Jurisprudência mineira – Ação de Investigação de Paternidade Post Mortem cumulada com Petição de Herança – Exame de DNA Comprobatório da Paternidade – Prescrição – Inocorrência – Herdeiros Aparentes – Terceiros de Boa-Fé – Aquisição a Título Oneroso – Preservação dos Direitos

JURISPRUDÊNCIA CÍVEL

 

AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE POST MORTEM CUMULADA COM PETIÇÃO DE HERANÇA – EXAME DE DNA COMPROBATÓRIO DA PATERNIDADE – PRESCRIÇÃO – INOCORRÊNCIA – HERDEIROS APARENTES – TERCEIROS DE BOA-FÉ – AQUISIÇÃO A TÍTULO ONEROSO – PRESERVAÇÃO DOS DIREITOS – ART. 1.827 DO CÓDIGO CIVIL – RECURSO PROVIDO EM PARTE

 

– A ação de investigação de paternidade é imprescritível, porquanto o interesse nela perseguido está intimamente ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana, o que não ocorre, todavia, com a ação de petição de herança (Súmula 149/STF).

 

– Tratando-se de filho ainda não reconhecido, o início da contagem do prazo prescricional só ocorrerá a partir do momento em que for declarada a paternidade, momento em que surge para ele o direito de reivindicar em termos sucessórios.

 

– Tendo o terceiro adquirido o imóvel de boa-fé, a título oneroso, daqueles que então ostentavam a qualidade de únicos herdeiros, deve ser preservado o seu direito em permanecer com o bem, conforme dicção do parágrafo único do art. 1.827 do Código Civil, e ressalvado o direito de ação do novo herdeiro contra os alienantes.

 

Apelação Cível nº 1.0071.07.032830-8/001 – Comarca de Boa Esperança – Apelantes: R.F.C.F., J.F.B., R.F.F., L.F. e outros – Apelado: D.D.C. – Relator: Des. Armando Freire.

 

ACÓRDÃO

 

Vistos etc., acorda, em Turma, a 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em dar parcial provimento ao recurso.

 

Belo Horizonte, 12 de dezembro de 2018. – Armando Freire – Relator.

 

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

 

DES. ARMANDO FREIRE – Trata-se de recurso de apelação interposto por L.F. e outros contra a sentença de f. 309/311v. que, em ação de investigação de paternidade cumulada com petição de herança proposta em seu desfavor por D.D.C., julgou procedente o pedido inicial, na forma do art. 487, I, do CPC, para declarar que o de cujus C.J.S. é pai biológico de D.D.C., determinar a alteração correspondente no Registro Civil, declarar nula a partilha realizada nos autos do inventário nº 0071.01.002201-1, com a restituição dos bens da herança ao montante hereditário e realização de nova partilha.

 

Em razões de f. 314/327, em resumo, alegam ter ocorrido a prescrição da petição de herança, porquanto o autor já tinha conhecimento da paternidade, deixando transcorrer o prazo prescricional da pretensão correspondente. Asseguram que os fundamentos da decisão guerreada violam a segurança jurídica, uma vez que os herdeiros ficam à mercê da vontade dos herdeiros não conhecidos, tornando a petição de herança também imprescritível. Por fim, apresenta a última apelante, como razão de seu inconformismo, ser adquirente de boa-fé e não herdeira do falecido. Aduz que não houve partilha, mas adjudicação à última apelante, através de escritura pública de cessão de direitos. Assegura que deve ser mantida a eficácia da adjudicação ocorrida de boa-fé. Requerem o provimento do recurso

 

Contrarrazões às f. 331/339, pela manutenção da sentença.

 

A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer de f. 345/347, opina pelo desprovimento do recurso.

 

É o relatório.

 

Atendidos os pressupostos de admissibilidade, recebo e conheço do recurso interposto.

 

D.D.C. ajuizou ação de investigação de paternidade cumulada com petição de herança, objetivando ser reconhecido filho do falecido J. F., bem como o reconhecimento dos reflexos patrimoniais decorrentes.

 

Apreende-se, da inicial, que os pedidos foram de declaração da paternidade do de cujus em relação ao autor, com a consequente anotação no Registro Civil e reconhecimento da condição de herdeiro. Pugnou-se, ainda, pela anulação da partilha homologada, da escritura pública de cessão de direitos hereditários, da carta de adjudicação, bem como a condenação dos requeridos ao pagamento de 25% (vinte e cinco por cento) do bem recebido indevidamente a maior em favor do requerente.

 

De plano, importa ressaltar que não há nos autos discussão acerca do reconhecimento da paternidade, sobretudo diante do exame genético realizado confirmando-a.

