O Divórcio direto demorou a Chegar – Entrevista Luiz Edson Fachin

Por que demorou tanto para que o divórcio direto fosse instituído no Brasil?

Luiz Edson Fachin: O Direito é a cultura vestida de norma. Assim, a introdução e o funcionamento de práticas sociais ou reivindicações (minoritárias ou majoritárias) como institutos jurídicos legislados passam, numa democracia representativa, por esse filtro que reúne, num expressivo mosaico, ideologias, éticas variadas, concepções morais, valores e convicções. O juízo de valor, por conseguinte, sobre a demora (ou não) na instituição do divórcio sem adjetivações é diretamente proporcional à prevalência de uma ou de outra concepção de família que uma sociedade, num dado tempo e num certo espaço, apresenta no pacto que a congrega como corpo social juridicamente organizado. Para quem sustenta que o amor é primário, que família é afeto, e que a condição humana se fez (e se refaz continuamente) por meio de chegadas e partidas sem que se rompa o ninho essencial que é o sentido da comunhão de vida na própria família, o divórcio direto demorou para aportar na legislação brasileira. Trata-se, pois, de uma demora que precisa ser compreendida nesse contexto. É que as leis não desabam das nuvens nem mesmo da vontade (ainda que legítima a mais não poder) de pessoas ou entidades, isoladamente. A lei é, quando menos, produto de um debate social e de um enfrentamento de opiniões e divergências que são salutares, nomeadamente numa sociedade ainda injusta e desigual como a brasileira. Não há, pois, uma só verdade, um só modelo, uma só moldura para enquadrar todas as fotografias da realidade, nem na família, nem no Direito. Nada obstante, o direito (ora célere, ora com vagar) cumpre, por meio da legislação ou da jurisprudência, relevante função de expressar limites e possibilidades, sendo uma caução de um mínimo indispensável de segurança jurídica, especialmente num ambiente de respeito à diversidade e verdadeira tolerância.

 

Do ponto de vista social, quais os ganhos que a promulgação da Emenda Constitucional 66/2010 trouxe para a sociedade?

Luiz Edson Fachin: Dentre os vários ganhos, é possível citar o seguinte: Diminuição dos procedimentos burocráticos para chancelar o fim do vínculo matrimonial; objetivação das rupturas, sem discussão sobre culpas ou falhas que supervalorizam os supostos danos emocionais e carregam juízos preconceituosos da condição feminina; aumento da responsabilidade no exercício da liberdade de conjugar os afetos por meio do casamento, a fim de evitar que a vida em família se torne um lugar em contínuo trânsito como se fosse uma estação de ônibus; não se trata de banalizar o casamento nem enfraquecer as uniões conjugais: ao contrário, o casamento se mantém como centro da família matrimonializada e a força das uniões conjugais não está na forma da lei e sim da história de vida e de comunhão de valores, sentimentos e legítimos interesses; incremento no foco central da família que é o afeto, o cuidado e o contato frutificado pela amizade que tece os laços da convivência familiar; eliminação de uma escala no vôo entre o casamento e o desate do laço conjugal, o que propicia reforçar a responsabilidade no ato de casar e a compreensão de que o infinito não é um conceito da natureza humana e sim da física mecânica.

 

A promulgação da EC 66/2010 contribui de que maneira para a eficiência do judiciário?

Luiz Edson Fachin: Sim, sem dúvida. A duração razoável dos processos, elevada a princípio constitucional, é um desiderato que deve ser buscado pelo Poder Judiciário. Com o fim da separação judicial, haverá maior celeridade e menor tramitação burocrática dos feitos judiciais. Além disso, abre-se o debate sobre a possibilidade, diante do que a legislação já propicia, a fim de ser incrementada a via extrajudicial para evitar o acúmulo dos afazeres no âmbito das funções jurisdicionais; por isso, consoante já se orientou para os cartórios e tabeliães, para a lavratura de escritura publica de divórcio direto não há mais que se exigir a comprovação de lapso temporal nem presença de testemunhas, desde que respeitados os demais requisitos da Lei 11.441/07. É que agora, para o decreto do divórcio, não mais se exige o decurso de um ano da separação judicial ou da liminar de separação de corpos (divórcio por conversão) ou o decurso de dois anos da separação de fato do casal (divórcio direto). Somente uma precariedade de argumentos pode sustentar a frágil união que levaria uma pessoa se casar em um dia e pedir o divórcio no seguinte. Esse terrorrismo argumentativo não se sustenta na "ratio" da família como união de amor, marcada pela ética do afeto, e circunscrita pelos vínculos reais e não apenas formais.

 

Alguns juristas entendem que a EC 66/2010, por si só, não é o suficiente para acabar com o instituto da separação. Qual a sua opinião a respeito?

Luiz Edson Fachin: É suficiente. Não paira a menor dúvida quanto ao fim do instituto da separação, que foi, pela Emenda Constitucional, eliminado do texto constitucional. Somente uma exegese que vá de encontro à Constituição agora emendada poderá sustentar, numa hermenêutica reducionista e passadista, a necessidade de nova proclamação legislativa para tal fim. A separação, enfim, não é mais assunto do ordenamento jurídico brasileiro. Manter a separação é convidar para o presente um instituto do passado e tornar insepulta a figuração jurídica da separação.

 
Na prática, o que muda na vida das pessoas com a EC 66/2010?

Luiz Edson Fachin: As mudanças são grandes. Dentre elas: Extingue os requisitos para a decretação do divórcio e deixa de contemplar o instituto da separação judicial, facilitando a vida das pessoas na realização das suas escolhas; gera consequência da maior relevância jurídica e sócio-cultural que é o fim da discussão da culpa nos divórcios; contribui para diminuir a litigiosidade desnecessária entre os cônjuges que põem fim a vida em comum, o que inexoravelmente interfere muito negativamente na formação, criação e educação dos filhos comuns, especialmente que as vísceras do desafeto trazem à mostra os "sintomas do fim": acusações de adultério, injúria grave, sevícia, condutas desonrosas, desrespeito, agressão, e assim por diante.

 

Fonte: IBDFam