Clipping – CNJ quer evitar aprovação da PEC 471 – Jornal Correio Braziliense

Conselho trabalhará contra proposta de efetivar familiares de donos de cartórios que têm assumido o comando das serventias sem concurso público. Número de beneficiados pode chegar a mil


O levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre os cartórios do país vai possibilitar a identificação de quantos e quais donos de serventias serão beneficiados pela proposta de emenda constitucional que efetiva, sem concurso público, quem foi designado provisoriamente para o cargo até 1994. Pronta para ser votada pelo plenário da Câmara, a PEC 471/2005 é criticada duramente pelo corregedor-geral do CNJ, Cesar Asfor Rocha, vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ). “Sou contra. A partir da Constituição de 1988, o ingresso é por concurso, e acabou”, afirmou Asfor, sem admitir qualquer abertura para um debate sobre o tema.

Inicialmente, a Associação dos Notórios e Registradores do Brasil (Anoreg) calculava em cerca de mil donos de cartórios os possíveis beneficiados pela PEC. Eles foram designados para o cargo pela Justiça em consequência da aposentadoria ou morte do titular. Mas a proposta original do deputado João Campos (PSDB-GO) previa a efetivação de quem estava no cargo nos últimos cinco anos. No final do ano passado, para garantir a aprovação da PEC, os defensores do “trem da alegria” aceitaram fixar o prazo máximo em novembro 1994, data da lei que regulamentou a norma constitucional e remeteu às legislações estaduais a regulamentação dos concursos para ocupação desses cargos (Lei 8.935/94). Com isso, ficou reduzido o número de possíveis beneficiários da proposta de emenda constitucional.

Até junho do ano passado, porém, não existia um banco de dados seguro sobre a atividade notarial no país. Não se sabia nem mesmo o número de cartórios existentes, quanto mais quem seria beneficiado pela PEC 471. Alguns tribunais de Justiça, que fiscalizam a atividade, apontam o número de designados provisoriamente no seu estado, mas não sabem informar há quanto tempo os mesmos estão no cargo. A partir desta semana, o CNJ fará um cruzamento de dados que vai permitir levantar a lista dos prováveis passageiros do “trem da alegria” dos cartórios.

“Mina de ouro”

No Rio de Janeiro, a Corregedoria-Geral de Justiça descobriu que 14 donos de cartórios ganharam sua outorga sem prestar concurso público após a promulgação da Lei 8.935, de 18 de novembro de 1994. Entre eles o ex-presidente do Conselho Estadual de Entorpecentes Murilo de Souza Asfora, titular do 11º Ofício de Justiça da Comarca de Petrópolis; a socialite Therezinha de Aquino Costa dos Santos, do Ofício Único de Rio das Ostras; e o empresário Roberto Vieira Ribeiro, do 17º Ofício de Justiça da Comarca de Niterói.

O corregedor-geral da Justiça do estado, desembargador Luiz Zveiter, diz que estão sendo investigados casos de pequenos latifúndios cartoriais. Marido e mulher ganham outorgas de diferentes cartórios, em diferentes cidades, e o negócio fica em família. “É uma mina de ouro”, compara Zveiter.

O presidente da Anoreg/BR, Rogério Bacelar, afirma que a entidade sempre foi favorável aos concursos públicos, mas também defende que “cada caso é um caso”. Ele argumenta que existem situações de pessoas que têm 20, 30 anos de designação, porque o poder público não realizou concursos para o preenchimento desses postos. Assim, entende que essas pessoas não podem ser simplesmente “jogadas na rua”.

O juiz auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça, Murilo Kieling, que integrou a equipe responsável pelo levantamento dos dados dos cartórios, afirma que a PEC 471 “caminha na contra-mão da história e vulnera princípios fundamentais da Constituição”. “Falo na contramão com relação àquele processo histórico hereditário de transmissão de verdadeiros feudos. E fere princípios fundamentais como os da impessoalidade, moralidade e legalidade, previstos no artigo 37″.

Herdeiros

Márcia Lenz Alcântara herdou o Cartório de Registro de Imóveis de Silvânia (GO), distante cerca de 100 quilômetros de Goiânia. O cartório pertenceu ao seu pai, Ivo Lenz, de 1952 a 1994. Ela começou a trabalhar no estabelecimento como escrevente em 1977. Assumiu a titularidade em 1995, com a aposentadoria do pai. O título foi concedido pelo pleno do Tribunal de Justiça de Goiás. Márcia lembra que a regulamentação do ingresso na atividade cartorial foi aprovada em 1994, mas não ficaram definidas as regras para os concursos. Assim, o tribunal designava os responsáveis provisoriamente. “E como fica a situação dessas pessoas que estão aí há 20 anos?”, pergunta a dona do cartório. Pela proposta original do deputado João Campos, ela seria efetivada no cargo. Com a alteração feita na comissão especial, ela ficará fora do “trem da alegria” e perderá a renda mensal entre R$ 10 mil e R$ 15 mil.

A responsável pelo 2º Tabelionato de Notas e Anexos de Orizona, Lúcia Maria Porto Tavares, de 53 anos, era substituta do pai, Elvino Porto, que foi titular do cartório de 1950 a 1993. Com o cartório instalado no prédio do fórum da cidade, a sua renda mensal varia entre R$ 5 mil e R$ 8 mil. Como foi nomeada pela Justiça em 1993, acabará sendo efetivada pela PEC 471, se a proposta for aprovada pelos plenários da Câmara e do Senado.

 

 

Fonte: Correio Braziliense