Artigo – Direitos da(o) amante. Na teoria e na prática (dos tribunais) – Por Pablo Stolze Gagliano

Por Pablo Stolze Gagliano

1.Introdução

Você seria capaz de amar duas pessoas ao mesmo tempo?

Esta indagação, quando nos referimos ao amor que une os casais, costuma surpreender o interlocutor, o qual, por vezes, culmina por tentar buscar – ainda que em breve (e quase imperceptível) esforço de memória -, em sua história de vida, na infância ou na adolescência, algum fato caracterizador desta complexa “duplicidade de afeto”.

Pondo um pouco de lado o aspecto eminentemente moral que permeia o tema, é forçoso convir que a infidelidade e os amores paralelos fazem parte da trajetória da própria humanidade, acompanhando de perto a história do casamento.

Machado de Assis que o diga.

Por isso, não se afirme que a discussão, em nível jurídico, dos direitos da (o) amante traduz a frouxidão dos valores morais de nosso tempo, pois, se crise ética e valorativa há no mundo de hoje – e, de fato, creio existir – deriva, sem dúvida, de outros fatores (sucateamento do ensino, desigualdade social ainda acirrada, níveis alarmantes de insegurança pública, falta de visão filosófica e espiritual da vida), e não da infidelidade em si, que, conforme dissemos, é assunto dos mais antigos.

O fato é que, hoje em dia, a doutrina e a jurisprudência, sob o importante influxo da promoção constitucional da dignidade humana, resolveram enfrentar a matéria.


2. As Relações Paralelas de Afeto

A amante saiu do limbo jurídico a que estava confinada.

E, retornando à indagação feita, vale constatar que existe um número incalculável de pessoas, no Brasil e no mundo, que participam de relações paralelas de afeto.

Ainda que não seja a nossa pessoal situação, amigo (a) leitor (a), todos nós conhecemos ou sabemos de alguém, às vezes até parente ou amigo próximo, que mantém relação de concubinato [01].

Não é verdade?

Aliás, a matemática da infidelidade no Brasil não mente:

“As mulheres avançam, é verdade. Mas homens ainda reinam absolutos. A traição é em dobro: para cada mulher que trai, há dois homens sendo infiéis. Uma pesquisa do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo mostra que um dos índices menores é o do Paraná, mas é onde 43% dos homens já traíram. Em São Paulo, 44%. Em Minas Gerais, 52%. No Rio Grande do Sul, 60%. No Ceará, 61%. Mas os baianos são os campeões: 64% dos homens se dizem infiéis. Música e sensualidade formam uma mistura que, em Salvador, é sempre bem apimentada”. [02]

Na mesma linha, o site oficial do Ministério da Saúde:

“Os baianos são os campeões quando o assunto é traição. Já os paranaenses se dizem os mais fiéis. Entre as mulheres, as fluminenses são as que mais assumem ter casos extraconjugais. Quando se trata de freqüência de relações sexuais por semana, os homens de Mato Grosso do Sul e as mulheres de Pernambuco lideram a lista. Os dados são resultado de uma pesquisa liderada pela psiquiatra Carmita Abdo, coordenadora do Projeto Sexualidade (ProSex) do Hospital das Clínicas de São Paulo”. [03]

Com isso, é lógico concluir a provável existência de inúmeras realidades paralelas ao casamento ou à união estável em nosso País.

Imaginemos, pois, nessa linha de intelecção, que um homem [04] seja casado e mantenha, há alguns anos, uma relação simultânea com uma amante.

Vive com a esposa, mantém a sociedade conjugal, mas, uma ou duas vezes na semana, está com a sua concubina.

Pergunta-se, pois: o Direito deverá tutelar ambas as relações (a travada com a esposa e a mantida com a amante)?

E mais: caso seja afirmativa a resposta, esta tutela decorrerá da atuação das normas do Direito de Família?

Duas perguntas dificílimas de serem respondidas.

Para tentarmos chegar a uma solução, é necessário que analisemos o papel da fidelidade no ordenamento jurídico brasileiro.


3. O Papel da Fidelidade

Pensamos que a fidelidade é (e jamais deixará de ser) um valor juridicamente tutelado, e, tanto o é, que fora erigido como dever legal decorrente do casamento ou da união estável:

Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges:

I – fidelidade recíproca;

II – vida em comum, no domicílio conjugal;

III – mútua assistência;

IV – sustento, guarda e educação dos filhos;

V – respeito e consideração mútuos.