 

Outrossim, não há debate acerca da imprescritibilidade da pretensão investigatória de paternidade, mormente diante do enunciado sumular 149 do STF, que assim dispõe:

 

“Sumula 149 do STF – É imprescritível a ação de investigação de paternidade, mas não o é a de petição de herança''.

 

Quanto à irresignação trazida acerca da ocorrência da prescrição da pretensão de herança, esta se fundamenta na alegação de que a parte requerente sempre soube que o falecido era seu genitor; e, quando da abertura da sucessão, ele tinha 12 anos de idade e, pois, poderia ter se valido do direito de ação, mas deixou fluir o prazo à revelia, fazendo prescrever a sua pretensão.

 

A despeito das razões alegadas, não merece acolhimento o recurso interposto, neste particular.

 

Senão vejamos.

 

Tem-se, como se extrai do enunciado sumular, que a ação de investigação de paternidade é imprescritível, já que o interesse almejado por sua via advém do princípio da dignidade da pessoa humana.

 

Por outro lado, em relação à ação de petição de herança ou de nulidade de partilha, a despeito de ser prescritível esta pretensão, por tratarem os autos de hipótese de filho ainda não reconhecido, o prazo somente começa a fluir a partir do reconhecimento da paternidade, por sentença transitada em julgado, porquanto somente a partir daí surge a pretensão de reivindicar direitos sucessórios.

 

É dizer, aquele que ainda não detém condição de herdeiro não pode postular os direitos que somente dessa condição advêm, sobretudo por lhe faltar legitimidade para tal. Sendo assim, o prazo para postular direitos hereditários, independentemente da via eleita, somente pode começar a correr a partir do momento em que restou reconhecida, de forma cabal, a necessária condição de herdeiro.

 

Este, inclusive, o entendimento da jurisprudência iterativa do Superior Tribunal de Justiça, senão vejamos:

 

“Recurso especial. Ação de investigação de paternidade c/c nulidade da partilha. 1 – Alegações de ocorrência de coisa julgada e necessidade de observância das formalidades legais para que o testamento seja válido e eficaz. Falta de prequestionamento. Súmulas 282 e 356/STF. 2 – Prescrição. Não ocorrência. 3 – Sucessão processual do autor pelo herdeiro testamentário. Possibilidade. 4 – Recurso desprovido. 1 – As alegações de ocorrência de coisa julgada e necessidade de observância das formalidades legais para que o testamento seja válido e eficaz não foram objeto de deliberação no acórdão recorrido, tampouco foi suscitada tal discussão nos embargos de declaração opostos, ressentindo-se o recurso especial, no ponto, do indispensável prequestionamento (Súmulas 282 e 356/STF). 2 – A ação de investigação de paternidade é imprescritível, porquanto o interesse nela perseguido está intimamente ligado com o princípio da dignidade da pessoa humana, o que não ocorre, todavia, com a ação de petição de herança (Súmula 149/STF) ou, no caso, de nulidade da partilha, que para o autor terá o mesmo efeito. – Tratando-se de filho ainda não reconhecido, a contagem do prazo prescricional só terá início a partir do momento em que for declarada a paternidade, momento em que surge para ele a pretensão de reivindicar seus direitos sucessórios. Considerando que, na espécie, não houve o julgamento da ação de investigação de paternidade, não há que se falar na consumação do prazo prescricional para postular a repercussão patrimonial deste reconhecimento, o qual sequer teve início. 3 – Tendo ocorrido o falecimento do autor da ação de investigação de paternidade cumulada com nulidade da partilha antes da prolação da sentença, sem deixar herdeiros necessários, detém o herdeiro testamentário, que o sucedeu a título universal, legitimidade e interesse para prosseguir com o feito, notadamente, pela repercussão patrimonial advinda do potencial reconhecimento do vínculo biológico do testador. Interpretação dos arts. 1.606 e 1.784 do CC e 43 do CPC/1973. 4 – Recurso especial a que se nega provimento'' (REsp 1392314/SC, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, j. em 6/10/2016, DJe de 20/10/2016).

 

Prevalece, ainda, o mesmo entendimento no Tribunal Mineiro, senão vejamos:

 

“Apelação cível. Petição de herança. Partilha: anulação. Antecedente lógico-jurídico. Prescrição. Investigação de paternidade. Princípio da actio nata. Código civil. Redução do prazo. Termo inicial. Vigência. Exame de DNA: recusa injustificada: presunção relativa. Conjunto probatório. 1 – A anulação da partilha, se já ultimada, é consectário lógico-jurídico da procedência do pedido de investigação de paternidade cumulado com petição de herança, sem caracterizar vício de julgamento fora do pedido. 2. Pelo princípio da actio nata, a pretensão de reivindicar direito sucessório só é exercitável a partir do reconhecimento da condição de herdeiro. 3. Quando reduzido pelo Código Civil de 2002 e antes de transcorrida mais da metade do prazo prescricional instituído na lei revogada, a prescrição conta-se pelo prazo reduzido, mas só a partir da vigência da lei revogadora. 4. A recusa injustificada à submissão ao exame de DNA, aliada à prova testemunhal e documental, autoriza o reconhecimento da paternidade, ainda que não obtido o grau de certeza que a prova técnica proporcionaria'' (TJMG – Apelação Cível nº 1.0560.07.001787-9/002, Rel. Des. Oliveira Firmo, 7ª Câmara Cível, j. em 28/11/2017, p. em 7/12/2017).

