O procurador Bertoldo Mateus Oliveira Filho acompanha o Ministério Público Itinerante (MPI) desde o seu início, e agora está à frente do projeto como coordenador. Somente nos últimos três anos e meio de projeto foram realizadas 34 etapas, 87 municípios visitados e mais de seis mil pessoas atendidas.
O MPI é um projeto de iniciativa do Ministério Público de Minas Gerais, que teve início em 2010, com o objetivo de aproximar mais o promotor de justiça da sociedade e promover um maior acesso da população à justiça.
Em cada localidade visitada uma estrutura é montada em locais públicos, como parques e praças, para oferecer, gratuitamente, diversos serviços à população local, como atendimento jurídico, emissão de documentos, serviços de saúde, entre outros.
O Recivil e os registradores civis mineiros são parceiros do projeto na emissão de segundas vias de certidões, registro de nascimento, registro tardio, reconhecimento de paternidade, retificações administrativas e demais serviços de registro civil.
Nesta entrevista concedida ao Recivil, Bertoldo Mateus Oliveira Filho comenta sobre o sucesso do projeto, a atuação do Ministério Público e dos registradores civis, a alteração do prenome e do sexo de transgêneros e também sobre a possibilidade de os cartórios auxiliarem outros órgãos na emissão de documentos como carteira de identidade e passaporte. Acompanhe!
Recivil – De uma forma geral, qual balanço o senhor faz do projeto Ministério Público Itinerante?
Bertoldo Mateus Oliveira Filho – É um balanço muito positivo, porque nesses anos todos de caminhada pelo interior de Minas a gente pode sentir a nossa importância, a nossa capacidade de auxiliar o cidadão na resolução de problemas que significam muito para ele.
Essa nossa atividade, embora ela imponha alguns sacrifícios, é prazerosa, pois percebemos que o cidadão ajudado se transforma e se sente participante de uma sociedade da qual, até então, ele era excluído.
Às vezes o que parece simples para nós aqui lá nas cidades que visitamos é uma coisa muito definitiva, muito importante. Às vezes são anos e anos esperando que alguém lance esse olhar de interesse e de vontade de atendimento das necessidades desse povo tão carente.
Recivil – Como o senhor vê o trabalho executado pelos registradores civis para o sucesso desse projeto?
Bertoldo Mateus Oliveira Filho – O trabalho é fundamental, é o pilar. É o momento em que tudo ali começa a tomar forma e sentido, porque a documentação obtida viabiliza o exercício de vários outros direitos, como direitos previdenciários, direitos assistenciais e muitas outras atividades.
Às vezes o problema do cidadão não é nem ali, mas muitos registradores se empenham em solucionar a questão em outra cidade, com um outro colega, para proporcionar àquela pessoa que ali foi em busca de atendimento a satisfação desse interesse tão básico.
Recivil – De forma prática, como o Ministério Público atua durante as ações do projeto?
Bertoldo Mateus Oliveira Filho – Atuamos de duas maneiras. A primeira é levando o promotor da comarca para interagir com as pessoas daquelas cidades, que embora pertençam à comarca, muitas vezes são distantes e não têm essa facilidade de contato.
A presença do promotor de justiça ali é muito importante, porque ele faz uma interlocução direta com as pessoas, ele mostra quem é o Ministério Público, ele se faz presente e isso é muito importante para o fortalecimento dessas comunidades.
A segunda forma é a forma mais prática, que é no sentido de orientar e viabilizar determinadas situações jurídicas, um termo de guarda, fazer um reconhecimento de paternidade, fornecer orientações para o ingresso de ações, acompanhar processos em andamento, pois às vezes o advogado vai naquela cidadezinha, faz aquele tanto de ação, e depois não volta. Então as pessoas ficam alimentando aquela esperança, indefinidamente, e não sabem o que acontece. Muitas vezes ganharam as ações e têm um recurso disponível.
E atua também na orientação de benefícios, como a Previdência, o BPC do LOAS (Benefício de Prestação Continuada), que é muito requisitado. É um atendimento, rápido, prático, sem burocracia e efetivo.
Recivil – O senhor acompanha o projeto já há vários anos e agora está à frente como coordenador. O senhor tem alguma novidade, expectativa ou talvez até novas parcerias para o projeto daqui para frente?
Bertoldo Mateus Oliveira Filho – Vamos fazer uma reunião com todos os participantes do MP Itinerante para agrupar ideias para o fortalecimento do projeto, aumentando o seu alcance, valorizando a cultura local, através das manifestações culturais e levando também o entretenimento para as crianças, no sentido de que quando o Ministério Público estiver em uma cidade aquilo seja útil e prazeroso.