Art. 1.724. As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade [05], respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.

(grifos nossos)

Aliás, a violação deste dever, aliada à insuportabilidade da vida em comum, poderá, segundo norte pretoriano, resultar na dissolução da sociedade conjugal ou da relação de companheirismo, com conseqüências inclusive indenizatórias [06].

Com isso, no entanto, não se conclua que, posto a monogamia seja uma nota característica do nosso sistema [07], a fidelidade traduza um padrão valorativo absoluto.

O Estado, à luz do princípio da intervenção mínima no Direito de Família, não poderia, sob nenhum pretexto, impor, coercitivamente, a todos os casais, a estrita observância da fidelidade recíproca.

A atuação estatal não poderia invadir esta esfera de intimidade, a exemplo do que se dá na “relação de poliamor”.


4. O Poliamorismo

O que dizer, nessa linha de pensamento, do casal que vive em poliamorismo?

O poliamorismo ou poliamor, teoria psicológica que começa a descortinar-se para o Direito, admite a possibilidade de co-existirem duas ou mais relações afetivas paralelas, em que os seus partícipes conhecem e aceitam uns aos outros, em uma relação múltipla e aberta.

Segundo a psicóloga NOELY MONTES MORAES, professora da PUC-SP, “a etologia (estudo do comportamento animal), a biologia e a genética não confirmam a monogamia como padrão dominante nas espécies, incluindo a humana. E, apesar de não ser uma realidade bem recebida por grande parte da sociedade ocidental, as pessoas podem amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo”. [08]

Pois é, caro leitor.

Por mais que este não seja o padrão comportamental da nossa vida afetiva, trata-se de uma realidade existente, e que culmina por mitigar, pela atuação da vontade dos próprios atores da relação, o dever de fidelidade.

Há, inclusive, notícia da jurisprudência neste sentido:

“A 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça reconheceu que um cidadão viveu duas uniões afetivas: com a sua esposa e com uma companheira. Assim, decidiram repartir 50% do patrimônio imóvel, adquirido no período do concubinato, entre as duas. A outra metade ficará, dentro da normalidade, com os filhos. A decisão é inédita na Justiça gaúcha e resultou da análise das especificidades do caso. (…) Para o Desembargador Portanova, `a experiência tem demonstrado que os casos de concubinato apresentam uma série infindável de peculiaridades possíveis`. Avaliou que se pode estar diante da situação em que o trio de concubino esteja perfeitamente de acordo com a vida a três. No caso, houve uma relação `não eventual` contínua e pública, que durou 28 anos, inclusive com prole, observou. `Tal era o elo entre a companheira e o falecido que a esposa e o filho do casamento sequer negam os fatos – pelo contrário, confirmam; é quase um concubinato consentido`. O Desembargador José Ataides Siqueira Trindade acompanhou as conclusões do relator, ressaltando a singularidade do caso concreto: `Não resta a menor dúvida que é um caso que foge completamente daqueles parâmetros de normalidade e apresenta particularidades específicas, que deve merecer do julgador tratamento especial` “. [09]

Assim, podemos concluir que, posto a fidelidade seja consagrada como um valor juridicamente tutelado, não se trata de um aspecto comportamental absoluto e inalterável pela vontade das partes.

Muito bem.

E o que dizer, portanto, quando apenas uma das partes rompe este dever, caracterizando a denominada relação de concubinato entre os amantes?


5. Relação de Concubinato e Direitos da (o) Amante

Haveria, neste caso, e aqui voltamos à nossa intrigante questão, relação juridicamente tutelável entre a pessoa, casada ou em união estável, e a (o) sua (seu) amante?

Tudo dependerá da minuciosa análise do caso concreto.

Caso o partícipe da segunda relação desconheça a situação jurídica do seu parceiro, pensamos que, em respeito ao princípio da boa-fé, aplicado ao Direito de Família, a proteção jurídica é medida de inegável justiça.

Exemplifico.

O cidadão, casado na cidade do Salvador, viaja mensalmente a Curitiba, por razão profissional. Lá, encanta-se por uma meiga paranaense, esconde a sua aliança (e a sua condição matrimonial) e conhece a sua família, passando a conviver com a mesma, de forma pública e constante, todas as vezes em que está no Sul.

