Artigo – Aumento das taxas e emolumentos: privatização dos cartórios aumentará as taxas em mais de 400% – Por Helcônio Almeida

Um verdadeiro “presente de grego”, foi o que recebeu neste Natal o cidadão contribuinte baiano. Na esteira da privatização tardia dos cartórios da Bahia, foi publicada a Lei 12.373 que majorou as Taxas de Prestação de Serviços e de Poder de Polícia no âmbito do Poder Judiciário e criou uma nova. Trata-se da “taxa de fiscalização judiciária”. A lei estadual, ainda em vigor, estabelece um reajuste anual de no máximo 6,56% correspondente ao Índice de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA, apurado pelo IBGE em 2011.

A nova lei traz, entre outras, uma tabela semelhante à anterior, e que é aplicável aos “processos em geral”. Um documento com valor inferior a R$1.000,00 pagará uma taxa de prestação de serviço de R$ 250,00. Para que se tenha uma idéia do absurdo que representa este aumento, pela lei ora em vigor, um “processo” que tenha o valor da causa fixado entre R$ 46,00 e R$70,59 paga uma taxa de R$14,80. Pela nova tabela, entretanto, terá que pagar R$250,00, ou seja, uma majoração entre 443% no primeiro caso e 254% no segundo. Um exemplo, talvez menos agressivo, é aquele em que um “processo” que tenha o valor compreendido entre R$939,77 e R$1.566,26 paga hoje R$196,60, e pela nova lei passará a pagar R$250,00, um aumento de 27%. O que pode parecer razoável perde esta qualidade quando comparada à correção legal que, como vimos, deveria ser de apenas 6,56%.

Os atos mais comuns também terão um aumento significativo. Vejamos alguns exemplos: impetrar um Mandado de Segurança exige o pagamento de uma taxa no valor de R$27,80. Pois bem, este valor será de R$69,50, o que representa um aumento de 150%; uma Intimação cuja taxa varia entre R$27,80 e R$57,40 a depender da localização do intimado, foi elevada para R$71,80, um acréscimo entre 158% e 24% respectivamente; uma certidão negativa que custava entre R$2,70 e R$4,30 passou para R$10,80 com uma majoração entre 300% e 150%, respectivamente.

A implantação da denominada “taxa de fiscalização judiciária” que será exigida concomitantemente com os emolumentos e, quando do uso dos serviços de tabeliães (Escrituras, registros, etc.) representará uma significativa majoração do serviço em relação ao valor atual. Senão vejamos: a lavratura da escritura de um imóvel no valor entre R$352.408,51 e R$528.612,75 exige o pagamento de uma taxa no valor de R$1.252,70. Pela nova lei, o cidadão contribuinte desembolsará R$1.929,20 a título de emolumentos e de “taxa de fiscalização judiciária”, significando uma elevação de 54%.

A natureza jurídica dos “emolumentos” tem sido objeto de discordância entre os doutrinadores. Desde Aliomar Baleeiro até os atuais, não há consenso sobre o seu caráter salarial ou contraprestacional. Seja qual for a interpretação, cabe o entendimento de que se remunera um serviço público delegado ao particular. Supondo que sejam lavradas cerca de 10 escrituras por dia com valores compreendidos entre R$352.000,00 e R$ 528.000,00 reais, o “cartório” teria um “faturamento bruto” de algo em torno de R$19.292,00 que multiplicado pelos 22 dias úteis que temos significaria o nada desprezível recolhimento de cerca de R$424.424,00 por mês, cabendo ao “cartório” R$275.594,00 a título de emolumentos e R$148.830,00 como “taxa de fiscalização judiciária” que deverá ser transferida para o Poder Judiciário. Isso sem contarmos outros serviços prestados pelo cartório (reconhecimento de firma, procurações, etc.) sobre os quais incidirão também estas duas prestações pecuniárias.

A nova prestação pecuniária, que recebeu o título de “taxa de fiscalização judiciária”, será cobrada e revertida em favor do Poder Judiciário. A questão que deve ser colocada é que a lei que instituiu tal tributo não “definiu” como será feita esta fiscalização, deixando assim de cumprir uma exigência da Constituição Federal (§1º do Art. 236). Isto deixa no ar algumas questões: Quem vai ser o responsável para apurar possíveis denúncias contra o serviço privatizado? Iremos ao já assoberbado Corregedor do Poder Judiciário ou teremos um órgão especial para receber estas reclamações? O cidadão contribuinte continuará desassistido sendo obrigado a aceitar possíveis “custos extras”?

Anotamos que esta diferenciação de valores entre taxas e emolumentos para atos da mesma natureza é histórica. Ela, de certa forma, mistura um pouco da suposta capacidade contributiva do contribuinte com a falsa ideia de que uma “escritura”, por exemplo, no valor de 1 milhão de reais, daria mais trabalho para “ser feita” do que uma de 100 mil reais. Não compartilhamos com estas ideias. O “serviço” de lavrar uma escritura é o mesmo para imóveis de qualquer quantia. Emolumentos e taxas deveriam ter o mesmo valor independente do custo da transação.

A majoração trazida é incoerente com o estabelecido na Lei atual (Art. 10 da Lei 11.631) e também desconsidera o que foi posto na nova lei (Art. 40, da Lei 12.373) para futuras majorações. Ambas impõem como fator de correção de tais valores aquele correspondente ao IPCA do ano anterior. Entendemos que todas aquelas que foram majoradas acima deste índice (6,56%) trazem consigo a sanha arrecadatória caracterizadora de Estados ditos democráticos, mas que desconhecem a participação do cidadão nas decisões que lhe dizem respeito.

Como sabemos, esta lei só entrará em vigor no dia 25 de março de 2012. Observamos, entretanto, que ocorrendo uma possível demora na privatização de alguns serviços, a “taxa de fiscalização judiciária”, recém criada, só poderá ser exigida daqueles que efetivamente utilizarem os cartórios privatizados e não apenas “declarados privados” como diz o Art. 39 da nova Lei. Destacamos ainda que contraria a Constituição Federal a cobrança de “taxa de fiscalização judiciária” para “fiscalizar” um serviço que foi delegado pelo próprio Poder Judiciário, mas ainda se encontra sob a sua administração.

O contribuinte espera que órgãos como a OAB e o Ministério Público, atingidos diretamente por mais uma exação estadual desproporcional, tenham a diligência necessária e ingressem tempestivamente com as medidas judiciais cabíveis.

(*) Helcônio Almeida, é Professor da Faculdade de Direito da UFBA e Presidente do Instituto dos Auditores Fiscais da Bahia

 

Fonte: Instituto dos Auditores Fiscais do Estado da Bahia