Existir com dignidade: direito de todos, dever do Estado

Sem documento, milhões de brasileiros não conseguem exercer sua cidadania

 

O registro civil de nascimento (https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/12/237-dos-nascimentos-nobrasil-nao-sao-registrados-aponta-ibge.shtml) deve ser considerado um direito humano em si ao consignar os vínculos mais essenciais da pessoa, incluindo ascendência genética e direito à nacionalidade, além de ser o primeiro documento básico do cidadão. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estima de pessoas com passagem pelo sistema prisional. Em muitos casos, a falta dos documentos impede a comprovação de atividade laboral, frustrando acesso a um direito básico e às expectativas da própria sociedade quanto ao futuro dessas pessoas.

Além dos casos de sub-registro de nascimento (https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/12/1388285-62-dos-nascimentos-no-brasil-nao-sao-registrados-diz-ibge.shtml) ,as pessoas sem documentos no sistema prisional também pertencem ao grupo dos chamados “equiparados” —que têm notícias do registro, mas não conseguem localizá-lo para emitir a segunda via da certidão. Há ainda aqueles que foram presos em unidade da Federação diferente daquela onde foram civilmente identificados, com o agravante de que não há comunicação entre os cadastros administrativos de identidade dos governos estaduais.

Nas audiências para buscar regularizar esses casos, é difícil assimilar que há registros de identidade criminal para fins de punição, mas não identidades civis para fins de cidadania, mesmo depois de anos sob a tutela do Estado. Muitas vezes, sequer se confirmava o nome do acusado ou do condenado.

O conceito de identificação criminal, do qual decorre o registro criminal, é previsto na Constituição Federal. Em geral, é usado nos processos criminais e dificultam a emissão de documentos como o Cadastro de Pessoa Física (CPF) e a Carteira de Trabalho e Previdência Social, essenciais para a retomada da vida em sociedade.

Embora o tema do sub-registro tenha gerado alguma mobilização institucional nos últimos anos (https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2011/12/1014872-pais-avanca-mas-nao-atinge-meta-deerradicar-sub-registro-de-bebes.shtml) , inclusive no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, é a primeira vez que uma mobilização nacional ampla com foco no contexto carcerário está em andamento. O Conselho Nacional de Justiça e o Programadas Nações Unidas para o Desenvolvimento, com apoio do Ministério da Justiça e Segurança Pública, acionaram mais de 150 parceiros locais e nacionais, incluindo o Tribunal Superior Eleitoral, para garantir que pessoas privadas de liberdade tenham sua identidade civil esclarecida em um cadastro único para obterem documentos. Um fluxo permanente de emissão está sendo criado junto a unidades da Federação, que também receberão 5.400 kits biométricos e apoio na formação de profissionais para a sustentabilidade das operações no longo prazo.

Ao confirmar a identidade das pessoas logo após a prisão e permitir o acesso à documentação civil (https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0101200301.htm) , o Estado viabiliza direitos mínimos e a racionalização da porta de saída do sistema prisional. Sem isso, não podemos esperar resultados minimamente razoáveis da experiência do cárcere, seja para a segurança pública, seja para o objetivo de inserção social após o cumprimento de pena.

 

Fonte: Folha de S.Paulo