Como sabemos, a configuração da união estável não exige coabitação, prole ou período mínimo de tempo. Com isso, nada impede que, abusando do estado de inocência de sua companheira, o serelepe baiano culmine por constituir uma realidade paralela subsumível, em nosso sentir, às regras da união estável.

Teríamos, pois, uma situação de união estável putativa, semelhante à que se dá com o casamento. [10]

Nesse sentido, ROLF MADALENO:

“Desconhecendo a deslealdade do parceiro casado, instaura-se uma nítida situação de união estável putativa, devendo ser reconhecidos os direitos do companheiro inocente, o qual ignorava o estado civil de seu companheiro, e tampouco a coexistência fática e jurídica do precedente matrimonio, fazendo jus, salvo contrato escrito, à meação dos bens amealhados onerosamente na constância da união estável putativa em nome do parceiro infiel, sem prejuízo de outras reivindicações judiciais, como, uma pensão alimentícia, se provar a dependência financeira do companheiro casado e, se porventura o seu parceiro vier a falecer na constância da união estável putativa, poderá se habilitar à herança do de cujus, em relação aos bens comuns, se concorrer com filhos próprios ou a toda a herança, se concorrer com outros parentes”. [11] [12]

Por outro lado, situação mais delicada ocorre quando, casado ou em união estável, a pessoa mantém relação de concubinato com a sua amante, que sabe e conhece perfeitamente o impedimento existente para a união oficial de ambos.

Nesta hipótese, pois, haveria direitos da (o) amante?

Qualquer tentativa de se apresentar uma resposta única ou apriorística é, em nosso sentir, dada a multifária tessitura dos caminhos da nossa alma, temeridade ou alquimia jurídica.

Uma união paralela fugaz, motivada pela adrenalina ou simplesmente pela química sexual, não poderia, em princípio, conduzir a nenhum tipo de tutela jurídica.

No entanto, por vezes, este paralelismo se alonga no tempo, criando sólidas raízes de convivência, de maneira que, desconhecê-lo, é negar a própria realidade.

Tão profundo é o seu vínculo, tão linear é a sua constância, que a amante (ou o amante, frise-se) passa, inequivocamente, a colaborar, direta ou indiretamente, na formação do patrimônio do seu parceiro casado, ao longo dos anos de união.

Não é incomum, aliás, que empreendam esforço conjunto para a aquisição de um imóvel, casa ou apartamento, em que possam se encontrar.

Configurada esta hipótese, amigo (a) leitor (a), recorro ao seu bom-senso e à sua inteligência jurídica, indagando-lhe: seria justo negar-se à amante o direito de ser indenizada ou, se for o caso, de haver para si parcela do patrimônio que, comprovadamente, ajudou a construir?

Logicamente que não, em respeito ao próprio princípio que veda o enriquecimento sem causa.

Nesse sentido, já decidiu o Superior Tribuna de Justiça:

“Em decisão da 4ª Turma, do ano de 2003, o ministro Aldir Passarinho Júnior, relator de um recurso (REsp 303.604), destacou que é pacífica a orientação das Turmas da 2ª Seção do STJ no sentido de indenizar os serviços domésticos prestados pela concubina ao companheiro durante o período da relação, direito que não é esvaziado pela circunstância de o morto ser casado. No caso em análise, foi identificada a existência de dupla vida em comum, com a mulher legítima e a concubina, por 36 anos. O relacionamento constituiria uma sociedade de fato. O Tribunal de Justiça de São Paulo considerou incabível indenização à concubina. Mas para o ministro relator, é coerente o pagamento de pensão, que foi estabelecida em meio salário mínimo mensal, no período de duração do relacionamento”. [13]

Também o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

“Namorar homem casado pode render indenização devida pelo período do relacionamento. Durante 12 anos, a concubina dividiu o parceiro com a sua mulher `oficial`. Separado da mulher, o parceiro passou a ter com a ex-concubina uma relação estável. Na separação, cinco anos depois, ela entrou com pedido de indenização. Foi atendida por ter provado que no período do concubinato ajudou o homem a ampliar seu patrimônio. A 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul fixou indenização de R$ 10 mil. Para o desembargador José Carlos Teixeira Giorgis, relator da matéria, deve haver a possibilidade do concubino ganhar indenização pela vida em comum. `Não se trata de monetarizar a relação afetiva, mas cumprir o dever de solidariedade, evitando o enriquecimento indevido de um sobre o outro, à custa da entrega de um dos parceiros`, justificou. O casal viveu junto de 1975 a 1987, enquanto o parceiro foi casado com outra pessoa. Depois, mantiveram união estável de 1987 a 1992. Com o fim da união, ela ajuizou ação pedindo indenização pelo período em que ele manteve outro casamento. A mulher alegou que trabalhou durante os doze anos para auxiliar o parceiro no aumento de seu patrimônio e, por isso, reivindicou a indenização por serviços prestados. O desembargador José Carlos Teixeira Giorgis entendeu que a mulher deveria ser indenizada por ter investido dinheiro na relação. Participaram do julgamento os desembargadores Luis Felipe Brasil Santos e Maria Berenice Dias”. [14]

