estável.
Inconformada, a autora interpôs o presente recurso de apelação, requerendo a reforma da sentença para julgar procedente o pedido inicial, sustentando que a decisão recorrida não analisou os diversos documentos juntados que comprovam a união estável havida entre ela e o de cujus. Asseveram que a prova testemunhal produzida demonstra que a união estável persistiu até o falecimento do filho dos apelados. Afirma que as testemunhas da parte contrária faltaram com a verdade e prestaram depoimentos contraditórios, não devendo ser levadas em consideração. Dessa forma, pugna pelo provimento do recurso.
Contrarrazões às f. 170/171, pelo não provimento do recurso.
É o relatório.
Conheço do recurso, pois presentes os pressupostos de admissibilidade.
A controvérsia consiste em verificar se a apelante e o de cujus, filho dos apelados, possuíram convivência pública, contínua e duradoura, com o objetivo de constituição de família, a configurar união estável, até o falecimento deste, o que garantiria à apelante o direito ao recebimento da metade da indenização do seguro DPVAT recebida pelos apelados, em decorrência da morte do de cujus.
O art. 1º da Lei nº 9.278/96 identificou como entidade familiar "a convivência duradoura, pública e contínua de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituir família".
O Código Civil preceitua que:
“Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.
A Constituição Federal também dispõe sobre o tema:
“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
[…]
§ 3º – Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”.
Hoje o conceito de família é muito mais abrangente, deixando de ser o núcleo econômico e de reprodução para ser espaço de afeto, do qual surgem várias representações sociais.
Sobre o tema, a Prof.ª Maria Helena Diniz ensina que a união estável caracteriza-se pela:
“[…] convivência pública, contínua e duradoura de um homem com uma mulher, vivendo ou não sob o mesmo teto, sem vínculo matrimonial, estabelecida com o objetivo de constituir família, desde que tenha condições de ser convertida em casamento, por não haver impedimento legal para sua convolação” (Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, v. 5, p. 368).
Como se vê, a configuração da união estável está atrelada à existência de elementos subjetivos (vontade de constituir família e relacionamento recíproco) e objetivos (convivência que perdura no tempo e em caráter contínuo).
Na lição de Maria Berenice Dias
“A lei não imprime à união estável contornos precisos, limitando-se a elencar suas características (CC 1.723): convivência pública, contínua e duradoura estabelecida com o objetivo de constituição de família. Preocupa-se o legislador em identificar a relação pela presença de elementos de ordem objetiva, ainda que o essencial seja a existência de vínculo de afetividade, ou seja, o desejo de constituir família. O afeto ingressou no mundo jurídico, lá demarcando seu território” (Manual de direito das famílias. 5. ed. São Paulo: RT, 2009, p. 164).
Pois bem.
Da análise dos autos, verifica-se que as partes da demanda reconhecem que a apelante e o de cujus viveram em união estável, porém há discordância em relação ao seu termo final: enquanto a recorrente afirma que, quando do falecimento do de cujus, ainda persistia a união estável (o que lhe garantiria o direito ao recebimento de metade do valor da indenização DPVAT), os recorridos asseveram que a união já havia cessado anos antes da morte de seu filho.
Assim, da análise das provas produzidas nos autos, verifica-se que a apelante não se desincumbiu do ônus de comprovar que a união estável persistiu até o falecimento do de cujus, como lhe competia, a teor do art. 373, I, do CPC.
Com efeito, não obstante terem sido ouvidas, na audiência de instrução e julgamento, sete testemunhas de ambas as partes, não restou demonstrada concretude suficiente, a fim de admitir que a união estável teria perdurado até a morte do de cujus.
Isso porque, consoante se observa do termo de audiência e seus anexos às f. 125/132, as testemunhas G.L.S. (f. 126), G.S.B. (f. 130) e I.B.B. (f. 131) afirmam que a apelante e o de cujus não mais viviam em união estável quando do falecimento daquele e que o falecido se encontrava morando com os recorridos.
Por outro lado, as testemunhas E.R.P.S. (f. 127), J.L.S. (f. 128) e C.P.D. (f. 129) asseveram que a união estável em epígrafe persistiu até o falecimento do de cujus.
Por fim, a testemunha A.B.B. (f. 132) alegou não saber dizer se, no momento do falecimento, a união estável persistia.
Frise-se que nem mesmo a acareação realizada (f. 152/153) dirimiu a dúvida instaurada, visto que as testemunhas J.L.S. e G.L.S. mantiveram suas respectivas versões.
Dessa forma, ao contrário do que sustenta a apelante, verifica-se das provas realizadas nos autos que não se pode afirmar, com a imprescindível certeza inerente à prestação jurisdicional, que ela e o de cujus mantiveram a união estável até o falecimento deste.
Nesse contexto, se, no caso dos autos, há fundada dúvida em relação ao termo final da união estável entre as partes, não se pode admitir que ela perdurou até a data do falecimento do de cujus, mormente porque compete à parte autora comprovar tal fato, por se tratar de ônus constitutivo de seu direito, nos termos do art. 373, I, do CPC, do qual não se desincumbiu.
Nesse sentido já decidiu este Tribunal:
“Ação de reconhecimento de união estável. Requisitos. Termo inicial controverso. Ônus da prova. – É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família, nos termos do art. 1.723 do Código Civil. O pedido de reconhecimento de união estável só pode ser acolhido em relação ao período em que, comprovadamente, o relacionamento houver se revestido dessas características, devendo ser analisado com muita cautela, a fim de que se evite a equiparação do mero namoro à união estável. – Deixando a autora de comprovar o termo inicial da união estável na data alegada, o pedido da ação de reconhecimento de união estável deve ser julgado parcialmente procedente” (TJMG – Apelação Cível 1.0024.12.080347-3/001, Relatora: Des.ª Ana Paula Caixeta, 4ª Câmara Cível, j. em 18.07.2013, p. em 24.07.2013).
Assim, diante da inexistência de comprovação de que a união estável persistiu até a data do falecimento do de cujus, imperiosa a manutenção da sentença que julgou improcedente o pedido inicial, ante a ausência de direito da parte autora ao recebimento de metade da indenização do seguro DPVAT recebida pelos apelados, em decorrência da morte do de cujus.
Mediante tais considerações, nego provimento ao recurso, mantendo incólume a sentença recorrida.
Custas recursais, pela apelante, observada a gratuidade de justiça deferida à f. 45.
Votaram de acordo com a Relatora os Desembargadores Sandra Fonseca e Corrêa Junior.
Súmula – NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.
Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico – MG