A recorrente pretende excluir o direito de visitas antes deferido ao pai de sua filha, por força do alegado conflito de interesses provocado pelo próprio genitor, ao ajuizar, em concomitância, ações que, no seu entendimento, manifestam absoluta incompatibilidade: a primeira, negatória de paternidade; a segunda, de modificação de direito de visitas, com o objetivo de ampliar o tempo de permanência do pai com a menor. O recorrido aduz que os laços afetivos entre ele e a filha são muito fortes e, ainda que fosse constatada a ausência de vínculo biológico, jamais seria rompido o vínculo afetivo que nutre com a criança, atestando que, logo após a ruptura da união estável mantida com a mãe da menor, ajuizou ação de oferta de alimentos, pois sempre se preocupou com o bem-estar de sua filha. Por fim, fez prova de que requereu a desistência da ação negatória de paternidade, insistindo pela manutenção de seu direito de visita. A questão consiste em definir se há incompatibilidade no ajuizamento, simultâneo e pela mesma parte, de ação negatória de paternidade e de modificação do direito de visitas, essa com o objetivo de ampliação do tempo de permanência do pai com a filha menor.
A peculiaridade é que o processo em questão tem origem em medida cautelar incidental requerida nos autos de ação de modificação de direito de visitas, correndo a negatória de paternidade em autos diversos. Para a Min. Relatora, pelo que se extrai do acórdão recorrido, cuida-se de um pai que possui interesse de estar presente na vida da filha e visitá-la o tanto quanto lhe for permitido e determinado pelo juízo na regulamentação de visitas. Há o fator real de intenso conflito entre os genitores que procuram de todas as formas dificultar a vida um do outro; deve-se poupar a filha, para que não seja também atingida pela irreflexão comum àqueles que, ao perderem a vida em comum, perdem também a coerência de suas próprias vidas, sem necessidade de concentrar na criança mais um foco da discórdia.
Os direitos da criança devem ser amplamente assegurados (art. 19 do ECA). É inerente ao poder familiar, que compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores, tê-los em sua companhia nos termos do art. 1.634, II, do CC/2002, ainda que essa companhia tenha que ser regulada pelo direito de visitas explicitado no art. 1.589 do CC/2002, considerada a restrição contida no art. 1.632 daquele mesmo código, quando colhido o casal pela separação judicial, divórcio ou dissolução da união estável. Sem que se tenha notícia de que o poder familiar do recorrido em relação à filha tenha sido de alguma forma suspenso ou extinto, assiste-lhe o direito de visitar a filha nos termos em que fixadas as visitas em juízo. Também a desistência da ação negatória em outro processo não tem o condão de produzir efeitos processuais nestes autos.
O genitor vem cumprindo com suas obrigações paternas, demonstrando intensa preocupação e cuidado com o bem-estar da filha, não há porque restringir o salutar contato da filha com o pai. Com redobrada atenção ao princípio do maior interesse da criança, deve ser mantido o acórdão impugnado, uma vez que o genitor em nada violou o art. 267, § 4º, do CPC. A aludida incompatibilidade entre as ações ajuizadas pelo recorrido, acaso determinado o prosseguimento da ação negatória de paternidade em que se formulou o pedido de desistência, deveria subsidiar o juiz daquele processo, que, sabidamente, deve estar atento, para além da existência ou não de vícios de consentimento no ato do reconhecimento espontâneo da paternidade, à presença de vínculo de afeto a unir a criança ao pai que expõe sua dúvida perante o Judiciário. Não há como decidir pela procedência de uma negatória de paternidade quando presente a relação de afeto, salutar e condicionante maior da existência da paternidade socioafetiva. REsp 1.032.875-DF <http://www.stj.gov.br/webstj/processo/justica/jurisprudencia.asp?tipo=num_pro&valor=REsp 1032875>, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 28/4/2009.
Fonte: Informativo de Jurisprudência do STJ – 28.04.09