Firmada, pois, a tutela do Direito Obrigacional, indago se seria possível irmos mais além, para se admitir a proteção do próprio Direito de Família.

Não nego esta possibilidade, em situações excepcionais, devidamente justificadas.

Acentuo esta nota de “especialidade”, pois, não sendo assim, criaríamos uma ambiência propícia à autuação de golpistas e aproveitadores, simuladores de relações de afeto.

É acentuadamente simplista, e até socialmente desaconselhável, afirmar-se que em toda e qualquer situação a (o) amante concorrerá com a (o) esposa(o) ou com a (o) companheira (o).

Não.

Para que possamos admitir a incidência das regras familiaristas em favor da (o) amante, deve estar suficientemente comprovada, ao longo do tempo, uma relação socioafetiva constante, duradoura, traduzindo, inegavelmente, uma paralela constituição de um núcleo familiar.

Tempo, afeto e aparência de união estável – com óbvia mitigação do aspecto da publicidade – são características que, em nosso sentir, embora não absolutas de per si, devem conduzir o intérprete a aceitar, excepcionalmente, a aplicação das regras do Direito de Família, a exemplo da pensão alimentícia ou do regime de bens (restrito, claro, ao patrimônio amealhado pelos concubinos).

Vejamos caso levado à apreciação do Superior Tribunal de Justiça:

“A Sexta Turma do STJ está apreciando um recurso especial (REsp 674176) que decidirá sobre a possibilidade de divisão de pensão entre a viúva e a concubina do falecido. A relação extraconjugal teria durado mais de 30 anos e gerado dois filhos. O homem teria, inclusive, providenciado ida da concubina de São Paulo para Recife quando precisou mudar-se a trabalho, com a família”. [15]

Observe: 30 anos de convivência, filhos, relação duradoura e permanente, mudança de cidade juntamente com os integrantes do núcleo paralelo.

Família, para a doutrina civil-consitucional, traduz, não um produto da técnica legislativa, mas uma comunidade de existência moldada pelo afeto:

“A partir do momento em que a família deixou de ser o núcleo econômico e de reprodução para ser o espaço do afeto e do amor, surgiram novas e várias representações sociais para ela [16]“.

Também CAIO MÁRIO, em uma de suas últimas e imortais obras:

“Numa definição sociológica, pode-se dizer com Zannoni que a família compreende uma determinada categoria de `relações sociais reconhecidas e portanto institucionais`. Dentro deste conceito, a família `não deve necessariamente coincidir com uma definição estritamente jurídica`”.

E arremata:

“Quem pretende focalizar os aspectos ético-sociais da família, não pode perder de vista que a multiplicidade e variedade de fatores não consentem fixar um modelo social uniforme [17]“.

Como, então, leitor (a) amigo (a), você, juiz do caso concerto, negaria o reconhecimento deste vínculo familiar?

Seria negar a própria realidade da vida.

Fechar os olhos para as sutilezas do destino de cada um.

Aliás, sinceramente, você acha realmente possível, enganarmos, durante dez, vinte ou trinta anos, a nossa esposa [18]?

Até que ponto poderíamos admitir uma quebra inesperada do dever de fidelidade, calcada em um completo estado de desconhecimento da situação do nosso parceiro?

Tenho as minhas dúvidas se este “crime perfeito” é possível de ser realizado, de maneira que se torna imperioso concluir pela aplicação das regras de família, quando devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto.

