Jurisprudência mineira – Apelação cível – Ação de exclusão de cláusulas impeditivas – Doação de imóvel – Falecimento dos doadores – Cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade – Impossibilidade

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE EXCLUSÃO DE CLÁUSULAS IMPEDITIVAS – DOAÇÃO DE IMÓVEL – FALECIMENTO DOS DOADORES – CLÁUSULAS DE INALIENABILIDADE, IMPENHORABILIDADE E INCOMUNICABILIDADE – CANCELAMENTO DOS GRAVAMES – IMPOSSIBILIDADE


– Apesar de falecidos os doadores, ausente a justa causa, incabível o cancelamento das cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade.


Apelação Cível nº 1.0132.17.002182-9/001 – Comarca de Carandaí – Apelantes: Lidia Buzati Vale de Souza, Sandro Geraldo de Souza e outro – Relator: Des. Rogério Medeiros


ACÓRDÃO


Vistos etc., acorda, em Turma, a 13ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em negar provimento ao recurso.


Belo Horizonte, 30 de agosto de 2018. – Rogério Medeiros – Relator.


NOTAS TAQUIGRÁFICAS


DES. ROGÉRIO MEDEIROS – Cuida-se de recurso de apelação interposto por Sandro Geraldo de Souza e outro, qualificados nos autos, contra sentença proferida em ação de exclusão de cláusulas impeditivas em registro público de imóveis.


Alegam os autores na inicial, em síntese, que o autor Sandro Geraldo de Souza é donatário de uma gleba de terras de 6.41,30 hectares em local denominado Abóboras, na zona rural de Carandaí, tendo sido recebida de seus avós, já falecidos, por meio de doação com reserva de usufruto em 13/12/1991, mas gravada com cláusula de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade. Dizem que não mais subsistem motivos para permanência das cláusulas, já que o autor Sandro já atingiu a maioridade, além de não exercer atividade rurícola, mas, sim, de motorista carreteiro. Argumentam que a manutenção do imóvel se tornou um estorvo, descabendo falar até mesmo em sub-rogação e pediram a exclusão das referidas cláusulas. 


Sobreveio a sentença de f. 21/22 que julgou improcedente o pedido e condenou os autores no pagamento das custas processuais.


Inconformados, recorreram os autores (f. 23/29) reiterando os termos da peça de ingresso e pedindo a reforma da r. sentença.


Sem contrarrazões.


Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.


De início, cumpre esclarecer que dispunha o Código Civil de 1916, em seus artigos 1.676 e 1.677, vigente à época da doação:


“Art. 1.676. A cláusula de inalienabilidade temporária, ou vitalícia, imposta aos bens pelos testadores ou doadores, não poderá, em caso algum, salvo os de expropriação por necessidade ou utilidade pública, e de execução por dividas provenientes de impostos relativos aos respectivos imóveis, ser invalidada ou dispensada por atos judiciais de qualquer espécie, sob pena de nulidade. Art. 1.677. Quando, nas hipóteses do artigo antecedente, se der alienação de bens clausulados, o produto se converterá em outros bens, que ficarão subrogados nas obrigações dos primeiros”.


Nos termos dessas normas legais, a cláusula de inalienabilidade, passível de ser instituída de forma vitalícia ou temporária e imposta aos bens pelos testadores ou doadores, não podia, de modo algum, ser invalidada ou dispensada por atos judiciais de qualquer espécie, sob pena de nulidade, salvo nos casos de desapropriação ou de execução por dívidas referentes a tributos incidentes sobre os respectivos bens.


Esse regramento foi amenizado no vigente Código Civil, que assim dispõe, em seu art. 1.911, caput, e parágrafo único: 


"Art. 1.911. A cláusula de inalienabilidade, imposta aos bens por ato de liberalidade, implica impenhorabilidade e incomunicabilidade.


Parágrafo único. No caso de desapropriação de bens clausulados, ou de sua alienação, por conveniência econômica do donatário ou do herdeiro, mediante autorização judicial, o produto da venda converter-se-á em outros bens, sobre os quais incidirão as restrições apostas aos primeiros".


Vê-se, pois, que permite a Lei, por conveniência econômica do donatário ou do herdeiro e mediante autorização judicial, a alienação de bens clausulados, mas devendo o produto da venda converter-se em outros bens, sobre os quais incidam as restrições apostas aos alienados.


Todavia, em situações excepcionais, de grave necessidade financeira do donatário ou herdeiro, devidamente comprovada, a jurisprudência de nossos Tribunais vem permitindo a revogação dessas cláusulas, independentemente da transferência delas para outros bens.


No caso, não há demonstração de excepcional e grave situação financeira do donatário apelante, que pudesse justificar a pura e simples revogação, mediante autorização judicial.


Ausente a hipótese de grave necessidade financeira do donatário, cogitar-se-ia da hipótese de sub-rogação. Contudo, os apelantes não têm interesse na sub-rogação, conforme se verifica da peça de ingresso.


Destarte, a mera ocorrência da maioridade ou desinteresse em permanecer com o imóvel por conta de exercício de atividade diversa (motorista carreteiro) não são argumentos válidos, a meu ver, que justifiquem os levantamentos dos gravames.


Sendo assim, diante da inexistência, assim, de justificativas suficientes ao afastamento dos gravames impostos sobre o imóvel objeto de doação, deve ser prestigiada a declaração de vontade dos doadores falecidos, devendo ser mantida a respeitável sentença recorrida.


A propósito:


“Apelação. Ação de revogação de cláusula especial de inalienabilidade. Doação de imóvel por município. Cancelamento de cláusulas. Situação excepcional não comprovada. Improcedência do pedido. Sentença mantida. As cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade que gravam o imóvel doado foram atribuídas pelo doador por sua liberalidade e não podem ser canceladas aleatoriamente, carecendo de comprovação de situação excepcional, que demonstre a insustentabilidade do gravame. A despeito de a doutrina e a jurisprudência flexibilizarem o rigor da lei nas hipóteses em que a manutenção dos gravames em questão se torne um óbice à função social da propriedade, o levantamento mediante autorização judicial das cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade é permitido apenas em situações excepcionais, o que não restou demonstrado no caso em tela” (TJMG, Apelação Cível nº 1.0433.15.015800-7/001, Rel.ª Des.ª Ângela de Lourdes Rodrigues, 8ª Câmara Cível, j. em 10/8/2017, em 31/8/2017). 


Pelo exposto, nego provimento ao recurso. Custas pelos apelantes.


Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Luiz Carlos Gomes da Mata e José de Carvalho Barbosa.


Súmula – NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. 

 

 

Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico – MG