Criança mandada a abrigo deve ficar com pai registral até decisão final sobre veracidade do registro

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu habeas corpus para que uma criança permaneça sob os cuidados do pai registral e de sua companheira até o trânsito em julgado da ação que investiga a legalidade do registro civil.

 

A Justiça estadual havia determinado a busca e apreensão e o acolhimento institucional da criança no âmbito de uma ação de destituição do poder familiar, investigação de paternidade e anulação de registro civil proposta pelo Ministério Público. Conforme o processo, a criança estava sob os cuidados do pai registral e da companheira desde os três dias de vida, e a medida judicial foi tomada quando ela já tinha 11 meses de idade.

 

Segundo o relator do caso no STJ, ministro Luis Felipe Salomão, a determinação de acolhimento institucional baseou-se tão somente no argumento do Ministério Público de que teria havido adoção irregular mediante fraude no registro, sem a apresentação de evidências de que a criança estivesse em perigo físico ou psíquico ao conviver com o pai e sua companheira.

 

Medida excepcional

 

O ministro destacou que a regra do artigo 98 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que prevê o acolhimento institucional em situações de risco, não prescinde da demonstração de evidências de ameaça de violação dos direitos tutelados.

 

“A ação do juiz corretiva de desvios – tanto no âmbito da ação estatal, no âmbito da família, por ato próprio da criança ou adolescente e, ainda, no âmbito da sociedade – deve, necessariamente, ser pautada pela precisa identificação de situação concreta de ameaça ou violação de direitos, notadamente em se tratando da medida de proteção que impõe o acolhimento institucional, por ser esta uma medida excepcional e provisória”, explicou o relator.

 

Salomão disse que o registro civil é dotado de fé pública e, até prova em contrário, goza de presunção de verdade. Dessa forma, a declaração do pai, ao reconhecer e registrar o filho, “não pode ser elidida por simples argumentações e conjecturas acerca de sua autenticidade sob o ponto de vista da paternidade biológica”.

 

Melhor interesse

 

O relator ressaltou que o melhor interesse da criança e do adolescente é mais que um princípio, pois traduz verdadeira regra jurídica de cumprimento e observância obrigatórios.

 

Portanto, segundo ele, devem ser afastadas medidas que, embora possam dar a impressão de atender ao caráter protetivo da lei, em certos casos revelam “excessivo formalismo a aviltar o melhor interesse da criança”, que é “conviver em um lar estabelecido”.

 

O mesmo entendimento vale, de acordo com o ministro, para a regra do cadastro nacional de adoção, cuja ordem cronológica pode ser flexibilizada em respeito ao princípio do melhor interesse.

 

“O Estatuto da Criança e do Adolescente não se rege pelo critério da legalidade estrita, mas sim pelo critério finalístico, que se alcança por meio de uma interpretação teleológica objetivando os fins sociais a que a lei se dirige, consoante o artigo 6º do citado diploma”, declarou.

 

Salomão afirmou ainda que não há razoabilidade na decisão de transferir a guarda da criança, primeiro a um abrigo e depois a outro casal cadastrado na lista de adoção, e que isso poderia causar “danos irreparáveis à formação de sua personalidade na fase mais vulnerável do ser humano”. Tal solução, acrescentou, “evidencia um desvirtuamento da regra máxima de proteção e do princípio do melhor interesse da criança”.

 

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

 

 

Fonte: STJ