E conforme nos lembra BERENICE DIAS:

“Situações de fato existem que justificam considerar que alguém possua duas famílias constituídas. São relações de afeto, apesar de consideradas adulterinas, e podem gerar conseqüências jurídicas”. [19]

Aliás, “a idéia de que o amor é assunto exclusivo dos amantes”, afirma GUILHERME DE OLIVEIRA, catedrático da Faculdade de Direito de Coimbra, “e de que cada casal é o seu próprio legislador supõe que os sistemas jurídicos eliminem progressivamente da pauta patrimonial os conteúdos que outrora serviam a todos indiscutivelmente, mas, hoje, estão ao que parece, sujeitos a negociação, no âmbito da tal `relação pura` e do compromisso permanente”. [20]


6. A (o) Amante e o Supremo Tribunal Federal

Recentemente, sem por fim definitivamente à controvérsia no âmbito do Direito de Família, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário 397.762-8, negou à concubina de homem casado (com quem manteve relação afetiva por 37 anos) o direito de dividir pensão previdenciária com a viúva [21]:

“O ministro Marco Aurélio (relator) afirmou em seu voto que o parágrafo 3º do artigo 226 da Constituição diz que a família é reconhecida como a união estável entre homem e mulher, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. Segundo o ministro, o artigo 1.727 do Código Civil prevê que o concubinato é o tipo de relação entre homem e mulher impedidos de casar. Neste caso, entendeu o ministro, a união não pode ser considerada estável. É o caso também da relação de Santos e Paixão.Os ministros Menezes Direito, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski acompanharam o relator. Lewandowski lembrou que a palavra concubinato – do latim, concubere – significa compartilhar o leito. Já união estável é “compartilhar a vida”, salientou o ministro. Para a Constituição, a união estável é o “embrião” de um casamento, salientou Lewandowski, fazendo referência ao julgamento da semana passada, sobre pesquisas com células-tronco embrionárias”.

Mas, demonstrando a magnitude do tema, a divergência acentuou-se no voto do Min. CARLOS BRITTO:

“Já para o ministro Carlos Britto, ao proteger a família, a maternidade, a infância, a Constituição não faz distinção quanto a casais formais e os impedidos de casar. Para o ministro, `à luz do Direito Constitucional brasileiro o que importa é a formação em si de um novo e duradouro núcleo doméstico. A concreta disposição do casal para construir um lar com um subjetivo ânimo de permanência que o tempo objetivamente confirma. Isto é família, pouco importando se um dos parceiros mantém uma concomitante relação sentimental a dois`. O ministro votou contra o recurso do estado da Bahia, por entender que as duas mulheres tiveram a mesma perda e estariam sofrendo as mesmas conseqüências sentimentais e financeiras”.

Nota-se, pois, a influência da doutrina familiarista no voto deste último julgador, salientando a complexidade da matéria e a inequívoca ausência de consenso.


7. Conclusões e Conselho

Pois é.

Não é simples este delicado tema.

Longe de ser pacífica, a questão ainda passa por um processo de amadurecimento doutrinário e jurisprudencial, reclamando, no futuro, pronunciamento final do Plenário do Pretório Excelso.

Até lá, é papel de todos os cultores do Direito Civil enfrentar o tema de forma madura, sensata, não-discriminatória, e, acima de tudo, em harmonia com o principio matricial da dignidade humana aplicado nas relações de afeto.

Lembrando-se sempre de como é arriscado estabelecer uma regra geral para a vida afetiva, tão cheia de exceções.

Em conclusão, e se me permitem um conselho, sugiro que cultivemos sempre a fidelidade a dois em nossas vidas, pois, certamente, assim, teremos mais paz e tranqüilidade.

E que Deus nos ouça!