 

Por fim, em relação à alegada aquisição de boa-fé, razões assistem aos apelantes.

 

Isto porque o parágrafo único do art. 1.827 do Código Civil estabelece que “São eficazes as alienações feitas, a título oneroso, pelo herdeiro aparente a terceiro de boa-fé'', norma esta que se aplica integralmente ao presente caso.

 

Realmente, observa-se que, na hipótese em exame, a quarta recorrente adquiriu o referido imóvel dos três herdeiros até então reconhecidos em 2001, sendo esta ação proposta apenas em 2007.

 

Logo, mesmo tendo sido posteriormente reconhecido mais um herdeiro, ora apelado, devem ser preservados os direitos de J.F.B. quanto ao imóvel objeto da lide, porquanto terceira adquirente de boa-fé.

 

Sobre o tema, a jurisprudência deste egrégio Tribunal de Justiça, inclusive desta Colenda 1ª Câmara Cível:

 

“Apelação cível. Embargos de terceiro. Alienação feita, a título oneroso, por herdeiro aparente a terceiro de boa-fé. Eficácia do negócio jurídico face ao herdeiro preterido. Aplicação, por analogia, do art. 1.600 do CC/1916. Orientação consagrada no art. 1.827 do CC/2002. Recurso desprovido. – São eficazes as alienações feitas, a título oneroso, pelo herdeiro aparente a terceiro de boa-fé'' (TJMG – Apelação Cível nº 1.0543.09.006237-2/002, Rel. Des. Mauro Soares de Freitas, 5ª Câmara Cível, j. em 1º/9/2011, p. em 10/10/2011).

 

“Família. Sucessões. Ação de investigação de paternidade cumulada com petição de herança. Filiação declarada. Efeitos. Pedido de quinhão hereditário. Nulidade da partilha. Venda dos bens após conhecimento da ação investigatória. Impossibilidade de anulação. Necessidade de apuração em ação própria. Arts. 1.824 e 1.827 do Código Civil. Honorários advocatícios. Majoração. – A procedência do pedido de investigação de paternidade implica rescisão da partilha dos bens recebidos pelos herdeiros e que foi realizada sem a participação do novo herdeiro. – Em princípio, a alienação de imóvel ocorrida no curso da ação de perfilhação compulsória é presumida como de boa-fé e não pode ser anulada somente em razão de o pedido investigatório ser julgado procedente. – Hipótese na qual a condição de herdeira somente se materializou após a realização da partilha, e, sendo assim, presume-se válida a alienação do imóvel feita pelo herdeiro, sem prejuízo de que compense a autora da ação investigatória na proporção do direito que lhe assistiria caso tivesse esta condição na época da partilha, em ação própria. – É possível redimensionar os honorários advocatícios quando fixados em valor reduzido para as peculiaridades do caso'' (TJMG – Apelação Cível nº 1.0460.06.023456-0/001, Rel. Des. Alberto Vilas Boas, 1ª Câmara Cível, j. em 16/11/2010, p. em 10/12/2010).

 

Ressalto, por oportuno, que a preservação dos efeitos do negócio jurídico celebrado entre os então herdeiros e a terceira adquirente de boa-fé não prejudica o direito de titularidade do herdeiro agora reconhecido, uma vez que a indenização pelo seu quinhão, 25% do imóvel, pode ser buscada na via processual própria.

 

Com efeito, o autor/apelado deverá buscar o que lhe cabe por direito junto a quem recebeu o que não lhe era devido.

 

Portanto, o recurso deve ser parcialmente provido para decotar da sentença a parte que declarou nula a partilha (adjudicação) realizada nos autos do inventário nº 0071.01.002201-1, sendo reconhecida a boa-fé da terceira adquirente do imóvel por adjudicação (f. 25/26).

 

Conclusão.

 

Diante de todo o exposto, dou parcial provimento ao recurso, nos termos acima expostos.

 

Alterada a sucumbência, determino que as partes arquem com 50% das custas processuais e honorários advocatícios, inclusive recursais, estes fixados em 12% sobre o valor da causa, observada a gratuidade da justiça concedida ao autor.

 

É o meu voto.

 

Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Alberto Vilas Boas e Washington Ferreira.

 

Súmula – DERAM PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO.

 

 

Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico – MG