A vendedora Lucyana Gutierrez, de 40 anos, recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) para conseguir o direito de colocar os nomes das duas mulheres que considera como mães em seu registro de nascimento. “Parece estranho, mas é assim que fui criada, por duas mães adotivas”, disse Lucyana ao G1.
O recurso especial protocolado pela defesa da vendedora foi julgado pela 3ª Turma. A decisão foi divulgada nessa quarta-feira (29) no site do órgão. O colegiado seguiu o entendimento do relator, o ministro Marco Aurélio Bellizze, e determinou o retorno do processo à primeira instância para ser julgado novamente. Segundo a decisão, Lucyana não teve chance de apresentar todas as provas sobre a convivência dela com as duas mães.
Lucyana conta ao G1 que foi deixada pelos pais biológicos na porta de uma distribuidora de bebidas, em Rondonópolis (MT), quando ainda era um bebê. Segundo a vendedora, ela foi adotada por uma das duas proprietárias da empresa. “Na época, não era permitido colocar os nomes de duas mulheres no registro de nascimento, por isso, apenas uma delas me registrou”, explicou.
No entanto, a vendedora conta que foi criada pelas duas mulheres. Segundo informações divulgadas pelo STJ, as empresárias tinham uma “relação homoafetiva”. Lucyana prefere não dar informações sobre a relação entre as mulheres.
Quando a vendedora tinha 5 anos, as duas mulheres venderam a distribuidora de bebidas e mudaram-se para Campo Grande. Ela conta que morou com as duas mulheres até os 7 anos, quando uma delas casou-se e mudou-se para outra casa com o marido.
“Mesmo em casas separadas, nós três sempre permanecemos muito próximas. Morávamos na mesma rua, na mesma quadra. O vínculo entre nós sempre foi o mesmo. Tinha quarto nas duas casas, vivia nas duas casas, sempre foi assim”, relata.
A mulher que registrou Lucyana, primeira mãe, morreu quando ela completou 16 anos. “Depois que ela faleceu, fui morar com a minha outra mãe e com o marido dela”. Ela relata que morou com o casal até os 18 anos.
A segunda mãe dela faleceu em 2007. Segundo informações do STJ, após a morte da mulher, a vendedora teria sido abandonada pelo “pai adotivo”. O motivo teria sido financeiro. No processo, ela alega que o homem não quer que ela participe da partilha de bens da família.
A vendedora também recorreu a Justiça de Mato Grosso do Sul para ser reconhecida como filha pelo pai adotivo. “Acho que mãe ou pai não é apenas aquele que coloca a gente no mundo. Tenho duas mães e um pai e não vou abrir mão disso. Não vou jogar o meu passado no lixo”.
Processo
Em primeira instância, o pedido de reconhecimento de dupla maternidade protocolado por Lucyana foi negado. A Justiça de Mato Grosso do Sul considerou que o reconhecimento da maternidade socioafetiva (por adoção) seria possível somente em caso de abandono por parte da mãe que registrou, fosse ela biológica ou adotiva.
Segundo informações do processo divulgadas pelo STJ, para o órgão estadual não ficou comprovada a relação homoafetiva entre as duas mulheres.
Dupla maternidade
A legislação brasileira não impede que uma criança seja registrada por duas pessoas do mesmo sexo, independentemente de terem ou não uma relação homoafetiva.
A presidente da Comissão da Mulher Advogada, que pertence à Ordem dos Advogados do Brasil em Mato Grosso do Sul (OAB-MS), Mara de Azambuja Salles, explica que a Lei de Registros Públicos permite que as pessoas façam modificações de informações em seus documentos.
“Há precedentes para isso. A família da sociedade contemporânea é diferente da família da sociedade antiga. O Direito acompanha essas mudanças”, comenta a advogada.
Ainda segundo Mara, para que os documentos sejam modificados é preciso uma justificativa, além de um acordo entre as partes. “Hoje uma pessoa pode ter no registro de nascimento um pai e uma mãe, duas mães, dois pais, ou até mesmo duas mães e um pai, ou dois pais e uma mãe”, explica.
Como exemplo, a advogada cita casos em que há doação de óvulos ou doação de esperma para a realização de inseminações artificiais, ou de relações homoafetivas, ou ainda adoção.
Fonte: G1
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