Útil porque vai permitir a obtenção de muitas orientações ou documentos ou informações. E prazeroso porque vai ser uma espécie de festa de todos que estão ali no sentido de um congraçamento comunitário.
Recivil – Qual é a importância da parceria do MP com o Recivil?
Bertoldo Mateus Oliveira Filho – Quando eu falei pilar, que ele é fundamental, é porque sem o Recivil nós teríamos uma atividade incompleta, porque o grande fluxo, o grande brotadouro das soluções passa pelo Recivil. Essa parceria para nós é muito bem quista, muito importante, ela é fundamental mesmo.
Recivil – O Ministério Público é uma instituição responsável pela defesa de direitos dos cidadãos e assume o papel de prestar orientações, principalmente durante ações sociais como o MPI. Gostaria que o senhor falasse um pouco sobre esse papel do MP de ser um orientador não só para a população, mas também para os registradores civis.
Bertoldo Mateus Oliveira Filho – O Ministério Público é um defensor da ordem jurídica, e isso quer dizer que ele deve ter uma atuação, sobretudo, resolutiva, ele deve ser um facilitador. Nós procuramos sempre interagir, estar disponível para uma discussão sempre em conjunto sobre aqueles problemas que aparecem.
Isso também é com os registradores. Nós tivemos encontro com os registradores, tirando dúvidas, fortalecendo entendimentos, para fazer uma ação conjunta, uma ação unificada para atender aquelas pessoas que são muito carentes.
Recivil – Diante de algumas mudanças muitas vezes o registrador civil se sente um pouco inseguro para praticar determinado ato, como é o caso recente da regulamentação da averbação da alteração do prenome e do sexo de transgêneros diretamente no Registro Civil das Pessoas Naturais. O Ministério Público tem alguma orientação para a atuação dos registradores civis em casos como esse?
Bertoldo Mateus Oliveira Filho – Em algumas oportunidades em que essa insegurança do oficial se mostrou, procuramos dar um suporte técnico jurídico ou até mesmo através de uma manifestação escrita para que ele pudesse fortalecer o seu conhecimento e praticar aquele ato, porque se é novidade pra gente é mais ainda pra ele, que vive num universo muito pequeno.
Recivil – Casos como esse, da alteração do prenome e do sexo de transgêneros, poderão ser atendidos durante o Ministério Público Itinerante?
Bertoldo Mateus Oliveira Filho – Sim, nós atendemos todas as situações. Procuramos resolver todos os problemas de uma maneira para facilitar, sempre buscando aquele entendimento que resulta em atendimento.
Nós e o Recivil temos isso muito claro de que não podemos estar ali para ser um dificultador. Nós somos um facilitador, e fazemos todo o nosso trabalho no sentido de viabilizar aquilo que a parte procura, porque às vezes é a única oportunidade que ela tem.
Recivil – Os cartórios de registro civil foram autorizados a prestar serviços públicos relacionados à identificação dos cidadãos, visando auxiliar a emissão de documentos pelos órgãos responsáveis. Essa decisão, no entanto, está suspensa por decisão do Supremo Tribunal Federal. Mas como o MP vê essa possibilidade dos cartórios auxiliarem na emissão de documentos como carteira de identidade e passaporte?
Bertoldo Mateus Oliveira Filho – Isso seria fundamental, porque no caso de documentos que dependemos de outros órgãos, às vezes ficamos também subordinados à dificuldade desses órgãos. É o caso da carteira de identidade, principalmente. Às vezes a própria Polícia Civil tem a intenção, mas não tem a autorização.
Isso (emissão de documentos) seria fundamental. Seria de um significado muito grande para o fortalecimento da cidadania, porque aquelas pessoas acabam sendo embrutecidas pela desatenção do Estado. Se não tem a carteira de identidade não tem como requerer um benefício. Se não tem uma certidão de nascimento fica naquela dificuldade. Então esse fortalecimento dos cartórios no sentido da emissão dos documentos é o fortalecimento da própria cidadania.
Recivil – Em todas essas viagens há algum caso ou alguma situação que te marcou ou que te chamou a atenção de alguma forma?
Bertoldo Mateus Oliveira Filho – Quando estávamos na cidade de Bonito de Minas havia um senhor que tinha 56 anos de idade e não tinha um documento sequer. Na verdade ele nem existia juridicamente. Se ele morresse teria que ser enterrado como um indigente e não teria existido na sociedade.
Através do Recivil foi disponibilizada a obtenção da certidão de nascimento e daí os outros documentos. Achei isso transformador, porque uma pessoa que era um nada na sociedade de repente se tornou um cidadão com a possibilidade de exercer os seus direitos. Isso me impactou muito, entre outros casos.
Fonte: Assessoria de Comunicação do Recivil (Jornalista Melina Rebuzzi)