A atividade milenar do serviço extrajudicial passou por séculos de remodelação jurídica e social, com inúmeros incrementos econômicos. Entretanto, nada é tão desafiador do que o momento atual — ao menos até a próxima fase, o desafio seguinte — para o serviço extrajudicial em que o desenvolvimento tecnológico sofre tsunamis de novidades a cada instante com as incertezas de seu exato funcionamento e consequências (documentos eletrônicos, assinaturas eletrônicas, atos notariais e registrais a distância etc).
As necessidades humanas mudam e aumentam a cada novo passo adiante da sociedade, ainda que em descompasso com o modelo jurídico posto é de rigor mencionar que o desafio se apresenta dia a dia (ampliações do conceito de família, alargamento dos efeitos jurídicos advindos do afeto e os novos conceitos sobre a autodeterminação do indivíduo etc).
Os negócios e transações civis e empresariais são mais criativos, lucrativos e vivem em um ambiente de liberdade econômica tensionada pelas novas tecnologias e novas necessidades humanas (dos novos direitos reais e urbanísticos, as inovações imobiliárias e até as multi sociedades e associações com propósitos dos mais variados).
O delegatório extrajudicial dos registros e notas do nosso século deve ser um corajoso especialista em atender o futuro nos campos econômico, humano e tecnológico, com o domínio das expertises passadas, mas cercado das incertezas do conceito do que será formatado como correto e seguro juridicamente no futuro (sem mencionar debates passados e presentes que tornam desnecessário o reexame judicial e administrativo de temáticas consolidadas).
Evidente que, nesta equação de elementos conhecidos e desconhecidos, o espaço para o cometimento de erros e surgimento de dúvidas é significativo, legítimo e exigirá a devida prudência das autoridades fiscalizadoras no exercício da função correcional in natura. Acredita-se sinceramente que a função correcional também deverá desenvolver novas habilidades, ultrapassando os singelos deveres fiscalizatório e punitivo para abarcar funcionalidades estratégicas, voltadas ao direcionamento do “novo delegatório extrajudicial” no exercício de sua função típica e atípica, criando normas e orientações de atendimento ao usuário (público ou privado, no meio digital e físico), premissas mínimas tecnológicas com a adoção paulatina do mundo digital num país continental como o Brasil (afinal normas administrativas “programáticas” possuem baixíssima aplicabilidade se o agente fiscalizador não conhecer o público fiscalizado), incentivar a liberdade econômica (e não agir em prol da burocracia infundada), além de promover premissas nacionais claras sobre o alcance da responsabilidade administrativa dos delegatórios, protagonistas responsáveis pelos desafios tecnológicos e a parcela do Estado dentro do modelo idealizado de funcionamento tecnológico, humano e econômico.
Ainda que o breve texto não objetive a apresentação de respostas rígidas e indiscutíveis, mas apenas aguçar o interesse alhures, visa-se, ao menos, estabelecer três premissas importantes para nortear o “novo serviço extrajudicial e o mundo atual”:
Coragem para inovar na esfera tecnológica com apoio e o auxílio prudente dos órgãos fiscalizadores junto aos delegatórios do serviço extrajudicial — incentivando, respaldando e fiscalizando com prudência os avanços tecnológicos conquistados;
Sensibilidade para regrar os anseios da sociedade em suas demandas sociais — prestigiando o indivíduo e promovendo justiça social aos mais necessitados;
Fomentar a liberdade econômica, incentivando o desenvolvimento nacional nas áreas mais afetas a atividade extrajudicial — destravando o mercado e não embaraçando o uso criativo e legítimo da parcela produtiva do país junto a economia brasileira.
Sem dúvida, as premissas acima não são absolutas, mas a observância parcial e até combinadas dos dizeres referidos poderão acelerar a melhor acomodação do tsunami de transformações sociais, tecnológicas e econômicas e a atividade extrajudicial frente aos novos anseios públicos e privados do mundo atual.
Alberto Gentil de Almeida Pedroso é juiz, doutor em Direito, professor e palestrante.