E o nosso coração também…


Notas

  1. Vale lembrar que o Código Civil deixou clara a distinção entre “concubinato”, relação não-eventual entre pessoas impedidas de casar (amantes), e “companheiros”, integrantes da união estável: “Art. 1.727. As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato”.
  2. E o exemplo poderia ser dado perfeitamente com uma mulher. Vivemos a era da igualdade, não havendo mais espaço para imposição da predominância masculina. Aliás, não existe mais ambiência para determinadas correntes de pensamento da nossa doutrina, como a esposada pelo grande WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, estrela na nossa constelação de civilistas, quando afirma: “Entretanto, do ponto de vista puramente psicológico, torna-se sem dúvida mais grave o adultério da mulher. Quase sempre, a infidelidade no homem é fruto de capricho passageiro ou de um desejo momentâneo. Seu deslize não afeta de modo algum o amor pela mulher. O adultério desta, ao revés, vem demonstrar que se acham definitivamente rotos os laços afetivos que a prendiam ao marido e irremediavelmente comprometida a estabilidade do lar. Para o homem, escreve SOMERSET MAUGHAM, uma ligação passageira não tem significação sentimental, ao passo que para a mulher tem” (in Curso de Direito Civil, 2º volume, Direito de Família, 35ª ed., São Paulo: Saraiva, 1999, pág. 117. Nos dias de hoje, ainda que a infidelidade masculina seja muito mais freqüente, todos nós, homens e mulheres, estamos sujeitos à desvios e tropeços de conduta na relação a dois, afigurando-se arriscado estabelecer, em nosso sentir, ainda que em nível psicológico, uma escala de gravidade. Ou você concorda com o Prof. BARROS MONTEIRO?…
  3. Interessa notar que o art. 1.724, regulador dos deveres dos companheiros, utiliza o conceito mais amplo de “lealdade”, o qual, inequivocamente, compreende o compromisso de fidelidade sexual e afetiva durante toda a união.
  4. O próprio Superior Tribunal de Justiça já admitiu responsabilidade civil pela traição, por conta do reconhecimento de dano moral: “Um pai que, durante mais de 20 anos, foi enganado sobre a verdadeira paternidade biológica dos dois filhos nascidos durante seu casamento receberá da ex-mulher R$ 200 mil a título de indenização por danos morais, em razão da omissão referida. O caso de omissão de paternidade envolvendo o casal, residente no Rio de Janeiro e separado há mais de 17 anos, chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) em recursos especiais interpostos por ambas as partes. O ex-marido requereu, em síntese, a majoração do valor da indenização com a inclusão da prática do adultério, indenização por dano material pelos prejuízos patrimoniais sofridos e pediu também que o ex-amante e atual marido da sua ex-mulher responda solidariamente pelos danos morais. A ex-mulher queria reduzir o valor da indenização arbitrado em primeiro grau e mantido pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Por 3 a 2, a Terceira Turma do STJ, acompanhando o voto da relatora, ministra Nancy Andrighi, rejeitou todos os pedidos formulados pelas partes e manteve o valor da indenização fixado pela Justiça fluminense. Segundo a relatora, o desconhecimento do fato de não ser o pai biológico dos filhos gerados durante o casamento atinge a dignidade e a honra subjetiva do cônjuge, justificando a reparação pelos danos morais suportados. Em seu voto, a ministra Nancy Andrighi destacou que a pretendida indenização por dano moral em decorrência da infidelidade conjugal foi afastada pelo Tribunal de origem ao reconhecer a ocorrência do perdão tácito, uma vez que, segundo os autos, o ex-marido na época da separação inclusive se propôs a pagar alimentos à ex-mulher. Para a ministra, a ex-mulher transgrediu o dever da lealdade e da sinceridade ao omitir do cônjuge, deliberadamente, a verdadeira paternidade biológica dos filhos gerados na constância do casamento, mantendo-o na ignorância. Sobre o pedido de reconhecimento da solidariedade, a ministra sustentou que não há como atribuir responsabilidade solidária ao então amante e atual marido, pois não existem nos autos elementos que demonstrem colaboração culposa ou conduta ilícita que a justifique. Para Nancy Andrighi, até seria possível vislumbrar descumprimento de um dever moral de sinceridade e honestidade, considerando ser fato incontroverso nos autos a amizade entre o ex-marido e o então amante. `Entretanto, a violação de um dever moral não justificaria o reconhecimento da solidariedade prevista no artigo 1.518 do CC/16`, ressaltou a ministra. (http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=84969&tmp.area_anterior=44&tmp.argumento_pesquisa=infidelidade#, acessado em 13 de julho de 2008). Mais inovadora ainda é a notícia de indenização por infidelidade virtual: “A Justiça do Distrito Federal aceitou a troca de mensagens por e-mail entre um homem e sua amante como prova de adultério e condenou o homem a pagar indenização de R$ 20 mil por danos morais à ex-mulher. O autor da sentença, juiz Jansen Fialho de Almeida, titular da 2ª Vara Cível de Brasília, desconsiderou a alegação do homem de quebra de sigilo das mensagens eletrônicas, porque os e-mails estavam gravados no computador de uso da família e a mulher tinha acesso à senha do ex-marido. `Simples arquivos não estão resguardados pelo sigilo conferido às correspondências`, concluiu. Cabe recurso ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Para o juiz, o adultério foi demonstrado pela troca de mensagens eróticas. O dano moral se caracterizou porque, nas mensagens, o marido fazia comentários jocosos sobre o desempenho sexual da mulher, afirmando que ela era `fria` na cama. `Se a traição, por si só, já causa abalo psicológico ao cônjuge traído, tenho que a honra subjetiva da autora foi muito mais agredida, em saber que seu marido, além de traí-la, não a respeitava, fazendo comentários difamatórios quanto à sua vida íntima, perante sua amante”, decidiu Jansen de Almeida` ” (http://www.conjur.com.br/static/text/66569,1#null, acessado em 13 de julho de 2008).
  5. Parte da doutrina vai mais além, erigindo a monogamia como um princípio: “O princípio da monogamia, embora funcione como um ponto-chave das conexões morais, não é uma regra moral, nem moralista. É um princípio jurídico organizador das relações conjugais”. PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Uma Principiologia para o Direito de Família – Anais do V Congresso Brasileiro de Direito de Família. Belo Horizonte: IBDFAM, 2006, págs. 848-849.
  6. “O Fim da Monogamia?”, reportagem da Revista Galileu, publicação da Editora Globo, outubro de 2007, pág. 41. Outras regras do “poliamor” apresentadas na mesma matéria: “A filosofia do poliamor nada mais é do que a aceitação direta e a celebração da realidade da natureza humana; O amor é um recurso infinito. Ninguém duvida de que você possa amar mais de um filho. Isso também se aplica aos amigos; O ciúme não é inato, inevitável e impossível de superar. Mas é possível lidar muito bem com o sentimento. Os poliamoristas criaram um novo termo oposto a ele: compersion (algo como `comprazer` em português). Trata-se do contentamento que sentimos ao sabermos que uma pessoa querida é amada por mais alguém; Segundo suas crenças, eles representam os verdadeiros valores familiares. Têm a coragem de viver um estilo de vida alternativo que, embora condenado por parte da sociedade, é satisfatório e recompensador. Crianças com muitos pais e mães têm mais chances de serem bem cuidadas e menos risco de se sentirem abandonadas se alguém deixa a família por alguma razão” (fl. 44)
  7. O casamento putativo no Código Civil está previsto no art. 1.561: “Embora anulável ou mesmo nulo, se contraído de boa-fé por ambos os cônjuges, o casamento, em relação a estes como aos filhos, produz todos os efeitos até o dia da sentença anulatória. § 1o Se um dos cônjuges estava de boa-fé ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis só a ele e aos filhos aproveitarão. § 2o Se ambos os cônjuges estavam de má-fé ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis só aos filhos aproveitarão”.
  8. MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. Rio de Janeiro: 2008, pág. 819.
  9. O Superior Tribunal de Justiça, no entanto, posto se trate de forte teoria na doutrina, enfrentando-a, não a aceitou: “União estável. Reconhecimento de duas uniões concomitantes. Equiparação ao casamento putativo. Lei nº 9.728/96. 1. Mantendo o autor da herança união estável com uma mulher, o posterior relacionamento com outra, sem que se haja desvinculado da primeira, com quem continuou a viver como se fossem marido e mulher, não há como configurar união estável concomitante, incabível a equiparação ao casamento putativo. 2. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 789.293/RJ, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 16.02.2006, DJ 20.03.2006 p. 271)”. Cremos, de nossa parte, que este entendimento seja futuramente modificado.
  10. http://www.conjur.com.br/static/text/60967,1, acessado em 13 de julho de 2008.
  11. http://www.conjur.com.br/static/text/40960,1, acessado em 13 de julho de 2008.
  12. PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de família e o novo Código Civil. Coord.: Rodrigo da Cunha Pereira e Maria Berenice Dias. Belo Horizonte: Del Rey/IBDFAM, 2002, p. 226-227.
  13. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Direito civil: alguns aspectos da sua evolução. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 170.
  14. Ou a nossa companheira, marido ou companheiro?…
  15. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, pág. 179.
  16. OLIVEIRA, Guilherme de. Temas de Direito de Família – 1. Coimbra: Coimbra Ed, 2005, pág. 338.
  17.  

 

Pablo Stolze Gagliano: juiz de Direito, professor de Direito Civil do Curso JusPodivm e da rede LFG, pós-graduado em Direito Civil pela UFBA, mestrando em Direito Civil pela PUC/SP

 

Fonte: Jus Navigandi